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Prepare-se: vai ficar (ainda) mais pobre

13 abr 2022, 19:30

Fazer crescer a economia, aumentar a despesa e ao mesmo tempo reduzir o défice, baixar a dívida pública, atirar uns milhões para cima dos problemas criados pela guerra e dizer que não há qualquer austeridade no Orçamento do Estado para 2022. É um exercício de contorcionismo só ao alcance dos melhores, mas Fernando Medina conseguiu fazê-lo.

O mesmo Fernando Medina que assume estarmos a viver um contexto de enorme incerteza. E tem razão. Fazer orçamentos do estado nos dias que correm é como estar permanentemente a escrever e a amachucar folhas para dentro de um caixote do lixo. Talvez por isso, o ministro das Finanças não quer ficar na história nem como pessimista, muito menos como um irritante otimista, preferindo o cognome de prudente, não vá o diabo tecê-las.

E o diabo, neste Orçamento, chama-se inflação. Sejam os 4% que o Governo prevê, cinco, seis ou sete, como já está acontecer em muitos países da Europa, as consequências ameaçam ser dramáticas para muitas famílias e empresas. E a grande questão está exatamente em saber se estes níveis de inflação são temporários ou se vão prolongar-se por muito tempo. Medina, aqui, abdica da prudência para ser um otimista — relativamente irritante.

É isso que explica que o ministro das Finanças não tenha refeito o Orçamento para este ano, criando condições para que a política de rendimentos – do público e do privado – possa acompanhar, nem que seja em parte, este crescimento da inflação. Porque Medina acredita que ela, não tarda nada, já desapareceu.

E até lá? E se o aumento dos preços se prolongar muito para lá do que o ministro está à espera? Que bola de cristal tem o Governo para saber quando é que a guerra da Ucrânia vai terminar? Quando é que a Europa corta definitivamente com a energia vinda da Rússia e encontra fontes de abastecimento alternativas? O que é que o Governo sabe, que ninguém sabe, sobre a evolução dos preços dos cereais, que afetam grande parte da nossa cadeia alimentar? A resposta é simples: não sabe.

A isto, o Governo responde com 10 euros de aumentos de pensões – uma fortuna –, o desdobramento de escalões do IRS (tudo medidas que já estavam previstas antes da guerra) e uma subsidiação, limitada no tempo, na energia. Dois mil e duzentos milhões de euros, que comparam mal com uma receita total do Estado estimada em 101 mil milhões de euros, dos quais 56 mil milhões são impostos, um aumento de 6,6% face ao ano passado.

Por isso, quando a inflação lhe continuar a bater à porta, não se esqueça de que ela para si é o diabo, mas para o Estado é uma espécie de anjo da guarda que vai encaixar mais dinheiro com ela.

Prepare-se porque, nos próximos tempos, estamos todos condenados a empobrecer. Uns, muito mais do que outros, como em qualquer país desigual, onde a riqueza produzida é insuficiente e particularmente mal distribuída.

O diabo da inflação vai afetar de forma dramática os que nunca conseguiram poupar e, agora, vão ter de escolher entre um quilo de batatas e dois sacos de arroz.

O diabo da inflação vai, muito provavelmente, baixar os níveis de poupança, fazer cair o consumo privado e afetar toda uma economia que continua extremamente dependente da nossa capacidade de poder de compra.

O diabo da inflação, que, ainda por cima, não nos afeta só a nós, portugueses, afeta, neste momento, toda a Europa, o que significa que até o turismo, o nosso eterno oásis económico e que ainda mal se levantou da pandemia, pode vir a ressentir-se.

Em caso de dúvida, é ouvir o ministro das Finanças, em loop, a dizer que a inflação é passageira, conjuntural e que no próximo ano tudo voltará a ser como antes. Até lá, é aguentar, em nome das contas certas, do défice e do espírito santo que nos salve. E não lhe chamem austeridade, que essa palavra o PS não quer importar dos tempos de Passos Coelho. É acreditar num país cor de rosa, que, nas palavras de António Costa, venceu a troika, venceu a pandemia e vai vencer esta guerra.

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