Ai os assobios fazem dói-dói?

30 mar 2023, 21:11
João Mário (Octávio Passos/Getty Images)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

Numa altura em que os campeonatos comestíveis e o português estão em ebulição - nem na Bundesliga, a nove jornadas do fim, já puderam encomendar as faixas para o Bayern de Munique -, esta pausa internacional para compromissos FIFA veio mesmo a calhar a Cristiano Ronaldo. Partilhou balneário com jogadores que participam na Liga dos Campeões, teve a oportunidade de treinar finalização ao lado de João Mário e ainda deu a entender que Fernando Santos cheirava a mofo, embora já soubéssemos disso desde o ano passado, quando o ex-seleccionador nacional disse que Cristiano Ronaldo era o melhor jogador do Mundo.

Para a maioria dos convocados, jogar frente ao Liechtenstein e ao Luxemburgo significava descer o nível competitivo, mas, em Alvalade, o povo desenrascou uma forma de polvilhar com sal um desafio insosso frente a alguns atletas não profissionais. Como? Assobiando João Mário na altura da substituição e sempre que o jogador do Benfica tocava na bola. Quem nunca sugeriu jogar à sardinha na sala de espera da Loja do Cidadão, que atire a primeira pedra.

No final do encontro, que Portugal venceu por 4-0, estalou uma guerra-civil estéril. De um lado, as tropas do ‘assobiar faz dói-dói’; do outro, o exército do ‘dói-dói faz trocar o Sporting pelo Benfica’. João Palhinha veio a terreiro escolher o seu partido: “O João é um ser humano fantástico, um profissional exemplar. Há que respeitar as decisões que cada jogador toma. As pessoas que o assobiaram que reflitam se é essa a imagem que querem deixar aos filhos.”. Para João Palhinha, assobiar faz dói-dói. Seguiu-se Rafael Leão, que, inicialmente, pareceu estar com vontade de trazer um ponto-de-vista moderado: “Somos jogadores, temos de saber lidar com isto”. Mais tarde, através da sua conta de Twitter, não partilhou as suas palavras sobre o tema, tendo optado por partilhar as de João Palhinha.

Existirem pessoas que escolhem ser futebolistas e depois se vêm queixar de assobios não é o mesmo do que existirem pessoas que escolhem ser políticos e depois se vêm queixar do Contra-Informação? Quer dizer que vocês gostam de ser a cara da nova colecção Outono/Inverno da Levi’s, de nunca mais saberem o que é gastar meio cêntimo na Nike, na Adidas ou na Puma, mas não querem ser alvo do escrutínio público. No fundo, vocês tencionam andar montados no Lamborghini Aventador Coupé de 2 portas, mas ser o Adelino da mercearia ao fundo da rua, que mesmo assim ouve meia dúzia de assobios quando o tio Zé mete na cabeça que os morangos não são frescos.

Seria muitíssimo agradável para o futebol português ouvir Magina da Silva, o director nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP), abordar o planeamento de um clássico ou de um dérbi, assim: ‘Planear jogos de futebol é como fazer preparativos para uma guerra de assobios'. Mas não. No passado dia 23 de Março, o tema da violência no desporto foi discutido num seminário promovido pela PSP e o mesmo Magina da Silva lembrou: “Planear jogos de futebol é como fazer preparativos para uma guerra”. Também seria agradável poder substituir notícias acerca de detenções de adeptos a mando do Ministério Público, depois de pedras e garrafas atiradas à polícia, por notícias acerca de assobios de adeptos à polícia.

Felizmente, existem a Federação Portuguesa de Futebol e o Sindicato dos Jogadores para explicarem aos meninos pequeninos que não vivem numa bolha social e que, como tal, receberem assobios ou, por exemplo, aplausos faz parte de uma das profissões mais mediáticas do mundo.

Em nota publicada no site da Federação, no dia que se seguiu ao jogo em Alvalade, Fernando Gomes disse que o episódio “deixou magoados jogadores, equipa técnica e staff que formam a Selecção Nacional e não se pode repetir, seja com quem for”, enquanto Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores, falou de uma “atitude primitiva que desrespeita o país”, rematando com um “força, João, força, Portugal”. Tenho a convicção de que ambas as notas foram escritas com uma daquelas canetas com a bandeira portuguesa, que oferecem aos emigrantes nas excursões a Fátima. Vem a caneta, o porta-chaves, um isqueiro e um corta-unhas. Ou um porta-chaves corta-unhas.

Afinal, em Portugal, as pausas internacionais para compromissos FIFA podem ser divertidas. Desta vez, aprendemos que o assobio é como o humor, ou seja, só faz dói-dói se formos os visados. Se não formos, até pode ser uma lufada de ar fresco, não é, Fernando Santos?

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