Reguadas, bofetadas, pancadas a imigrantes: no posto de Vila Nova de Milfontes, os agentes da GNR viam a tortura e “divertiam-se”

16 dez 2021, 20:43

Imigrantes agredidos e humilhados por agentes fardados em Odemira em sete filmagens. Foram obrigados a agachar-se e a proferir palavrões enquanto agentes riam às gargalhadas. Está tudo filmado. Investigação CNN/TVI revela descrições e imagens que estão na Justiça

Aviso: este artigo contém linguagem ofensiva que pode ferir a suscetibilidade de alguns leitores 

As imagens a que tivemos acesso mostram a brutalidade com que a GNR trata imigrantes da região de Odemira. De forma indiscriminada, sete militares privaram da liberdade vários imigrantes para os insultar e agredir, como comprovam estes fotogramas de vídeos a que tivemos acesso.

No local, é visível um veículo da GNR enquanto se ouvem insultos, palavras grosseiras.

"Chupa isso, que tem gás pimental, animal!", diz militar da GNR para imigrante

 

Após inspirar profundamente pela boca, este homem fica aflito e cospe para o chão enquanto os agentes continuam a insultá-lo.

 

"Filho da puta!", insulta o militar da GNR. E prossegue sempre de forma grosseira: "Burro do caraças!"

 

A vítima suplica por água. Não fala português, pelo que não compreende o que os agentes fardados lhe dizem. Entretanto, o telemóvel deste imigrante toca, mas a GNR não permite que atenda. Continua a sofrer devido à inalação direta de gás pimenta, mas os militares riem-se e chamam-no “estúpido”. 

O Ministério Público descreve toda a sucessão de acontecimentos: "O indivíduo visado sentiu-se mal e pediu socorro, o qual lhe foi negado pelos arguidos." No texto da acusação está escrito que todos sabiam que "se encontravam ao serviço do Estado, na qualidade de funcionários, fardados ou nas instalações da GNR, faziam-no em manifesto uso excessivo do poder de autoridade que o cargo de militar lhes confere e que deviam respeitar e honrar".

 Estes casos repetiram-se com mais três imigrantes. No dia 13 de janeiro de 2019, dentro do posto, obrigam-nos a agacharem-se e com uma régua agridem-nos repetidamente nas palmas das mãos. Não satisfeitos, ordenam as três vítimas a dizerem “thank you” (que em português quer dizer “obrigado”).

 

Caption

Um dos agentes "disparou gás pimenta na direção de um daqueles indivíduos”, refere a acusação do Ministério Público a que a TVI e a CNN Portugal tiveram acesso. Uma das vítimas pede para falar com alguém e um dos agentes responde-lhe: - "Talk with the boss", fala com o patrão."

É então que os militares ordenam que se coloquem todos em posição de prancha e começam a agredi-los com várias pancadas no corpo de forma aleatória e repetida. "Durante todos estes atos, os arguidos riam-se e divertiam-se com a subjugação que impunha àqueles três indivíduos, sem qualquer justificação e sem que qualquer um deles levasse a cabo qualquer ação para fazer cessar tais condutas". Tudo isto se passou dentro do posto da GNR.

 

"Põe-te ali de joelhos para a parede!"

 

Outra data, outro episódio. No dia 12 de setembro de 2018, um militar da GNR fardado mas sem estar em serviço leva um imigrante para o posto. Na sequência destes vídeos a que a TVI e a CNN Portugal tiveram acesso, é possível verificar que ordenou a vítima a dizer: - "Fode-me os cornos". E obriga-o a repetir a frase até proferi-la corretamente em português, uma língua que não domina.

O cenário de agressões repete-se e "assim que o indivíduo pronunciou tais palavras, disferiu-lhe uma forte bofetada na face", descreve o texto da acusação do Ministério Público. O militar da GNR filmou tudo com o telemóvel enquanto agredia o imigrante. E ria-se à gargalhada, despudoradamente.

Os vídeos acabaram por tramar o grupo de sete militares da GNR. Estavam sob escuta por causa de outro processo muito semelhante e este, também sobre agressões a imigrantes daquela zona alentejana. Não sabiam que estavam sob escuta e a Polícia Judiciária ouviu uma conversa entre eles, onde se mostraram preocupados, caso a PJ abrisse os telemóveis apreendidos. Não lograram essa sorte. E foram precisamente estes telemóveis a revelar a verdadeira dimensão deste escândalo de brutalidade para com imigrantes. Alguns dos militares agora acusados pelo Ministério Público já tinham sido considerados culpados num outro processo. E cinco militares da GNR foram condenados a penas de prisão entre seis e três anos e meio de pena suspensa, que ainda se encontram a cumprir.

 

Deste processo há registo de fotografias com imigrantes feridos, em sangue. Foram condenados por crimes como sequestro, ofensa à integridade física qualificada, violação de domicílio e até falsificação de documentos. Estão agora - e outra vez - a braços com a justiça. "Dores, sofrimento e humilhação", descreve o Ministério Público na acusação. “Faziam-no em manifesto aproveitamento da situação precária, frágil e desprotegida dos visados" e uniram esforços para privá-los de liberdade.

 

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