Ruben Amorim está de cócoras

3 nov 2022, 22:49
Ruben Amorim

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

A brigada da moral e dos bons costumes tornou públicos, na passada semana, os resultados da auditoria forense acerca da actual época do Sporting. Após um longo período de minuciosa investigação, este grupo de cientistas, vulgarmente conhecido pelo nome de Meninos Obedientes e Muito Bem-Comportados, aliás, Meninos Obedientes e Super Bem-Comportados, divulgou o porquê dos 12 pontos de atraso para o Benfica, líder do Campeonato Nacional, da eliminação da Taça de Portugal às mãos do Varzim e da não passagem aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões: Ruben Amorim está de cócoras.

Entre os vários tópicos que se podem ler no estudo, destaca-se o tópico da parolice aguda, que correlaciona a frequente postura do técnico junto ao banco de suplentes com as exibições da equipa, já que, segundo defendem, um treinador de categoria não pode “transparecer derrotismo”, sob pena de influenciar negativamente a atitude dos seus jogadores. Fica a sugestão: por que não, a partir desta temporada, obrigar os treinadores a pisarem o relvado com uma indumentária igual àquela que alguns manifestantes pró-Trump utilizaram na invasão ao Capitólio? Ah. Não dá. Essas vestes também ficaram conotadas a uma derrota.

No futebol, o jogo em si costuma ser o primo afastado na língua dos que gostam de explicar maus resultados futebolísticos. Há as cócoras do míster, as conversinhas entre-dentes dos suplentes, captadas pela câmara naquele nanossegundo, o cruzar de perna do presidente na tribuna, as palavras e as vírgulas na publicação de Instagram do ala direito da equipa, que devia era estar calado e chicotear-se 10 vezes antes de cada treino. Quase todos os argumentos têm mais força do que a singela “escassa variabilidade ofensiva”, ou seja, a “escassa variabilidade ofensiva” está para esta conversa como o 2 de copas está para a sueca numa mesa em que o trunfo é espadas.

A ideia de jogo de Ruben Amorim vem-se transformando sem a habitual sorte de Ruben Amorim. Aliás, tendo, até, algum azar. Houve quem achasse que “a estrelinha” era uma história de embalar criada por Amorim para entalar aqueles que apontavam a sorte como único motivo para as vitórias consecutivas no ano do título do Sporting. E claro que foi. Mas, em alguns momentos, foi, também, a constatação do óbvio, dita com um sorriso nos lábios para deixar os entalados na dúvida.

A cartada Coates a ponta-de-lança funcionou quase sempre – em quantas ocasiões funcionou esta época? –, as reviravoltas nos últimos minutos surgiram em alturas-chave, a inspiração de Pedro Gonçalves não falhou quando faltou competência colectiva, mesmo nos dias em que Pedro Gonçalves passou ao lado de boas exibições – Ruben Amorim era o primeiro a admiti-lo – e a ideia de jogo de outrora cresceu cruzando-se pouco ou nada com a frustração de perder três pontos sendo-se melhor do que o adversário.

Era uma ideia de jogo que não priorizava longos períodos de protagonismo com bola ou a intenção de asfixiar o adversário no seu meio-campo defensivo. Ao invés, privilegiava uma exímia coordenação da linha-defensiva, menos exposta a erros, pois, em termos ofensivos, o Sporting alimentava um jogo mais directo ou/e municiado pelos corredores laterais. Por exemplo, em vantagem no marcador, o Sporting geria inúmeras partidas optando por um bloco baixo.

Ruben Amorim já não procura isto e, inclusive, tem jogadores cujas características lhe permitem dar esse passo em frente, desde que opte por arranjar soluções conjuntas que os façam brilhar. De nada valerá contar com Trincão, Paulinho, Pedro Gonçalves e Marcus Edwards na frente se se produzem dinâmicas de equipa que conta com Slimani e Mário Jardel. Perder de vista a quantidade de cruzamentos que se fazem por jogo é desperdiçar o talento do primeiro lote, que, por outro lado, vem denotando desacerto na hora de se associar perante somente a última linha adversária, quando esse deveria ser um dos seus pontos fortes. Uma mão não basta se quisermos enumerar os lances em que, por jogo, o Sporting chega ao último terço em igualdade ou superioridade numérica sem que haja discernimento para atingir sequer a finalização. Os erros individuais decisivos no desenrolar de certos encontros e as lesões prolongadas em posições em que a qualidade das alternativas fica aquém ajudam a intensificar a aura de desconforto instalada, mas há plantel, ainda que seja de exercício fácil olhar para as saídas de Feddal, Nuno Mendes, João Palhinha, Matheus Nunes e Sarabia. O problema é mais profundo.

As transformações demoram. Trabalhar para desmontar linhas de quatro, de cinco ou de seis, perante adversários que abordam o Sporting com a cautela e o conhecimento do modo de jogar de Amorim que não tinham em 2020/21 requer paciência, soluções ofensivas ­­– de preferência, mais dependentes do individual ao serviço do colectivo –, menor margem para errar. Por agora, resta entender se o Sporting terá tempo para dar ao crescimento de Ruben Amorim enquanto treinador e se Ruben Amorim é treinador para crescer dentro da ideia que quer aplicar. Pode não parecer, mas estamos a falar de alguém que, há quatro anos, era treinador estagiário no Casa Pia. A ascensão foi meteórica, faz parte querer reinventar-se ao longo da carreira, quiçá passar das cócoras para as perninhas à chinês.

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