Agente acusado do homicídio de Odair Moniz emociona-se em tribunal e "acredita" que viu uma lâmina

22 out, 11:13
Jornal Nacional vai passar vídeo do confronto de Odair Moniz com a PSP

 

 

Agente conta que Odair Moniz fugiu do carro da PSP "em velocidade excessiva", quase atropelando pessoas que seguiam na via. Depois, seguiu-se um "momento explosivo" entre os agentes e Odair. "Nenhum de nós controlou bem as forças", confessa o agente, que acredita ter visto uma faca. "Para mim, não havia qualquer dúvida."

O agente da PSP acusado do homicídio de Odair Moniz diz ter sido agredido com "vários murros" e "pontapés" quando tentava algemar Odair, que acusa de ameaçar os agentes de morte antes de ter sido baleado.

No arranque da sessão de julgamento, o agente, que apareceu em tribunal fardado, comoveu-se assim que começou a identificar-se perante a juíza do Tribunal de Sintra. “Gostaria de pedir desculpa à família e aos amigos, acredito que não seja fácil para ninguém”, declara.

“Sobre os factos, não concordo com a acusação", acrescenta, recordando os acontecimentos daquela madrugada, que culminaram na morte de Odair Moniz.

Ana Patrícia Moniz, mulher de Odair Moniz, acompanhada pelo advogado, José Semedo Fernandes, à chegada ao Tribunal de Sintra para o julgamento do agente da PSP acusado pelo homicídio de Odair (João Relvas/LUSA)

O agente, de 27 anos, recorda que, naquela noite de 21 de outubro do ano passado, "por volta das 05:30", quando estava a fazer patrulha com um outro agente, observou "uma viatura a descer a rua principal da Cova da Moura", que fez "um movimento suspeito": "[O condutor, Odair Moniz] pretendia virar para a rua onde estávamos, mas vê-nos no outro lado e vira para a direita."

"Decidimos abordar a viatura e ele [Odair Moniz] fez uma aceleração muito rápida. Seguimos atrás dele. Ele sobe uma rua e vai parar à rua onde estava antes. Houve pessoas que tiveram de se desviar porque senão eram atropeladas", conta, sublinhando que o carro seguia "em velocidade excessiva", tendo batido "em quatro ou cinco viaturas", embatendo "noutra por trás".

"À velocidade a que ele bateu, se não tivesse cinto, pensámos que precisava de ajuda", prossegue. Nessa altura, o colega que acompanhava o agente "abriu a porta e estava com a arma apontada para as pernas" de Odair Moniz. "'Mãos no ar, para o chão!'", gritou-lhe.

Odair saiu do carro "como se nada fosse", relata o agente. "Com uma atitude astuta, com as mãos no ar a dizer 'calma, eu sou doente', a apontar para uma ligadura que tinha na mão. E começa a dar passos devagar, a dizer 'arma não!"

"Eu dei-lhe com o bastão devagar na perna e ele disse 'bastão não!'." Ao mesmo tempo, conta o agente, Odair ia "subindo devagarinho" a rua. "Eu tento por trás pôr uma algema e não consegui, e ele vira-se de imediato a dá-me um soco na cara."

"Foi um momento explosivo e nenhum de nós controlou bem as forças", confessa o agente. A dada altura, Odair ameaçou-os: "Vou matar-vos, filhos da p***."

À chegada ao tribunal, o advogado José Semedo Fernandes disse esperar que se faça justiça (João Relvas/LUSA)

O agente fez dois disparos para o ar. "Esperava que ele parasse com as agressões." A juíza questiona o agente se Odair estava a agredi-lo. "Sim, ele deu-me vários murros, o primeiro não consigo esquecer, que é quando tentei meter-lhe as algemas. Ele agarra-nos, bate-nos, dá-nos pontapés."

Entretanto, o agente diz que começou a ver "entre 10 a 15 indivíduos a descer" a rua onde estavam. "Voltou a ameaçar-nos de morte. (...) Eu volto a agarrá-lo e a tentar mandá-lo para o chão, enquanto tinha a arma na mão, e ele vira-se para mim e faz-se munir de uma arma branca."

"Quando o vejo a fazer o movimento de ir com a mão direita à zona da cintura, quando vejo uma lâmina, aí eu recuo de imediato e disparo para a zona inferior, para a zona das pernas", conta o agente.

A juíza questiona-o se viu uma faca. "Só me questionei isso quando estava no hospital, quando me disseram que ele morreu. Será que eu tirei a vida a uma pessoa por uma coisa que podia ser uma tesoura industrial ou uma coisa de droga? Não consigo precisar a 100% que é uma arma", responde o agente, emocionando-se.

"O ambiente estava escuro, foi rápido e estávamos todo sob stress", confessa.

"Tem a certeza que viu a lâmina?", "Sim, eu acreditei que sim", "Agora tenho a certeza que era uma faca"

A juíza volta a questioná-lo se tem a certeza que viu uma lâmina. "Sim, e que ele levantou a mão para cima para me acertar."

"Mas viu a lâmina na mão?", interroga a juíza. "Eu acreditei que sim, que [o Odair] agarrou, fez o movimento para cima, eu ando para trás para me proteger e disparei para a zona inferior. Estava muito próximo", responde.

Depois, o agente fez dois disparos. “Olhei para a cara dele e ele não reage ao primeiro disparo, ao segundo vejo-o a fechar os olhos”.

A juíza pergunta o que o levou a efetuar o segundo disparo. “Naquele momento, levou-me a crer que eu não tinha acertado", responde o agente. “Ele caiu de barriga para cima. Eu fiquei alguns segundos, não digo em choque, porque achei que só lhe tinha acertado na perna, mas olho à minha volta e apercebo-me. Passado uns segundos, percebo que já não apresentava perigo para mim e para o meu colega”, conta.

"Procurou a faca nesse momento?", questiona a juíza. "Não. Deveria tê-lo feito, mas não fiz. Para mim não havia qualquer dúvida, até podia ser uma faca de ponta redonda", garante. Assim que chegaram os colegas da PSP, o agente diz que pediu "logo para ligar para o 112".

Desde a abordagem dos agentes da PSP aos tiros disparados contra Odair Moniz, foram seis minutos.

A juíza interroga-o sobre o que teria acontecido caso não tivesse disparado contra Odair Moniz. "Eu acredito que tivesse sido esfaqueado", responde o agente, que incorre numa pena de oito a 16 anos de prisão.

Perante as questões do procurador, que insiste nos motivos que levaram o agente a disparar contra Odair Moniz, interrogando-o se tem a certeza de que a vítima tinha uma arma branca, o agente responde: "Eu agora tenho a certeza que era uma faca."

À saída do tribunal para a pausa de almoço, o advogado do agente da PSP, Ricardo Serrano Vieira, revela aos jornalistas que o arguido "tem estado de baixa médica" desde o sucedido. "Para ele, é um drama pessoal saber que tirou a vida de outra pessoa, ainda para mais no exercício de funções".

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