Investigação às transferências milionárias no futebol. O que sabemos até agora

24 nov 2021, 18:00

Negócios de 15 milhões terão gerado 3,5 milhões de fuga aos impostos e contribuições. Seis anos depois do início, Football Leaks continua a produzir consequências

O Ministério Público e a Autoridade Tributária realizaram esta quarta-feira buscas nos estádios do Sporting Clube de Braga e do Vitória Sport Clube. Em causa estão, de acordo com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), 24 buscas domiciliárias e não domiciliárias, que a CNN Portugal sabe que foram lideradas pelo juiz Carlos Alexandre. As investigações não deverão ficar por aqui.

As buscas visaram suspeitas de “negócios simulados” entre clubes de futebol e terceiros, com vista à ocultação de rendimentos sujeitos a declaração e a retenção na fonte em sede de IRS. Os valores envolvidos rondam os 15 milhões de euros. Segundo a Tribuna Expresso, numa informação já confirmada pela CNN Portugal, a investigação calcula que aqueles negócios tenham gerado uma fuga de 3,5 milhões de euros em impostos e contribuições: estão a ser investigados crimes de fraude fiscal, fraude à segurança social e branqueamento de capitais.

Além dos estádios daqueles clubes, também o escritório do empresário Bruno Macedo foi alvo de buscas, assim como o escritório do seu pai, Vespasiano Macedo, antigo advogado do presidente do Sporting de Braga, António Salvador.

Agentes e jogadores

O empresário Jorge Mendes e a sua empresa, a Gestifute, foram alvo de buscas em três locais distintos: a casa do agente e as duas instalações da empresa, em Lisboa e no Porto.

Anderson Souza, antigo jogador de futebol conhecido como Deco, foi outro dos alvos, com buscas a decorrerem em casa do ex-futebolista de FC Porto e Barcelona e também na empresa D20 Sports, da qual o luso-brasileiro é fundador.

Houve ainda averiguações nas instalações das empresas BM Consulting (empresa de consultoria e outsourcing), Yes Sports (empresa que agencia jogadores) e da CCL Contabilidade, bem como a José Henrique Azevedo Maia.

A BM Consulting é detida a 90% por Bruno Macedo, com os restantes 10% a pertencerem à sociedade Vastos Limites, sociedade que, por sua vez, é detida pela BM Consulting, empresa que detém ainda a maioria do capital da Yes Sports. Na prática, é Bruno Macedo o dono da BM Consulting e da Yes Sports.

A acompanhar as buscas estiveram 31 inspetores tributários aduaneiros e nove especialistas de informática forense, com o apoio dos 50 militares da Unidade de Ação Fiscal da GNR.

Football Leaks na origem

A Operação Fora de Jogo iniciou-se em 2015, baseando-se nas revelações feitas por Rui Pinto na plataforma Football Leaks, em que as autoridades fiscais de Portugal se juntaram às de Espanha, França e Inglaterra para investigarem negócios do mundo do futebol.

A primeira ação da investigação com grande visibilidade ocorreu em março de 2020, altura em que foram realizadas dezenas de buscas a instalações de Benfica, FC Porto, Sporting e Sp. Braga, mas também a Portimonense, Vitória Sport Clube, Estoril e Marítimo.

Na altura, a Autoridade Tributária, o DCIAP e a Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais procederam à abertura de cinco megainquéritos, suspeitando de ilegalidades relacionadas com transferências de jogadores a partir de 2015.

Algumas das transferências envolvidas foram relativas a jogadores como Pizzi, Jonas ou Jiménez (Benfica) ou Jackson Martínez, Falcao ou Casillas (FC Porto).

Da lista de transferências investigadas em 2020 constam nomes como: 

FC Porto Sp Braga Benfica
Jackson Martínez Dyego Sousa André Carrillo
Iker Casillas Fransérgio  Pizzi
Radamel Falcao Raúl Silva Jiménez
James Rodriguéz Éder Júlio César
Imbula Pablo Santos Ola John
Mangala   Jonas
Danilo Pereira    

Também na altura decorreram buscas a Jorge Mendes e à sua mulher, Sandra, bem como ao escritório de Carlos Osório de Castro, advogado da Gestifute, empresa do superagente.

Também as casas dos presidentes de Benfica, FC Porto, Sporting e Sp. Braga foram alvo de buscas em março de 2020.

Até ao momento há 129 arguidos no âmbito da Operação Fora de Jogo, entre os quais estão jogadores de futebol, agentes, intermediários, dirigentes desportivos e advogados e várias pessoas coletivas.

Segundo dia de buscas esta semana

Não está oficialmente confirmado se os dois casos estão relacionados, mas este foi o segundo dia com buscas a instalações de clubes de futebol esta semana, depois de a SAD do FC Porto ter sido alvo de averiguações por parte do Ministério Público. Em causa está o pagamento de comissões superiores a 20 milhões de euros em transferências de futebolistas.

No caso das buscas mais recentes aos azuis e brancos, os principais alvos foram Alexandre Pinto da Costa e Pedro Pinho, filho do presidente do FC Porto e empresário ligado ao futebol, respetivamente. Também os administradores da SAD portista Adelino Caldeira e Fernando Gomes foram alvo de buscas.

Ao todo, foram realizadas 33 buscas domiciliárias e não domiciliárias relacionadas com “circuitos financeiros” em negócios do futebol, de acordo com o Ministério Público. Essas buscas tiveram também como alvo as casas de Alexandre Pinto da Costa, de Pedro Pinho e de Jorge Nuno Pinto da Costa.

O filho do presidente do FC Porto é suspeito de ter recebido “luvas” milionárias não declaradas ao fisco, bem como de ter recebido 2,5 milhões de euros num negócio de 500 milhões de euros relacionado com a venda de direitos de transmissão televisiva do clube azul e branco à então Portugal Telecom, atual Altice.

Também nestas buscas aparece o nome de Bruno Macedo, que, juntamente com Pedro Pinho, é considerado pela investigação um testa de ferro de Alexandre Pinto da Costa, que através dos dois empresários terá recebido comissões de negócios ligados ao clube. Esse negócio de 500 milhões de euros foi intermediado pela BM Consulting, empresa que também foi alvo de buscas esta quarta-feira.

Quem é Bruno Macedo?

Natural de Braga, Bruno Macedo aparece como figura central de alguns dos casos judiciais mais mediáticos do desporto. Além da Operação Fora de Jogo, é também investigado na Operação Cartão Vermelho, que em julho de este ano culminou mesmo na sua detenção, em conjunto com Luís Filipe Vieira, Tiago Vieira e José António dos Santos.

O empresário é filho de Vespasiano Azevedo, ex-advogado do presidente do Sp. Braga. Foi através do pai que Bruno Macedo chegou ao clube minhoto, onde trabalhou como diretor do departamento jurídico entre 2008 e 2013.

Quando saiu passou a dedicar-se à intermediação de negócios do futebol, nomeadamente através do agenciamento de jogadores, que efetivou com a empresa Yes Sports.

Tornou-se um empresário influente e esteve envolvido em grandes transferências para clubes como Benfica, FC Porto, Sporting ou Sp. Braga.

Foi na sequência de alguns desses negócios que foi detido no verão, suspeito de ter lesado o Benfica por suspeitas de ser testa de ferro de Luís Filipe Vieira, então presidente do clube. Acredita a Justiça que o empresário terá guardado dinheiro do recebimento indevido de comissões de transferências de jogadores.

Foi também Bruno Macedo que esteve envolvido nos últimos movimentos da carreira de Jorge Jesus. Em 2019, foi uma das partes a intermediar a ida do treinador para o Flamengo, estando novamente envolvido no regresso do técnico a Portugal, um ano mais tarde, para treinar o Benfica.

Com o clube da Luz esteve ainda na intermediação das aquisições de Everton e Lucas Veríssimo, jogadores que chegaram a Portugal no verão de 2020, ainda durante a presidência de Luís Filipe Vieira.

O nome de Bruno Macedo aparece na Operação Fora de Jogo também através das empresas BM Consulting e Yes Sports.

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