Visão Global - a opinião de André Pipa
Trinta e duas equipas (as onze mais valiosas são todas europeias) de cinco continentes, 63 jogos, 11 cidades-sede, 930 milhões em prémios e o clube mais mitico e titulado do Mundo – o Real Madrid – na habitual condição de Primus Inter Pares. Eis, em resumo, o novo modelo do Mundial de Clubes que a FIFA estreia nos Estados Unidos.
Sendo um dos doze clubes presentes que apresentam no curriculo títulos de campeão mundial, o FC Porto abre a participação portuguesa em East Rutherford, nos suburbios de Nova Iorque, contra aquele que é, presumivelmente, o adversário mais dificil do seu grupo: o Palmeiras de Abel Ferreira, a equipa brasileira (e sul-americana) mais competitiva destes últimos anos e a que vale mais (252 milhões) de acordo com o portal Trasnfermarkt. Mesmo a viver um período de ‘vacas magras’ sob a liderança de um jovem treinador argentino – Martin Anselmi - que até agora não mostrou por que razão foi contratado, o FC Porto não tem de se sentir amedrontado perante o Verdão, que é uma das poucas equipas brasileiras de topo que nunca conseguiu ser campeã mundial de clubes.
O historial e curriculo internacional do FC Porto, de longe o melhor do futebol português, infunde respeito a qualquer oponente (sete títulos no total, dois deles de campeão mundial), ainda que no duelo dos bancos Abel Ferreira saiba muito melhor que Anselmi o que é disputar esta prova. Lembro que Abel chegou à final do Mundial em 2022 com o Palmeiras (perdeu-a para o Chelsea, 1-2, a três minutos do final do prolongamento), um ano depois de ter caído inesperadamente nas meias-finais da mesma prova perante os mexicanos do Tigres (0-1). As últimas memórias do FC Porto nesta competição remontam ao formato anterior (Taça Intercontinental) e aos títulos de 2004 (Yokohama, 0-0 e 8-7 no d.g.p ao Once Caldas) e 1987 (Tóquio, 2-1 ao Penarol). Curiosamente, a CNN tem como comentadores dois campeões mundiais portistas, Augusto Inácio, vitorioso na célebre batalha da neve de 1987, e Nuno Ribeiro ‘Maniche’, que foi considerado o ‘Man of the Match’ da final de 2004.
De qualquer modo, o FC Porto sabe que não pode facilitar um milimetro contra o experiente Palmeiras, talvez a equipa sul-americana com a pose e armadura táctica mais aproximada do (melhor) futebol europeu - sem esquecer que Abel conhece bem o perfil competitivo do FC Porto. Depois de uma temporada decepcionante, o guarda-redes portista Diogo Costa, que falha o jogo inicial, colocou a fasquia muito alta (‘queremos ser campeões do mundo’), à semelhança do que André Villas Boas havia feito relativamente à Liga Europa, mas desta vez foi o próprio presidente a baixar as expectativas, apontando a passagem aos oitavos-de-final como objectivo minimo. Parece mais razoável, tendo em conta o pouco que o FC Porto tem jogado e o facto de não se notar evolução ao fim de cinco meses com Anselmi, que, diga-se, começa a peceber que a paciência dos adeptos não é infinita: ‘São três jogos dificeis e não há margem de erro’, disse ele nos Estados Unidos.
Há curiosidade relativamente à estreia do reforço Gabri Veiga, e ao desempenho dos dois jogadores mais valiosos da equipa, o virtuoso Rodrigo Mora (que irá defrontar Messi no jogo seguinte…) e o goleador Samu.
O Benfica estreia-se amanhã em Miami Gardens, na Florida, com os argentinos do Boca num grupo que conta com dois múltiplos campeões mundiais: o Bayern (quatro títulos) e o citado Boca Juniors (três). A equipa de Miguel Angel Russo, Edinson Cavani (ex-futuro reforço encarnado), Marcos Rojo e Rodrigo Battaglia (ex-leões), é o rival contra o qual o Benfica irá jogar, presumivelmente, a qualificação para os oitavos – o Bayern é favorito claro no grupo - daí a importância de começar bem. Em condições normais, o Benfica que vimos na Champions (chegou aos oitavos-de final) tem qualidade mais do que suficiente para vencer o Boca Juniors. O futebol argentino, em termos clubisticos, está a anos luz da potência que foi e o Benfica nestes últimos anos (esplêndidas campanhas na Champions) tem dado passos importantes no sentido de recuperar o estatuto de grande europeu. Sem Tomás Araújo, Cabral e Amdouni, com Di Maria em tempo de despedida e Otamendi ainda não assegurado para a próxima época, Bruno Lage sabe o que tem de fazer para assegurar um lugar nos oitavos, uma vez que ninguém lhe exige que vença o Bayern, a maior besta negra internacional do Benfica (nunca o venceu: três empates e nove derrotas em doze jogos).
Tal como o FC Porto, o Benfica tenta neste torneio lamber as feridas de uma época que acabou francamente mal. A conjuntura não é risonha: o clube está a viver um período complexo, dada a contestação à actual direcção, a ausência de um rumo claramente definido no futebol e a eleição presidencial no horizonte próximo. Rui Costa sabe que as suas hipóteses de reeleição passam muito pelos resultados da equipa de futebol – o desempenho no Mundial poderá aliviar ou acentuar a insatisfação dos adeptos, assim como o apuramento (ou não) para a Champions e o desfecho da Supertaça contra o arqui-rival Sporting. Tudo isso vai ajudar à construção de uma narrativa que os adeptos encarnados preferiam que fosse baseada em sucessos desportivos e não em promessas de nomes cintilantes e investimentos maciços.
O Benfica volta a competir pelo título mundial 63 anos depois de uma célebre final da Taça Intercontinental contra o Santos de Pelé. A final era a duas mãos e no jogo inicial, no Maracanã, a 19 setembro de 1962, os encarnados perderam por um golo (2-3), com um bis de Joaquim Santana e outro de Pelé. Três semanas depois, na Luz, o Santos arrancou uma exibição extraordinária às cavalitas de Edson Arantes do Nascimento. A três minutos do fim, goleavam por 5-0 com ´hat-trick’ de Pelé. Golos do grande Eusébio e de Santana, nos instantes finais, amenizaram o marcador. Um ano antes o Benfica falhara a primeira tentativa de conquistar o título mundial perante o uruguaio Peñarol: vitória na Luz (1-0), goleada em Montevideu (0-5) e nova derrota (1-2) na finalíssima, também disputada em Montevideu.