"O meu sobrinho não tinha nem um tiro no corpo, apenas arrancaram a cabeça dele": dezenas de mortos na operação policial "mais letal da história do Rio de Janeiro"

30 out, 21:00

Familiares dos mortos acusam as autoridades de não distinguirem os moradores e os trabalhadores dos membros do Comando Vermelho. Falam em "massacre". Governo Lula não foi informado da operação, Lula ficou "estarrecido"

121 mortos oficiais - o Ministério Público diz que vai chegar aos 132 -, 113 detidos e centenas de armas apreendidas: é este o mais recente balanço daquela que já é considerada a maior operação policial da história do estado do Rio de Janeiro, assim como a mais letal até hoje.

Segundo os meios de comunicação social brasileiros, 54 cadáveres foram encontrados no dia da operação, enquanto 63 foram descobertos por moradores numa zona de mata do Complexo da Penha. Entre as vítimas mortais estão ainda quatro polícias e dois militares.

Foram apreendidas 118 armas: 91 fuzis, 26 pistolas e um revólver, 14 artefatos explosivos e uma quantidade ainda não apurada de drogas.

No Complexo da Penha, zona norte do Rio, os moradores responsabilizaram-se por transportar os mortos para a Praça de São Lucas, onde seriam reconhecidos pelos familiares. Entre contagens e recontagens, sobressai um facto: a operação de terça-feira foi a mais mortífera registada no estado.

Os familiares dos mortos acusam as autoridades de não distinguirem os moradores e os trabalhadores dos membros do Comando Vermelho. Um desses familiares é a tia de uma das pessoas que morreram no Complexo do Alemão. “Entraram a matar, sem olhar a quem. O meu sobrinho não tinha um tiro no corpo, apenas arrancaram a cabeça dele e deixaram-na pendurada na mata.”

As críticas das famílias estendem-se à proibição de acesso aos locais onde os corpos foram encontrados, impedindo qualquer ajuda ou identificação imediata das vítimas.

As críticas das famílias estendem-se à proibição de acesso aos locais onde os corpos foram encontrados, impedindo qualquer ajuda ou identificação imediata das vítimas.

Lula ficou "estarrecido"

Horas depois da operação, o Governo Federal direcionou duras críticas à ação da polícia. O ministro da Justiça salientou que Brasília deveria ter sido informada previamente, pois “foi uma operação extremamente violenta”. Já o presidente brasileiro, Lula da Silva, ficou “estarrecido” com o número de mortos e com o facto de a ação ter sido desencadeada sem conhecimento do Executivo federal.

"O Presidente ficou estarrecido com o número de ocorrências fatais e também se mostrou surpreso que uma operação desta envergadura fosse desencadeada sem conhecimento do Governo federal, sem nenhuma possibilidade de o Governo federal participar de alguma forma", sublinhou Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil.

Apesar das críticas, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do Partido Liberal de Jair Bolsonaro, defendeu a operação, afirmando que foi “um sucesso” e que apenas os polícias mortos podem ser considerados vítimas.

“Queria me solidarizar com as famílias dos quatro guerreiros que deram a vida para libertar a população. Eles foram as verdadeiras quatro vítimas. De vítimas ontem só tivemos os policiais", afirmou o governador, um dia após a operação.

Segundo o secretário da Polícia Militar, Marcelo de Menezes, todas as regras da ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - foram cumpridas, ao mesmo tempo que foram utilizadas câmaras corporais durante a ação. No entanto, a duração das baterias (cerca de 12 horas) pode ter provocado a perda de parte das gravações, uma vez que nem todas puderam ser substituídas ou recarregadas durante a operação.

A megaoperação mobilizou cerca de 2.500 agentes e tinha como objetivo cumprir 100 mandados de detenção contra membros do Comando Vermelho. Os alegados traficantes reagiram com bloqueios em várias vias da zona norte do Rio, causando interrupções em cerca de uma centena de linhas de autocarros e o encerramento de dezenas de escolas e centros de saúde.

"Muro do Bope": a estratégia por trás da operação

As forças de segurança utilizaram a chamada estratégia do “Muro do Bope”, cercando os suspeitos na Serra da Misericórdia e empurrando-os em direção à mata, onde outras equipas do Batalhão de Operações Especiais já estavam posicionadas para uma emboscada.

O secretário explicou que o objetivo era conter confrontos e proteger moradores, criando uma linha de bloqueio entre as comunidades. A maior parte dos confrontos registou-se nessa mata para onde os alegados criminosos foram atraídos.

Três dias após a operação que abalou um dos maiores estados brasileiros, o país encontra-se dividido quanto à realização da ação. Entre homenagens a agentes mortos e acusações de chacina, a comunidade e as autoridades tentam lidar com os números históricos e as repercussões de uma ação que entrou para a história como a mais letal do Rio de Janeiro.

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