Obras na casa de Montenegro alvo de fiscalização "por determinação superior" da Câmara. Oposição pede novas explicações

20 mar, 22:00
Parlamento (Lusa/JOSÉ SENA GOULÃO)

Deputados municipais avançaram com requerimento para ouvirem vereadora que acompanhou obras na casa de Luís Montenegro na Comissão de Transparência da autarquia. Sublinham que o primeiro-ministro teve um tratamento "preferencial"

A vereadora do urbanismo Joana Almeida deve ser chamada para dar explicações sobre a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa no processo de fiscalização das obras que estão a decorrer na casa do primeiro-ministro na Lapa. Deram esta semana entrada dois requerimentos para ouvir a responsável na Comissão de Transparência da Assembleia Municipal de Lisboa - um deles assinado pelo deputado do Chega Bruno Mascarenhas e o outro pela deputada Daniela Serralho, do grupo municipal Cidadãos por Lisboa. Ambos os documentos, que vão ser votados para a semana, criticam a ação da autarquia por ter dado tratamento “preferencial” às obras que decorrem no duplex da família Montenegro e lançam dúvidas sobre a legalidade do processo.

Ao que a CNN Portugal conseguiu apurar, o histórico de vistorias às obras na casa do primeiro-ministro, na Travessa do Possolo, na freguesia lisboeta da Estrela, começa no passado dia 3 de março, após um pedido telefónico “por determinação superior” da vereadora Joana Almeida para que fossem fiscalizadas as obras em curso. Quando os fiscais se dirigiram à casa da família Montenegro, por volta das 16:30 horas, encontraram um funcionário do encarregado das obras que lhes deu a indicação de que não estava ninguém responsável pelos trabalhos no local.

Ficou naquela altura agendada uma nova vistoria para dia 6 às 14:00 horas e, nessa sequência, uma outra aconteceu esta terça-feira e que contou também com a presença de um adjunto da vereadora do Urbanismo e de uma diretora de departamento. Antes, em outubro do ano passado, há também registo de uma outra fiscalização ao andar pedido após queixas de barulho por vizinhos, mas, na altura, a brigada que esteve presente não conseguiu detetar quaisquer obras em curso.

As sucessivas fiscalizações ocorreram ao mesmo tempo que Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, defendia que a ação da autarquia perante os trabalhos na casa do primeiro-ministro é igual à de qualquer outra obra. “O primeiro-ministro de Portugal é tratado como outro cidadão lisboeta”, referiu em resposta à Lusa, acrescentando também que, no que toca à fiscalização, “parece estar tudo regular”. 

Ainda assim, numa sessão de esclarecimentos durante a Assembleia Municipal de terça-feira, a vereadora do Urbanismo confirmou a presença da sua equipa durante a ação de fiscalização à casa do primeiro-ministro demissionário. “Tratamos todos os cidadãos, fazemos a fiscalização de forma idêntica, a única diferença é que, por cortesia institucional, as duas pessoas [um adjunto da vereadora e uma diretora de departamento] acompanharam esta fiscalização”, explicou. 

O deputado municipal do Chega Bruno Mascarenhas explica à CNN Portugal que entregou o requerimento para ouvir a vereadora do Urbanismo na Comissão de Transparência porque, durante a audição, a mesma não respondeu a uma série de questões que foram submetidas. Uma delas relativamente aos projetos de obra que foram comunicados à autarquia dois dias após o início dos trabalhos. “Com base no regime jurídico em vigor, a Câmara tinha de emitir um deferimento com base no projeto de estabilidade, emitir uma licença de construção, cobrar taxas e verificar que existe um projeto de construção que deveria ter sido submetido previamente à obra”, afirma. 

Além disso, Bruno Mascarenhas reitera que há uma desconformidade entre aquilo que foi dito por Carlos Moedas e aquilo que aconteceu durante a fiscalização à obra. “O presidente da Câmara diz que tratou o primeiro-ministro como um cidadão igual aos outros, mas, se assim foi, porque razão a equipa da vereadora se dirigiu ao local?. Obviamente, que teve um tratamento preferencial por ser primeiro-ministro e tem de se apurar a dimensão que esse tratamento teve.” 

Na mesma linha, a deputada municipal Daniela Serralha (dos Cidadãos Por Lisboa, eleita pela coligação PS/Livre) critica a posição “anómala” da Câmara Municipal de Lisboa num assunto que é “técnico”. “Este é um relatório que tem de ser técnico e não pode passar a ser um relatório político. No mínimo é uma questão anormal e precisamos de entender o porquê”, diz à CNN Portugal. 

Há também, continua a mesma autarca, uma discrepância entre a posição assumida publicamente por Carlos Moedas - de o assunto das obras do primeiro-ministro ser tratado como o de qualquer outro cidadão lisboeta - e o papel que a vereadora do urbanismo desempenhou durante a fiscalização. 

“A  fundamentação da senhora vereadora de que a presença da sua equipa tratou-se de uma cortesia institucional vai contra tudo aquilo que defendeu de que as pessoas são tratadas da mesma forma”, continua Daniela Serralho, sublinhando que, “não se tratando de um assunto oficial, isto é do foro pessoal da família do primeiro-ministro, portanto a posição da Câmara é no mínimo inédita e a vereadora não explicou nada sobre isto e achou que não devia explicar”. 

Ambos os requerimentos serão votados na próxima semana durante a reunião da 6.ª Comissão Permanente que se dedica aos temas dos Direitos Humanos e Sociais, Cidadania e Transparência e Combate à Corrupção na autarquia. A autarquia não respondeu até ao momento às questões da CNN Portugal. 

Na audição de terça-feira a vereadora Joana Almeida garantiu também que "todas as fiscalizações são por iniciativa da Câmara": "Esta também é por iniciativa da Câmara. Todas as fiscalizações têm um acompanhamento, são realizadas de forma técnica. Esta não é diferente. É igual para todos os cidadãos."

Segundo noticiou a CNN Portugal no início de de março, Luís Montenegro comprou um apartamento em 2023 na Travessa do Possolo, no bairro da Lapa, perto da sede do PSD. Um ano depois, decidiu comprar a fração de baixo, iniciando entretanto obras de ampliação, de forma a construir um duplex. 

De acordo com o jornal Observador, estas obras só foram comunicadas à Câmara de Lisboa sete semanas depois do início dos trabalhos. Naquela comunicação, foi declarado pelo filho mais novo do primeiro-ministro que os trabalhos para a união das duas frações estão isentas de controlo prévio.

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