Ministro da defesa afirmou publicamente que a localidade "deve ser entregue ao Estado português" e que a questão "não é de ontem, é de hoje"
Durante uma visita a Estremoz na sexta-feira, a propósito do Dia do Regimento de Cavalaria N.º3 (RC3), unidade do Exército também conhecida como "Dragões de Olivença", o ministro da Defesa, Nuno Melo, surpreendeu.
"Olivença é portuguesa, naturalmente. Não é provocação nenhuma. Aliás, por tratado, Olivença deve ser entregue ao Estado português", afirmou.
O ministro, que fez parte do seu serviço militar no RC3, a unidade mais antiga do Exército em atividade, tendo celebrado este ano o seu 317.º aniversário, diz que a questão "não é de ontem, é de hoje", e defendeu que "não se abdica" dos “direitos quando são justos”.
"Estes Dragões são de Olivença por alguma razão", completou Nuno Melo.
O assunto é, no entanto, cada vez menos falado pela sociedade portuguesa, diz Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Internacional.
"Dou todos os anos uma aula aos meus alunos [sobre Olivença]. Muitos não conhecem o caso", conta.
"Fingimos que a questão não existe", prossegue. "Se for ver os mapas de Portugal, Olivença não está lá, pois não? Nos mapas nas escolas primárias, Olivença não está pintada como se pertencesse a Portugal."
Para Pereira Coutinho, o que Nuno Melo fez em Estremoz "não pode ser criticado", pois "está a fazer aquilo que a Constituição o manda fazer" sobre Olivença.
"O Estado português não pode renunciar Olivença. A Constituição diz que o território português é aquele que é historicamente definido, e isso é interpretado como incluindo Olivença. Portanto, nenhum Governo português, a não ser que se mude a Constituição, pode renunciar a território nacional", explica o especialista.
"Quem deve ser criticado são todos aqueles que não fizeram absolutamente nada. Nos últimos 150 anos, desde o Duque de Palmela, os governos portugueses desistiram de Olivença", lembra.
O Duque de Palmela foi quem mais batalhou pela causa nacional, tendo sido o representante de Portugal no Congresso de Viena, que decorreu de 1814 até ao ano seguinte. Os vários governos desde então não têm colocado este tema na agenda bilateral, e António Martins da Cruz, ministro dos Negócios Estrangeiros de Durão Barroso, chegou mesmo a dizer, em 2003, que a questão estava "congelada".
Pereira Coutinho salienta, no entanto, que Nuno Melo "tem de ser consequente". "O que é que vai fazer? Vai pedir Olivença de volta na próxima semana? Vai fazer um pedido formal a Espanha amanhã?", questiona.
Para o especialista em Direito Internacional há uma solução "civilizada" para resolver a disputa: a mediação do Tribunal Internacional de Justiça, com sede em Haia, nos Países Baixos.
"Se acham que têm argumentos jurídicos que fundamentam a pertença territorial de Olivença a Espanha ou a Portugal então que os apresentem em tribunal. (…) Por direito é portuguesa, mas de facto é espanhola. Mas isso é o que nós dizemos. Eles dizem que têm argumentos contrários ao nosso, que não é verdade que esses argumentos jurídicos tenham sustentação. Bem, peça-se a um tribunal que o decida. Essa é a minha proposta muito prática para resolver isto", sugere.
O que está em causa?
A Questão de Olivença é algo que diz muito a alguns portugueses e quase nada aos espanhóis. Incorporou de facto o território de Portugal, de forma contínua, desde o século XIII e do Tratado de Alcanizes até à infame Guerra das Laranjas, em 1801, em que Portugal perdeu o controlo daquela localidade, algo que acabou por formalizar com a ratificação do Tratado de Badajoz.
Mas cedo Portugal reclamou a anulação do acordo: Espanha e França, através do Tratado de Fontainebleau, assinado em 1807, concordaram em invadir e dividir o território português, algo que, de acordo com Portugal, violava os termos do Tratado de Badajoz.
A grande vitória portuguesa durante a disputa aconteceu no Congresso de Viena, que estabeleceu que Olivença era, de jure, território português. Espanha ratificou o tratado em 1817. Mas o território nunca foi devolvido ao seu dono.