Os lesados de Renato Sanches

17 nov 2022, 23:59
Renato Sanches

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

Fernando Santos teve a triste ideia de deixar Renato Sanches fora da convocatória para o Mundial do Qatar e as manifestações juntaram mais populares do que o protesto dos «coletes amarelos» no Marquês de Pombal, em 2018. Não é para menos.

Em 2016, aquando do aparecimento do médio na equipa principal do Benfica, dezenas de comentadores apostaram o carro, a filha e a mulher na integração de Renato Sanches entre os melhores do mundo na posição. Nessa época, pela altura do Europeu, houve, inclusive, afoitos a colocá-lo a esse nível, enquanto os mais prudentes optaram por garantir que, trabalhando, lá chegaria naturalmente.

Mesmo assumindo que, actualmente, Renato faz parte do plantel de uma das melhores equipas do mundo, receio que tal se revele insuficiente para que se faça cumprir a profecia, já que, por exemplo, ninguém defende que Carlos Soler pertença a esse lote de predestinados, ainda que também represente o Paris Saint Germain.

Ou que alguém defenda Kyle Walker como um dos melhores laterais do mundo, ainda que represente o Manchester City – alguém que tenha por hábito acompanhar as exibições do lateral-direito inglês, claro. A correlação parece-me, no mínimo, fraquinha. Como diria Tomás da Cunha, há grandes jogadores que não fizeram grandes carreiras e vice-versa.

Comecei por adiantar que a ideia de deixar Renato Sanches fora da convocatória foi triste, não porque, no lugar do seleccionador, tivesse feito diferente, mas porque não há quem seja capaz de arrancar da minha cabeça os testemunhos gerados por essa escolha.

Jorge Baptista superou a severa concorrência no momento em que lhe atravessou o cérebro a comparação entre Renato e Kevin de Bruyne e decidiu pô-la cá para fora. Assim, sem mais, nem menos, considerou suficiente juntar dois médios que gostam de conduzir a bola para legitimar semelhanças.

Por outras palavras, o que Jorge Baptista fez foi comparar Benzema com Paulinho porque ambos, sendo avançados, costumam pisar terrenos recuados. Uma característica é capaz de não chegar na hora de juntar perfis idênticos. No futebol, transportar a bola de um lado para o outro não é sinónimo de somar boas acções. Isso é mais valorizado no circo, quando se aplaude o número das focas.

Pode-se conduzir para fixar adversários, ganhando vantagem posicional antes de soltar a bola – por exemplo, um defesa-central pode conduzir para que algum opositor salte de uma organização defensiva recuada e, assim, o colega surja no terreno anteriormente ocupado; para driblar adversários – aqui, não ir ao choque faz sentido, de forma a que a bola não seja disputada no limite, diminuindo as chances de sucesso do portador.

No fundo, aliar inteligência e agilidade à condução, já que esta é uma modalidade em que os jogadores com competências atléticas podem destacar-se, mas em que são necessárias, sobretudo, competências intelectuais. E é aí que está o maior contraste entre Renato Sanches e Kevin de Bruyne, tornando a confrontação emocionante, impactante, contudo, patética.

Além do brilhantismo na execução, que também é muito superior ao de Renato, o médio do Manchester City adequa, na maioria das vezes, a utilização das suas características às necessidades do contexto. Esse é, aliás, o aspecto em que Renato Sanches se revela o mais fraco quando olhamos para os médios que integram a convocatória.

William Carvalho, Rúben Neves, Vitinha, João Palhinha, Otávio, Matheus Nunes, João Mário, Bernardo Silva e Bruno Fernandes podem ser melhores ou piores do que Renato Sanches em determinados parâmetros. No entanto, nenhum fica atrás de Renato Sanches no entendimento do que é necessário oferecer nos diferentes contextos de um jogo – ora porque reconhecem as suas limitações e arriscam muito menos, como é o caso de João Palhinha, ora porque são mais completos nas soluções das quais dispõem.

Com esta explicação, não estou a dizer que Fernando Santos concorda comigo, muito pelo contrário. Parece-me evidente que o Engenheiro aprecia as características de Renato. No caso do seleccionador, acho que o histórico recente de lesões do médio do Paris Saint pesou, optando por Matheus Nunes, cujo rendimento no Wolverhampton tarda também a justificar o investimento.

Aos 25 anos, Renato Sanches continua a denotar as qualidades e as fragilidades de outrora, o que não é um diagnóstico incrível, tendo em conta os seis anos volvidos. Não me espanta. Espanta-me que os lesados insistam em não compreender que as qualidades que o tornam (ao Renato), de certa forma, rico, são as mesmas que os tornaram (aos lesados) pobres, levando-os, por tudo o que fui descrevendo até aqui, a perder as apostas. Renato Sanches não está entre os melhores médios do mundo.

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