"Haverá nos próximos anos uma recessão. É inevitável. E admito que não se esteja a fazer o suficiente" para a acautelar

9 out, 07:00
António Nogueira Leite. CNN

ENTREVISTA || O economista António Nogueira Leite está apreensivo em relação à pouca atenção dada pelo Governo ao controlo da despesa. Alerta que Portugal está muito dependente da conjuntura económica e garante que era "muito importante" que se fizesse "mais do que alguns remendos salariais que foram feitos no ano passado"

“Este era o momento em que se tinha de ter ganhos de eficiência na Administração Pública que permitissem não ter políticas pró-cíclicas quando a economia abrandar”, alerta o economista António Nogueira Leite em entrevista à CNN Portugal. E num cenário de Portugal vir a ter uma recessão, o economista admite “que não se esteja a fazer o suficiente”. Nogueira Leite diz ainda que os problemas estruturais do país não estão melhor hoje do que estavam há cinco anos ou há dez.

O Governo tem seguido uma política orçamental marcada pela redução de impostos e aumentos salariais em setores específicos da Administração Pública. Em simultâneo, temos entidades como o Banco de Portugal e o Conselho de Finanças Públicas a alertar para o perigo de regresso a défices ou do esgotamento da margem orçamental. Estamos a entrar num caminho perigoso? 

São perspetivas diferentes sobre a mesma realidade, mas que são compatíveis. É preciso recordar que desde que se passou a ter as chamadas cativações como instrumento de política orçamental há muito mais margem de manobra na execução do Orçamento do Estado. E o atual Governo não abandonou a prática que se instaurou após 2015. Há nuances face ao passado, mas não há um corte radical da política orçamental. O Governo poderá estar a fazê-lo de forma diferente, mas é óbvio que o ministro das Finanças mantém uma grande margem de discricionariedade para fechar cada exercício. Isso permite ao ministro controlar tudo e permite-lhe saber exatamente o que está a ser feito. Provavelmente, o ministro das Finanças tem uma perspetiva de que tem mais margem de manobra do que antecipam aqueles que estão de fora.

E que permite fazer os tais brilharetes orçamentais…

Ainda há um pouco do fenómeno que se verificava muito com Mário Centeno e com os seus sucessores no Ministério das Finanças: acabavam por chegar aos objetivos e, muitas vezes, a meio do ano, quando parecia bastante improvável que tal viesse a acontecer.

Essa política tem consequências?

Sim, depois veem-se as consequências, com muito investimento, muita despesa que fazia sentido ser realizada a ser preterida para se chegar ao défice pretendido.

 

Os nossos problemas estruturais não estão melhor hoje do que estavam há cinco anos ou há dez anos."

 

E é nessa despesa que se corta porque a restante é rígida, como a despesa com salários e pensões, por exemplo.

Sim, continuamos a ter uma componente muito grande de despesa recorrente, de despesa rígida. E se houve algo que este Governo fez no ano passado não foi diminuir, foi aumentar essa componente. Aliás, no ano passado houve um aumento nominal da despesa muito grande que tem muito a ver com salários, que são recorrentes. O que cria um desafio adicional para o futuro. E se os bónus das pensões, que foram extraordinários, fossem recorrentes, ainda mais pressão tínhamos. Teríamos mais uma fonte de preocupação para o futuro.

Ainda assim continua a haver otimismo para que as metas se cumpram?

Sim, por um lado, porque continua a haver bastante parcimónia em termos do investimento público com contribuição orçamental. Há muito investimento que está a ser feito, mas ao abrigo das doações do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e que não têm expressão nas contas públicas. Mas atenção, esse investimento vai acabar em 2026. Portanto, a grande questão é saber se depois disso vamos voltar aos recordes de não investimento público que existiram com Mário Centeno ou se vamos manter níveis aceitáveis de investimento.

Por outro lado, mesmo com a redução de algumas taxas de impostos, o que vemos é que, no conjunto, há um crescimento muito grande das receitas fiscais e que é maior que o crescimento da economia.

Após o PRR, a grande questão para António Nogueira Leite é saber se "vamos voltar aos recordes de não investimento público que existiram com Mário Centeno", antigo ministro das Finanças, "ou se vamos manter níveis aceitáveis de investimento". Miguel Lopes/Lusa

Um crescimento que resulta essencialmente do emprego. 

Hoje temos uma economia que tem uma base produtiva maior. Entraram no mercado de trabalho em Portugal mais de um milhão de pessoas. A economia cresce por essa via e provoca um aumento muito grande de receitas. E apesar do aumento das despesas, como estas não aumentam mais do que as receitas, vamos continuando a ter resultados que são globalmente excedentários.

Esse modelo não nos deixa muito dependentes de um futuro que é incerto?

Estamos muito dependentes da conjuntura económica porque estamos muito dependentes da evolução das receitas fiscais. E porque também estamos a beneficiar do facto de não ter custos orçamentais significativos com prestações decorrentes de situações de desemprego.

 

Continuamos a ter uma componente muito grande de despesa recorrente, de despesa rígida. E se houve algo que este Governo fez no ano passado não foi diminuir, foi aumentar essa componente."

 

Devíamos, por cautela, manter sempre excedentes orçamentais?

Somos um bocadinho maniqueístas. Houve tempos em que se achava que ter défices insustentáveis não era um problema, para, agora, defender que só se pode viver com excedentes orçamentais. Também não é verdade. O que temos de ter é uma perspetiva de evolução da despesa a prazo, e aí tenho sempre dúvidas porque houve aumentos recorrentes da despesa.

Agora, em períodos em que a economia cresce menos podemos ter perfeitamente pequenos défices. Não só o tratado orçamental o prevê, como em nenhum sítio está escrito que os países são obrigados a ter excedente.

É mais uma questão política?

Hoje, defender que se pode registar um pequeno défice é muito mais difícil politicamente do que fazer essa defesa entre economistas. Não haverá nenhum economista, a menos que esteja a falar como político, que diga algo diferente daquilo que estou a dizer. Não é um problema ter um pequeno défice sustentável, mesmo tendo uma dívida pública que continua alta, apesar do desempenho ótimo que tem tido.

Mas não estamos a abrir caminho para, perante uma recessão, por exemplo, sermos novamente obrigados a cortar despesa, aumentar impostos… Voltar a uma política pró-cíclica?

O que estou a dizer é que, neste momento, com o crescimento que temos, é aceitável ter um saldo orçamental à volta de zero. E que se a economia abrandar um pouco, podemos viver sem preocupação com pequenos défices. 

E num cenário de termos uma recessão?

É aí que digo que não temos muita visibilidade sobre o que está a passar, mas admito que não se esteja a fazer o suficiente. Este era o momento em que se tinha de ter ganhos de eficiência na Administração Pública que permitissem não ter políticas pró-cíclicas quando a economia abrandar até porque a economia não vai crescer sempre. Está a crescer modestamente, mas não vai crescer sempre. 

Portugal está a atravessar um período longo de crescimento económico…

Exatamente. Mesmo o período da pandemia foi compensado pelo crescimento que se seguiu, portanto, o efeito aritmético alisou. Haverá, algures nos próximos anos, uma recessão. Sabemos que é inevitável. A economia funciona por ciclos. E nesse caso o que me preocupa são os sinais que têm sido dados de que a reforma de Estado não tem por objetivo ter ganhos em termos da gestão da despesa.

É uma reforma, também muito importante, que pretende facilitar a relação dos cidadãos e das empresas com o Estado e que permita desonerar a sociedade e a economia de um conjunto de custos de contexto que resultam do mau funcionamento do Estado. Tudo isto tem efeitos indiretos que podem ser muito importantes. Mas precisamos de mais.

 

Hoje, defender que se pode registar um pequeno défice é muito mais difícil politicamente do que fazer essa defesa entre economistas."

 

Devíamos estar a discutir como ter menos Estado?

Não se trata de avançar para um Estado mínimo ou fazer uma grande discussão sobre o que é que o Estado deve ou não deve fazer. Mas penso que existe a noção de que há muitos pontos de ineficiência do Estado e que há regras na gestão do Estado que têm de ser mudadas.

Por exemplo…

A saúde é um bom exemplo de como gastamos muito mais e não produzimos mais serviço. E se a solução for ir atirando dinheiro para cima de tudo… é um poço sem fundo. Vamos gastar dinheiro e vamos continuar a ter problemas.

Não é razoável que passemos a vida a falar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas continuemos a não ter regras de gestão na administração dos hospitais que permitam ganhos de eficiência significativos. Podemos ter dúvidas sobre a qualidade média da gestão, mas antes disso há um problema que me preocupa muito mais, que é a qualidade dos instrumentos de gestão e de responsabilização.

Temos um problema com o regime de contratações, que parece que vai ser endereçado pelo Governo, e que leva a que aquilo que num hospital privado se faz num mês, num hospital público se faça em seis, sete ou oito meses.

Temos a questão do poder dos administradores hospitalares que é certamente inferior ao poder dos dirigentes sindicais ou dos bastonários, nomeadamente dos médicos…

É preciso gerir melhor e na reforma do Estado tem de se ir além daqueles aspetos da relação dos cidadãos e das empresas com o Estado e da eliminação de obstáculos à economia privada e aos cidadãos em geral.

Até porque no futuro, com a pressão que vamos ter decorrente do envelhecimento da população, tenho de ter a certeza de que existe uma resposta que assegure às pessoas, com o mínimo de qualidade, dignidade nas últimas fases da vida. E isso vai custar dinheiro. E a certa altura a sociedade vai lembrar-se mais disso do que se lembra hoje, porque o problema se vai magnificar.

Portanto, era muito importante que fizéssemos mais do que alguns remendos salariais que foram feitos no ano passado.

 

Neste momento não devíamos ter baixas de impostos sem explicitar, garantir e evidenciar ganhos de eficiência do lado das despesas equivalentes."

 

E acredita que vai ser feito? 

Não vejo informação sobre isso. É por isso que estou preocupado.

A reforma do Estado está muito concentrada em áreas que são importantes, mas não são aquelas que nos dão os ganhos de eficiência na própria gestão da Administração Pública, que nos permitam ter alguma folga for a rainy day, para o dia em que a economia desacelere, e para os problemas estruturais do futuro que vão acontecer inexoravelmente e vão exigir mais resposta do Estado.

A reforma do Estado levada a cabo pelo ministro Gonçalo Matias está, segundo António Nogueira Leite, "muito concentrada em áreas que são importantes, mas não são aquelas que nos dão os ganhos de eficiência na Administração Pública, que nos permitam ter alguma folga para o dia em que a economia desacelere". Manuel Almeida/Lusa

Não podemos estar só concentrados no curto prazo, é isso?

Podemos centrar-nos no curto prazo. E é interessante discutir o curto prazo. Mas os nossos problemas estruturais não estão melhor hoje do que estavam há cinco anos ou há dez anos.

Quem passa pelos sucessivos governos está sempre muito preocupado com os resultados de curto prazo e com a solução dos problemas de curto prazo. Mas raramente investem em soluções de longo prazo, provavelmente porque sabem que será outra pessoa, será alguém de outro partido a beneficiar politicamente dessas soluções. Mas o benefício fica para todos. E no fim do dia sabe-se sempre quem fez o quê. Pode não se saber na imprensa, pode não se saber nos círculos políticos, mas quem está na Administração sabe.

A saúde é exemplo único?

A questão da educação e da falta de professores é outro bom exemplo. Sabíamos há imenso tempo qual era a estrutura etária dos professores. Sabíamos que não havia pessoas a entrar para formação. E o que é que foi feito? Esperou-se que o problema ganhasse dimensão.

Outro exemplo: pensões. Chegará uma altura em que a pensão média para a geração que nasceu, por exemplo, na década de 70, vai ser tão baixa que esses pensionistas vão ter níveis de rendimento que não são compagináveis com mínimos de vida digna, até porque, entretanto, tiveram salários relativamente baixos e não tiveram capacidade de aforrar. Mas é mais um ponto em que a sociedade só vai acordar quando o problema se generalizar.

É preciso saber passar da espuma dos dias para atacar os problemas de fundo.

A questão do valor das pensões resulta, em grande parte, de medidas políticas que foram tomadas no passado, quando se introduziu o fator de sustentabilidade, se colocou a idade da reforma a variar com a esperança de vida ou se passou a contar com toda a carreira contributiva para a formação da pensão. Todas medidas em nome da sustentabilidade do sistema…

E que nesse sentido foram corretas. O problema é que essas medidas implicavam outras compensações e ninguém quer pensar nelas.

Por exemplo, em Espanha, o sistema corre o risco de falir. O nosso, em princípio, não. Mas sabemos que os aposentados vão ter muito pouco rendimento. E tendo muito pouco rendimento, não vão deixar de ter as necessidades que têm as pessoas de 70 ou 80 anos. Portanto, há um conjunto de políticas públicas que a sociedade vai solicitar e para isso é preciso haver meios. E essas políticas deviam estar a começar a ser pensadas agora. 

Durante o tempo da troika fizemos correções profundas, mas não fizemos nenhuma grande reforma, fizemos correções. Agora, já vamos em mais de dez anos após a saída limpa, sem ter grandes correções no terreno, vamos gerindo uma sucessão de curtos prazos. E isso é que me coloca dúvidas sobre a sustentabilidade da despesa necessária para ter um estado social que dê o mínimo de dignidade às pessoas e que seja comportável pela economia daqui a 20 ou daqui a dez anos. E isso vai criar problemas sociais muito graves. 

 

Durante o tempo da troika fizemos correções profundas, mas não fizemos nenhuma grande reforma (...). Agora, já vamos em mais de dez anos após a saída limpa, sem ter grandes correções no terreno, vamos gerindo uma sucessão de curtos prazos. E isso é que me coloca dúvidas."

 

Há essas dúvidas sobre a sustentabilidade da despesa, mas continuamos a baixar impostos. Faz sentido continuar a descer o IRS quando 40% dos agregados já não paga qualquer imposto?

Exceto em casos extremos todas as pessoas deviam pagar IRS, por muito simbólico que fosse. E penso que fica claro da minha conversa, de forma cristalina, uma posição onde me afasto muito das pessoas da minha área política. Gostava imenso que se baixassem os impostos. Entre as pessoas que pagam, quem não gostaria? E não gosto de pagar impostos excessivos quando não vejo os problemas a ser resolvidos. Agora, há aqui uma questão que me parece clara. Neste momento não devíamos ter baixas de impostos sem explicitar, garantir e evidenciar ganhos de eficiência do lado das despesas equivalentes.

Não estamos em condições de o fazer. Não com esta perspetiva que temos de pressão na despesa no futuro e não com os sacos que o Estado carrega às costas que resultam dos aumentos recorrentes que temos vindo a fazer. Não estamos em condições de falar de impostos, de baixas de impostos, sem garantir, evidenciando e concretizando, ganhos de eficiência do lado da despesa.

A tradução desses ganhos de eficiência é um corte no número de funcionários públicos?

Há muita coisa que se pode fazer antes de pensar em reduzir pessoas. Agora, também é preciso ver que o Estado não está a prestar melhor serviço e precisou de mais de 100 mil pessoas na última década. Seria catastrófico que na próxima década, em termos líquidos, tivéssemos mais 100 mil pessoas no Estado.

Mas primeiro há uma série de coisas que é preciso fazer e só no fim dessas coisas estarem concretizadas é que conseguimos perceber se há pessoas que têm de ser recolocadas. E recolocar não é necessariamente pôr fora.

Agora, é preciso que estes ganhos de eficiência no Estado existam. Para mim é condição sine qua non para que se possa falar a sério em baixas de impostos. Até lá são extremamente perigosos. A componente geopolítica internacional é tão incerta que temos de ter prudência. Se houver uma recessão prolongada e sobretudo profunda, não é preciso ser como a covid, nem como a que decorreu da crise financeira de 2008, basta ter uma recessão normal com alguma profundidade, vamos ter uma pressão brutal na despesa, vamos ter outra vez a dívida a subir em relação ao PIB. Não podemos voltar a ter essa situação. E para nos precavermos não podemos falar em reduções de impostos sem falar em reduções de despesas.

Tenho imensa pena. Essa é a minha posição.

 

Os acionistas da banca gostariam. Mas o país não ganha nada com isso."

 

E quando estamos a falar em reduções de impostos, estamos a falar em termos genéricos, quer seja do rendimento do trabalho, quer seja do rendimento das empresas?

Exato. 

Do conhecimento que tem do mundo empresarial parece-lhe assim tão determinante para um investidor ter uma redução de IRC?

Quando há grandes investimentos, nomeadamente quando há Investimento Direto Estrangeiro, muitas vezes esses investimentos são contratualizados e, portanto, têm um regime fiscal próprio. E quando o país precisa de determinadas competências, em situações excecionais, situações devidamente justificadas e escrutinadas, admito que haja taxas efetivas bastante mais baixas. Mas isso já acontece desde que me conheço.

Agora, mais importante do que isso é, por exemplo, ter tribunais administrativos e fiscais que funcionem em tempo de prestar um serviço que seja aceitável. É importante ter a garantia de uma certa previsibilidade das alterações legislativas que são feitas.

Há uma série de coisas que quem investe, de uma forma geral, valoriza mais do que ter uma taxa mais baixa, sendo que o ideal era ter uma taxa mais baixa. Mas o país, neste momento, tem de privilegiar outras coisas. 

Por outro lado, além da minha experiência concreta, os estudos mostram que a estabilidade macroeconómica e a estabilidade das leis são dos aspetos mais relevantes numa escolha de investimento direto estrangeiro.

Falando em estabilidade e previsibilidade macroeconómica. O Governo apresentou-se a eleições prometendo colocar a economia a crescer acima dos 3%. Parece-lhe possível ou é uma fantasia? 

Com as políticas que vejo no terreno, estamos à espera que apareça bom vento pelas costas. Para mim não é líquido. Também não descarto em absoluto, mas não tenho isso por garantido nem sequer por explicado. Até porque temos problemas muito grandes a nível global, não só o efeito das tarifas impostas pelos Estados Unidos, mas também temos dois problemas na Europa que podem condicionar o nosso próprio desempenho nos próximos anos. Por um lado, a total incapacidade do grande motor da Europa, a Alemanha, para crescer, porque tem problemas estruturais que até agora não conseguiu endereçar adequadamente e tem uma opinião pública cristalizada numa situação que já não existe.

E depois temos a França, que tem a opinião pública cristalizada num modelo social, que percebo que as pessoas gostem, mas cuja economia já não permite ter. E cuja demografia, mesmo com a grande entrada de pessoas vindas de fora, nem de perto nem de longe garante a sua continuidade.

Temos um ambiente externo que se não for devidamente ultrapassado pode criar problemas. E havendo uma situação de dificuldade, que diria que é o cenário mais central, mesmo para uma pessoa que não seja muito pessimista, essas dificuldades terão impacto sobre a economia portuguesa o que pode condicionar muitos desses objetivos.

 

O Cartel da Banca teve um desfecho que é insatisfatório para todas as partes. O anátema fica."

 

Mas são só as condicionantes externas que põem em causa as previsões do Governo?

Não. Essa é uma parte da resposta. A outra parte resulta da pergunta que devemos fazer: que medidas é que estão no terreno que me garantam que isso é possível? Vejo algumas iniciativas, mas têm de se concretizar.

Que medidas?

É importante termos um mercado laboral mais flexível, mais flexível em termos do caso-base, chamemos-lhe assim, mas que permita também melhorar a situação daqueles que têm excesso de flexibilidade para compensar a inflexibilidade do caso-base. Como diziam os marxistas nos anos 70, temos um regime dualista em que há pessoas que são abrangidas por normas que são rígidas tendo em conta a forma como as economias hoje funcionam, e depois temos pessoas a quem até se dá, em alguns casos, um simulacro de estabilidade, mas depois vão-se renovando contratos, ano após ano, após ano, após ano, dando voltas às regras, despedindo, e depois contratando num outro sítio...

Diz-se que não é possível fazê-lo, mas estamos fartos de ver, não é? Pessoas que deviam ter mais direitos e uma solução mais estável e que têm mais instável, e que muitas vezes são as pessoas mais novas.

E uma menor rigidez da legislação laboral é a solução para esses casos? 

Ajuda. 

Não há o perigo de em vez de se tornar o mercado mais equilibrado, se alargarem esses abusos?

Conhecendo o português empregado e o português empresário tem de haver duas coisas: tem de ser muito claro como é que as pessoas transitam para um regime que seja um regime geral e tem de haver muita fiscalização para garantir que, de facto, não há abusos.

Para sobrevivermos e para crescermos precisamos de ter essa flexibilidade. Agora, temos de proteger os que têm menos proteção, naturalmente, e temos de ter muita fiscalização, porque sendo importante ter um regime mais flexível, não quero ter um regime que as pessoas não cumprem por conseguirem cavalgar o sistema.

Um setor que conhece bem, o da banca, passou por muitas dificuldades no passado. Hoje está livre de problemas? 

Tanto quanto é possível estar, está. Temos hoje os balanços extremamente fortes. Temos uma cultura de risco que, em alguns casos, até talvez estejamos numa situação de overshooting, porque o rácio de conversão de créditos em depósito nos bancos é historicamente baixo, muito baixo. Mesmo quando os balanços têm percentagens de crédito problemático que está abaixo dos limites considerados recomendáveis e que é dos valores mais baixos dos países do sul da Europa.

E é um mercado que vai necessitar de alguma concentração?

Os acionistas da banca gostariam. Mas o país não ganha nada com isso. Por uma questão de concorrência. 

Como é que viu o desfecho do processo que ficou conhecido como o cartel da banca?

É um tema sobre o qual eu não posso falar muito, porque fui administrador de um banco que esteve envolvido nesse processo. Não tive nenhum contacto antes, nem durante, nem depois. O que sei só sei pelos jornais. Não vou discutir a parte jurídica, mas é evidente que teve um desfecho que é insatisfatório para todas as partes. O anátema [sobre a banca] fica, parece que aconteceu qualquer coisa que não deu em nada, mas aconteceu, portanto, é essa a ideia de muitas das pessoas.

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