Se Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos – que se reúnem esta sexta-feira - não chegarem a acordo sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2025, o país poderá ser governado em duodécimos. O primeiro-ministro e o Presidente da República têm dramatizado esse cenário. Mas haverá motivos para isso?
É o novo bicho papão da política portuguesa. Mesmo que alguns dinossauros dessa mesma política, como Cavaco Silva, não o temam. “Espanha esteve dois anos em duodécimos e ninguém morreu”, afirmou em julho o antigo Presidente da República.
Sim, falamos do regime de duodécimos. É um dos cenários possíveis caso o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) não seja viabilizado – e que Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro têm dramatizado. Na prática, o Orçamento de 2024 manter-se-ia em vigor. Essa verba é dividida em 12 partes. E, a cada mês, o Governo não poderia gastar mais do que uma dessas fatias.
Afinal, é bom ou mau?
Quando se fala de duodécimos, parece que cai o Carmo e a Trindade. Afinal, este regime é assim tão mau? Tudo depende da forma como se olha para o Governo, resume Duarte Pacheco, antigo deputado do PSD e forte conhecedor do processo orçamental.
“Quando um governo é bom e quer fazer coisas, é um cinto muito apertado. Já para um governo que seja uma desgraça, que gasta o que tem e o que não tem, até é bom que esteja em duodécimos”, explica.
“É preferível para o país haver um orçamento aprovado. Se não houver, não é o caos que se abate sobre o país”, afirmou Rui Nuno Baleiras, atual coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), lembrando que há várias exceções previstas na lei.
A “diabolização” dos duodécimos é feita, sobretudo, por motivos políticos, “porque não permite que um governo possa concretizar ou tenha grande ambição de concretizar o seu projeto político”, justifica a politóloga Paula do Espírito Santo.
Já o economista João Rodrigues dos Santos lembra que “impõe sérios constrangimentos à gestão financeira do país, por não permitir ajustamentos significativos às novas realidades e prioridades nacionais e internacionais”. “Ficamos reféns de decisões anteriores que, embora válidas no seu tempo, podem não corresponder às necessidades atuais”, diz. Algo que se torna ainda mais premente devido à “volatilidade dos mercados em função da instabilidade geopolítica crescente”.
Montenegro em melhores condições do que antecessores
Independentemente das opiniões, este executivo estará em melhores condições do que outros no passado para governar em duodécimos. Isto porque uma alteração levada a cabo em 2022 à Lei de Enquadramento Orçamental tornou este regime mais flexível, com mais exceções.
Assim, o governo pode passar o limite mensal, justificando-o com essas exceções. Não ficariam em causa medidas como o aumento de salários e pensões. Dessas exceções fazem também parte “as despesas associadas à execução de fundos europeus”, desmontando assim um argumento invocado pelo Presidente da República
Mas, à medida que os meses fossem passando, o ‘garrote’ tornar-se-ia maior, uma vez que é preciso cumprir o teto anual. É certo que Montenegro não teria de passar todo o ano de 2025 neste modelo. Poderia, por exemplo, perceber que não tinha condições para cumprir o prometido, forçando eleições antecipadas. Ou, embora mais improvável, apresentar um orçamento retificativo que alterasse os tetos de 2024.
“O Governo vai ter de compensar. Se gastar mais em encargos com o pessoal, vai ter de gastar menos noutro sítio, de forma que a despesa total não ultrapasse a soma que havia sido autorizada pela Assembleia da República em 2024”, confirma Rui Nuno Baleiras.
Argumentos contra e a favor
Montenegro rejeita governar em duodécimos. “Não são solução”, disse. O regimento dá-lhe sempre a possibilidade de apresentar um novo orçamento se o primeiro for chumbado.
Mas Montenegro está longe de ser o último a desejar governar em duodécimos. Ao longo das últimas semanas, muitos nomes têm-se posicionado na praça pública, acentuando a dramatização ou procurando desmontá-la.
Fernando Medina, ex-ministro das Finanças, veio garantir que “a aplicação do OE2024 em 2025 é tecnicamente possível e não levanta obstáculos inultrapassáveis”, mas vincou que continuar nesse modelo em 2026 seria difícil devido às barreiras colocadas pelas eleições presidenciais.
Já o economista Carlos Tavares, que esteve à frente do regulador dos mercados e foi ministro da Economia, afirmou que “preferiria ter de viver por duodécimos” a ter um “mau Orçamento” que comprometesse as reformas para o futuro.
A presidente do Conselho das Finanças Públicas, Nazaré da Costa Cabral, também desdramatizou esse cenário, lembrando as “exceções” previstas. “O país não para se tiver de ser governado por duodécimos", disse.
Maior resistência veio de António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas, que considerou não ser “aconselhável” dada a “incerteza que existe relativamente à evolução da situação económica, quer nacional, quer internacional”.
Já o economista João Duque recorreu a uma comparação para mostrar também essa posição: “É um bocadinho imaginar que umas calças para um miúdo de cinco anos servem para um miúdo de seis ou sete”.