O Parlamento aprovou, como esperado, o Orçamento do Estado para 2022. No segundo dia de debate, a oposição insistiu numa perda real de rendimentos e o PSD adiantou mesmo que a Função Pública vai perder “um subsídio de férias ou subsídio de Natal”. O Governo deu novidades na saúde, com Marta Temido a anunciar o fim das taxas moderadoras a partir de junho. Já Pedro Nuno Santos foi questionado sobre a TAP, descrita pela direita como a “incineradora do dinheiro dos portugueses”
O Orçamento do Estado (OE) para 2022 foi aprovado na generalidade, como esperado, mas só a maioria socialista votou a favor. O PAN e o Livre abstiveram-se. PSD, Chega, Iniciativa Liberal (IL), PCP e BE votaram contra. A votação na Assembleia da República ficou marcada pelos gritos de protesto que se ouviram nas galerias.
Antes, houve debate no hemicilo e, depois de António Costa na quinta-feira, coube hoje a Fernando Medina começar a defesa do Orçamento. O ministro das Finanças frisou que não há Governo, “nem nos países mais poderosos, que consiga eliminar os efeitos” da guerra na Ucrânia, mas que é possível “mitigar” essas consequências e que é isso que este Orçamento faz.
"Com este OE baixamos a carga fiscal sobre os combustíveis (...) limitamos os preços do gás, o que irá conter futurar subidas dos preços da eletricidade. (...) Em síntese, apoiamos de forma efetiva as famílias e as empresas", começou por dizer.
E se há expressão que o ministro das Finanças não se cansa de repetir é "contas certas". Nesta sexta-feira, o governante voltou a vincar a importância da “redução da dívida”, “um ativo do qual o país não pode prescindir”, e reiterou que um dos objetivos do Governo é "retirar Portugal da lista dos países mais endividados da Europa".
São argumentos que, no entanto, não convencem a oposição. Rui Rio foi perentório: a inflação é "o imposto escondido" e a "galinha dos ovos de ouro do Governo". "É através dela que o Governo se propõe a enganar as pessoas, não cumprindo as promessas feitas, escassos três meses depois de ganhar as eleições", acusou. O líder social-democrata sublinhou que o Governo, não subindo os salários, se propõe a cortar o equivalente a "mais de metade do subsídio de Natal dos trabalhadores".
"Prometeram subir o salário médio, prometeram um forte aumento do salário mínimo, prometeram aumentar o peso dos salários no rendimento nacional, prometaram que com eles jamais havia asuteridade. Passaram escassos três meses e as promessas foram levadas pelo vento, ao soprar da primeira brisa", frisou.
Rio foi mais longe: o líder social-democrata sugeriu que se houvesse agora "uma segunda volta", ou seja, novas eleições, "esses votos já não seriam para os mesmos" porque as promessas do PS foram atiradas para "o caixote do lixo da política".
Antes, o PSD, por Duarte Pacheco, já tinha apontado "uma perda real de rendimentos" que na Função Pública se traduz na perda de “um salário inteiro no final do ano”. "É como se lhes retirassem o subsídio de férias ou o subsídio de Natal", sublinhou Duarte Pacheco. Por isso, o deputado desafiou o executivo de António Costa a fazer "uma atualização" salarial que corresponda à perda do poder de compra e à inflação atual. Mas, na resposta, Medina afirmou que era "irónico" o PSD ir ao Parlamento pedir uma valorização dos salários. "Enquanto o PSD não fizer mea culpa sobre a sua política relativa ao salário mínimo nacional, não tem autoridade para nos vir falar sobre recuperação de rendimentos", vincou Fernando Medina.
Mais tarde, o PSD contestava também a ideia do Orçamento das "contas certas". O deputado Joaquim Miranda Sarmento lembrou que a UTAO considera que este documento “em nada contribui para corrigir os desequilíbrios estruturais das finanças públicas” e deixou uma farpa aos socialistas: "Trouxeram a troika, o PSD mandou a troika embora. O pai da austeridade é o PS." Medina afirmou que o deputado "não consegue fazer o debate de 2022 e por isso quer fazer o debate de 2010 e 2011".
BE e PCP colam PS à direita, Medina fala na "realidade" que os separa
Mas as “contas certas” de Medina mereceram também uma série de criticas do Bloco de Esquerda, que voltou a colar o caminho de “prudência” do PS à direita. "Os seus argumentos são os argumentos da direita e eu não me admirava mesmo que num dia de maior entusiasmo o senhor ministro deixasse escapar um 'não podemos viver acima das nossas possibilidades'", afirmou Mariana Mortágua. "O PSD, que é o pai moral da prudência, não tem discurso e por isso vai-se encostando à IL, que é um discurso vazio sobre crescimento e produtividade", continuou a deputada.
Medina respondeu à bloquista, realçando o que os separa: “O que sempre nos separará e o que nos separa é a realidade." O ministro das Finanças acusou ainda a deputada de viver "num mundo sem défice, sem dívida" e recusou seguir “um caminho de imprudência”. Mais tarde, o BE, por Pedro Filipe Soares, voltaria ao ataque.
“A realidade que nos separa é aquela de quem não acredita, porque sabe que é mentira, na ideia de que a inflação é temporária. (…) A realidade que nos separa é a realidade das pessoas que têm cada vez menos salário para um mês cada vez maior", vincou o deputado.
Jerónimo de Sousa, do PCP, aproveitou a intervenção no encerramento do debate para salientar que "a questão verdadeiramente essencial" para o Governo é o défice e que, por isso, "o tempo de defesa e reconquista de direitos acabou mesmo". "Quem tinha expectativas que esse percurso [de reconquista de direitos] tivesse continuidade percebe agora que só por cima da maioria do PS isso poderá acontecer", sublinhou o líder do PCP.
Médicos de família? “Navegamos em modo Titanic”, diz PSD
A saúde foi um dos setores abordados nesta sexta-feira, com a ministra Marta Temido a anunciar o fim de quase todas as taxas moderadoras a partir de junho.
"Ter direito à saúde é ter acesso ao SNS, com medidas para ultrapassar as barreiras financeiras e sociais. (…) A partir de junho, exceto na urgência não referenciadas ou que não originem internamento, a cobrança de taxas moderadoras acabará em todos os serviços do SNS", sublinhou Marta Temido.
A ministra aproveitou para afirmar que, depois de 2020 ter sido marcado pela pandemia, o ano de 2021 foi um ano de “recuperação da atividade assistencial”, com mais 3 milhões de consultas face a 2020 e mais 4 milhões de consultas face a 2019. "O esforço empreendido pelo SNS na recuperação assistencial foi-se revelando progressivamente, em todas as áreas", frisou.
Porém, a falta de médicos de família serviu de arma de ataque às restantes bancadas. Cláudia Bento, do PSD, defendeu que o Governo não consegue resolver o problema, nem atingir as metas a que se propôs e que neste OE o Governo "já nem se dá ao trabalho" de incluir uma estratégia. "A situação de défice continua a agudizar-se e navegamos em modo Titanic", sublinhou.
O PCP, por sua vez, apontou que "este OE não responde ao grave problema de saída de profissionais para o privado” e que “isso deixa milhares de portugueses sem médico de família, sem consultas, sem cirurgias". O deputado João Dias frisou que o Governo recusa medidas de "combate à precariedade" e de "valorização das carreiras dos profissionais de saúde".
Marta Temido contrapôs, afirmando que o país tem hoje “o mesmo número de utentes com médico de família que em 2015”, mas também tem “mais 439 mil inscritos no SNS". E garantiu que o Governo continua apostado em conseguir uma "equipa de saúde familiar" a todos os portugueses.
Ainda em matéria de saúde, Rui Tavares, do Livre, aproveitou o pedido de esclarecimento à ministra para desafiar o Governo a resolver um problema concreto: "os enfermeiros que desempenham as funções de chefia quando cessam funções de chefia são posicionados abaixo de enfermeiros especialistas".
TAP, “a incineradora de dinheiro” que poderá ser uma “incineradora política”
O tema TAP foi levado pela direita ao hemiciclo após o discurso do ministro das Infraestruturas e dos Transportes, Pedro Nuno Santos. Paulo Moniz, do PSD, descreveu a companhia aérea como uma “incineradora de dinheiro dos impostos dos portugueses” e, com ironia, afirmou temer que "a incineradora do dinheiro dos portugueses" seja também "uma incineradora política" para o próprio ministro Pedro Nuno Santos.
Antes, Carlos Guimarães Pinto, da IL, tinha destacado o que consta no relatório do OE sobre a transportadora. "Está escrito que os impactos da pandemia na TAP foram semelhantes aos verificados na generalidade das companhias aéreas. Se realmente foram semelhantes temos um problema grave porque as mais importantes companhias aéreas da Europa ou não precisaram de receber dinheiro do Estado ou receberam e já devolveram ou estão prestes a devolver, como a Lufhtansa e a Air France. Pode-nos dizer quando é que a TAP vai devolver o dinheiro injetado?", questionou o liberal. O deputado apontou ainda que o Estado não só colocou "muito mais dinheiro na TAP", como "nunca o vamos receber de volta".
"Gostava que ficasse para a História como o ministro dos comboios, mas vai ficar como o ministro do buraco na TAP", sublinhou Carlos Guimarães Pinto, dirigindo-se a Pedro Nuno Santos.
Para a IL “até para renovarmos a vitória no festival da Eurovisão” é preciso “reduzir impostos”, diz ministro
Na resposta, Pedro Nuno Santos protagonizou um momento mais aceso com a bancada liberal. O ministro começou por dizer que "a IL é monotemática" porque "o tema que ocupa todo o seu programa é a redução de impostos, que é, aliás, a solução para todos os problemas".
"É a solução para o crescimento económico do país, há-de ser também para o problema da falta de água no país ou da erosão costeira ou até para ganharmos uma próxima vez o festival da Eurovisão", atirou, perante a contestação da bancada liberal.
Mas Pedro Nuno Santos continuou. "Presumo até que para renovarmos a vitória no festival da Eurovisão seja necessário reduzir impostos. O que isto revela é que a IL não tem uma estratégia, a IL tem um serviço e esse serviço é reduzir impostos e nós sabemos em primeiro lugar para quem."
Depois, o governante argumentou que a TAP recebeu mais dinheiro durante a pandemia porque já tinha problemas "anteriores". "A decisão mais fácil para este Governo era deixá-la encerrar. Do ponto de vista político, teríamos um problema gravíssimo, que seriam 10 mil despedimentos, mas resolvia-nos o problema em várias frentes", vincou. Pedro Nuno Santos afirmou, porém, que seria "um erro tremendo" para Portugal deixar cair "um dos maiores exportadores" do país.
O ministro das Infraestruturas foi também questionado sobre os problemas na habitação. O BE acusou o Governo de nada ter feito “para conter o aumento da inflação que se alastrou às rendas”. “A prática é que o Governo está sentado em cima de vistos Gold, de benefícios fiscais a residentes não habituais, ao alojamento local desenfreado, aos fundos imobiliários especiais, enquanto milhares de pessoas eram atiradas para condições degradantes de habitação. (…) O PS desistiu e entregou os portugueses à sorte do mercado", continuou a bloquista.
Pedro Nuno Santos sublinhou que, tanto no que diz respeito ao investimento na habitação como na ferrovia, o Executivo não se limita a "intervenções de cosmética”. Mas reconheceu que as políticas de habitação e de mobilidade em Portugal" exigem "paciência" e "trabalho".
A taxa para os “trabalhadores desenrascados” e o “país das maravilhas de António Costa”
A IL aproveitou o debate para deixar uma proposta a todas as bancadas: “uma única taxa [de IRS] a quem ganhe metade do nosso rendimento base como deputados". O desafio foi feito por Carlos Guimarães Pinto. O deputado destacou que "uma pessoa que lá fora ganhe metade do nosso salário base como deputados não se classifica como rica, nem classe média, é uma pessoa desenrascada".
"Se o vosso problema é o alívio de quem ganha mais, vamos aliviar quem ganha metade do que nós ganhamos aqui. Estamos a falar de funcionários públicos, recibos verdes, trabalhadores desenrascados (...). Aceitam ou não uma única taxa para todos os trabalhadores desenrascados deste país?", questionou.
Já o Chega criticou “o país das maravilhas de António Costa” para falar sobre os problemas nas forças de segurança. O deputado Pedro Pinto sublinhou que as dificuldades são mais graves no interior, onde há um "abandono total dos territórios". O partido pediu ao Governo mais efetivos para reforçar as forças de segurança.
O PAN aproveitou o debate para pedir a redução do IVA animal dos 23% para os 6%. "Que estranho país este em que um toureiro, alguém que tem como atividade torturar um animal, está isento de pagamento de IVA, mas um médico veterinário, que tenta salvar vidad, continua a ter de pagar este serviço a 23%", afirmou Inês Sousa Real.