Cada vez mais veterinários se "recusam a fazer uma eutanásia a animais" de estimação

14 mai 2023, 08:00
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O bastonário dos médicos veterinários garante que há um “novo paradigma” nesta área da medicina: especialistas que evitam acabar com a vida dos animais mesmo quando o estado assim o indica e estudantes que alegam objeção de consciência para não fazerem inspeções a matadouros, para controlar os alimentos

O tema é sensível e mesmo não havendo dados oficiais, é já uma realidade: os veterinários estão cada vez mais a recusar pôr fim à vida dos animais, mesmo em situações que legalmente o podem justificar. Quem o garante é Jorge Cid, Bastonário da Ordem dos Veterinários, numa entrevista à CNN Portugal. "Começam a aparecer médicos veterinários, que se recusam, praticamente, a fazer uma eutanásia" assume, explicando que as mudanças se estão também a verificar nas universidades, onde muitos estudantes se negam a ir aos matadores. A situação, avisa, pode até, no futuro, trazer problemas no consumo de alguns produtos de origem animal.

"Começa a haver agora alguns casos de objeções de consciência, quer a nível do curso, com alguns estudantes a colocar objeções a ter certas práticas, nomeadamente a nível da inspeção sanitária nos matadores", diz o bastonário. Por outro lado, adianta, "na prática em clínica de animais de companhia, começam a aparecer médicos veterinários que se recusam a fazer uma eutanásia".

De acordo com Jorge Cid nem mesmo o facto de a eutanásia apenas "ser usada em casos extremos" minimiza a situação, pois há cada vez mais veterinários a revelar "dificuldade" em aplicar "este ato médico". Para que seja aplicado é preciso "haver motivo" e é "sempre levado em conta o sofrimento do próprio animal".

Nunca é fácil admitir ao dono de um animal de companhia que a eutanásia é a opção, mas os médicos veterinários precisam de lidar com isso: "Acontece todos os dias. Nós fazemos uma ressonância ou uma TAC e há – imagine -, um tumor generalizado, que nós pensaríamos que estava localizado no pulmão, mas que já está generalizado e temos de ser corretos com as pessoas e admitir que o animal não tem qualquer hipótese", assume.

Usam a objeção de consciência "para não ver a morte dos animais"

Mas a maior diferença aos olhos do bastonário, um veterinário com décadas de experiência, está nos mais jovens. "O que eu tenho conhecimento é que há realmente estudantes" que recusam certas práticas. "Para não verem a morte dos animais" alegam ser objetores de consciência – cujo dia se comemora esta segunda-feira, dia 15 de maio.

Esta tendência "levanta um problema". "Faz parte da medicina veterinária a inspeção dos matadouros. Todos os alimentos que são consumidos pelos humanos e que são de origem animal têm de ser controlados, inspecionados e analisados por um médico veterinário", explica o bastonário que esclarece a sua preocupação. "Se toda a gente começasse a ser assim, colocava-se em causa um dia os alimentos de origem animal", alerta. 

Jorge Cid, Bastonário da Ordem dos Veterinários (Inácio Rosa/Lusa)

Os tempos mudaram e parecem ter trazido outra mentalidade. "Antigamente isso não acontecia. Ninguém pensaria não ir a uma cadeira de inspeção sanitária, nem ir ao matador, porque fazia parte do currículo e nós tínhamos de ir e tínhamos de passar nessa cadeira, senão não fazíamos o curso. Agora há alguns alunos a pôr isso em causa", relata.

Segundo o bastonário, há uma tendência "que se nota cada vez mais": quando contrata "médicos veterinários ou enfermeiros, auxiliares, há uma repulsa maior, uma negação maior, de fazer uma eutanásia".

"A maioria dos detentores de animais quer levar até ao extremo o tratamento do próprio animal"

Uma corrente que também chegou aos donos de animais: "Antigamente eram poucos os detentores de animais de companhia que, por exemplo, autorizavam a fazer uma amputação de um membro. Ou, no caso de o animal estar completamente paralisado, quisessem continuar a tê-lo com uma espécie de um carrinho próprio, adaptado", diz, garantindo que hoje "é precisamente o contrário".

Ou seja, sublinha, Jorge Cid nos tempos atuais a maioria dos donos "quer levar até ao extremo o tratamento do animal".  Mesmo em situações em que o valor monetário é elevado uma vez que há tratamentos muito caros. "Há cirurgias complicadas, tratamentos prolongados de oncologia, etc.  E nem sempre as pessoas têm disponibilidade, mas tendem a fazer tudo o que podem para conseguir" prolongar a vida do animal de estimação.

"É um paradigma que mudou completamente. Antigamente, os donos punham no prato da balança os benefícios e os contras. E depois optavam com mais facilidade por uma eutanásia. Agora não". A evolução na área revelou-se importante para este novo caminho: "A medicina veterinária está evoluidíssima. E eu diria que se pode fazer praticamente tudo o que se faz com as pessoas", explica.

Na sua opinião pessoal, de quem praticamente exerceu clínica toda a vida, "tenho verificado uma alteração de comportamento brutal nas pessoas (donos) e nas pessoas que contratamos para trabalhar connosco, nas pessoas mais novas". E insiste que "a maioria das pessoas recusa-se a fazer eutanásia e depois fica ao critério de cada médico também o que deve ou não fazer".

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