Geraldinos & Arquibaldos XC
«O Sporting já é candidato ao título? Não? […] E agora, já é? […] E agora? […] Ainda não? […] Oh, quando é que vai ser, afinal?»
À medida que o campeonato avança, a questão vai-se repetindo numa gradação que vai do lógico e pertinente ao ponto de impertinência da criança no banco de trás do carro, numa cena transversal desde o nosso quotidiano até às produções americanas: «Are we there yet?»
Por muito que o excelente comunicador e ainda melhor treinador Ruben Amorim não o assuma, é claro que no final da primeira volta a equipa que é líder destacada da Liga é candidata ao título. E as dúvidas que ainda pudessem subsistir foram desfeitas na última semana. Com certeza também pelo alargamento da distância para seis e onze pontos em relação ao campeão em título e ao candidato que prometia arrasar, respetivamente, mas sobretudo pela abordagem ao mercado.
Num contexto de incerteza e de quebra de receitas motivado pela pandemia, que há menos de um mês servia de justificação às notícias sobre o despedimento de 20 funcionários entre SAD e clube, o Sporting acaba de se tornar na sétima equipa do mundo que mais gastou neste inverno. Tudo graças à contratação de Paulinho, o mais caro reforço da história do clube de Alvalade.
Paulinho é um bom ponta-de-lança? Sem dúvida. E Amorim merece que lhe seja satisfeito o seu pedido para reforçar o ataque, como prova de confiança e até de agradecimento pelo excelente trabalho.
No entanto, a contratação no mercado interno de um avançado de 28 anos por 16 milhões de euros (por 70 por cento do passe) é a assunção de uma aposta quase exclusiva na vertente desportiva.
Ao contrário dos investimentos em Pedro Gonçalves ou em Nuno Santos, no defeso, Paulinho não tem o mesmo potencial de valorização. É, acima de tudo, uma aposta para o presente. O retorno logo se verá. É uma contratação para atacar o campeonato, a única competição que o Sporting vai disputar até ao final da época. O que é absolutamente legítimo, por muito que a estratégia de comunicação não o assuma.
Mas para lá de confirmar a candidatura do Sporting, a transferência de Paulinho consagra o Sp. Braga como campeão dos grandes negócios a nível interno.
Não obstante o Sporting ter conseguido um bom reforço e apesar das desavenças recentes entre os dois clubes, em termos puramente pragmáticos o acordo é extraordinário na perspetiva do Sp. Braga.
Duvidam? Então, vamos por partes:
Paulinho foi comprado tendo por base uma avaliação de 23 milhões de euros, o triplo do valor do passe de Taremi (aquando da sua contratação em setembro pelo FC Porto). O iraniano serve na perfeição para a comparação, não só por ter sido alvo da cobiça leonina no último defeso, mas também por ter a mesma idade e sensivelmente o mesmo número de golos na última época e meia (31 golos em 63 jogos, contra 35 em 73 do minhoto).
O Sp. Braga arrecada desde já 16 milhões, o dobro do valor proposto nas primeiras abordagens do Sporting, e ainda fica com 30 por cento do passe, para a eventualidade de o atleta se valorizar e ser vendido.
Mesmo que Paulinho praticamente mantenha o seu valor de mercado, o Sp. Braga salvaguardou a hipótese de ser ressarcido em mais 7,5 milhões de euros, no caso de o Sporting rejeitar uma proposta de pelo menos 25 milhões de euros.
Este negócio por um jogador que já tinha manifestado vontade em sair já seria bom para os minhotos, mas Salvador quis mais moedas de troca. E a balança pendeu ainda mais para o seu lado.
O Sporting começou a pagar Paulinho já nesta semana (as tranches vão estender-se por dois anos) e vai também assumir os encargos com o mecanismo de solidariedade. Por sua vez, o Sp. Braga ainda garantiu dois internacionais, que entraram diretamente no onze – frente ao Portimonense.
Borja, a título definitivo, foi um brinde, que reforça as opções para o lado esquerdo da defesa, desfalcado pela lesão grave de Moura. A contratação do colombiano foi contabilizada em três milhões de euros, mas tem uma contrapartida dessa ordem, com o Sporting a suportar a diferença salarial durante os quatro anos e meio da duração do contrato.
Faltava, porém, um substituto imediato para Paulinho no derradeiro dia de mercado: e assim veio Sporar, que os arsenalistas já tinham sob observação ainda antes de vir jogar para Portugal. O esloveno chegou à Pedreira por empréstimo, mas será o Sporting a pagar-lhe a totalidade do salário.
E no final da época, volta ao Sporting? Veremos.
Se Sporar valorizar no Minho e aparecer um clube disposto a contratá-lo, o Sp. Braga salvaguardou também o direito de vitrine: encaixando 10 a 15 por cento por um jogador que nunca foi seu. E se Sporar convencer em Braga? Aí, os arsenalistas têm também a opção de o contratar por 7,5 milhões.
Pode até acontecer o cenário de o Sporting rejeitar uma proposta de 25 milhões por Paulinho e por via disso ter de «oferecer» Sporar ao Sp. Braga.
Somando tudo, num contexto particularmente difícil no futebol atual, o Sp. Braga fez um negócio que facilmente superará os 20 milhões de euros e Salvador voltou a consumar uma grande venda interna no derradeiro dia mercado de inverno – tal como há dois anos aconteceu com Mamadou Loum, vendido ao FC Porto 7,5 milhões por 75 por cento do passe.
Paulinho pode ajudar o Sporting a ser campeão – se assim for, confirmar-se-á o acerto da sua contratação –, mas para já garantiu ao Sp. Braga o equivalente a uma entrada na «Champions».
Quem conhece o Minho sabe da aversão das suas gentes às incertezas deste mundo.
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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.