Não olhem para o passado com raiva: os Oasis estão de volta. Quantos concertos aguentarão os irmãos Gallagher sem discutir?

29 jun, 19:00
Oasis (Associated Press)

É o regresso mais aguardado do ano. Depois de se terem separado com estrondo em 2009, os Oasis arancam esta semana a digressão de reunião que só terminará em novembro, no Brasil

Definitivamente talvez

"As armas calaram-se. As estrelas alinharam-se. A grande espera acabou." Foi assim que, em agosto do ano passado, na mesma altura em que celebravam os 30 anos do álbum de estreia, "Definitely Maybe", os Oasis anunciaram os concertos de reunião. Foi a histeria nas redes sociais. Quinze anos depois do fim da banda, a digressão foi marcada e os bilhetes venderam-se, apesar dos preços exorbitantes, mas, temos de admitir, passámos todos o último ano à espera que os irmãos Gallagher se zangassem e, em mais uma birra, desmarcassem todas as datas. Afinal, parece que vai mesmo acontecer. Liam e Noel prometeram portar-se como os meninos crescidos que já são e fazer aquilo que sabem fazer melhor: presentear-nos com as suas magníficas canções.

Quase todos os que foram adolescentes nos anos 90, e que sabem de cor as letras de "Don't Look Back in Anger", "Wonderwall", "Stop Crying Your Heart Out" e "Champagne Supernova", gostariam de estar na próxima sexta-feira em Cardiff, no País de Gales, no arranque da digressão Live '25. Os Oasis vão dar 41 concertos no Reino Unido, Irlanda, América do Norte e do Sul, Ásia Oriental e Austrália, terminando esta aventura a 23 de novembro em São Paulo, e no alinhamento espera-se uma bela dose de nostalgia. Alec McKinlay, manager de sempre dos Oasis, garantiu: "Esta é a última vez, como Noel deixou claro. É uma oportunidade para os fãs que não viram a banda os verem, ou pelo menos para alguns deles... não há planos para nenhuma música nova".

Qual é a história?

Os Oasis surgiram em 1991, a partir de um grupo já existente, chamado The Rain. A formação original incluía o vocalista Liam Gallagher, o guitarrista Paul "Bonehead" Arthurs, o baixista Paul "Guigsy" McGuigan e o baterista Tony McCarroll. O irmão mais velho de Liam Gallagher, Noel, juntou-se aos Oasis pouco tempo depois, como guitarrista e autor. Em 1994, o grupo lançou o seu primeiro álbum. Nessa altura, o Reino Unido estava a sair de uma crise económica, Tony Blair tinha sido eleito líder dos Trabalhistas e preparava-se para ser primeiro-ministro. Os tempos pareciam estar a mudar nas ilhas e o “Britpop” estava em alta. Os Suede, os Pulp e os Blur já tinham vários sucessos nas tabelas de vendas e os Blur tinham declarado que "Modern Life Is Rubbish" (1993). Mas o disco dos Oasis, “Definitely Maybe”, entrou diretamente para o primeiro lugar e tornou-se o álbum de estreia mais vendido de sempre no Reino Unido (até à data). Apesar de estarem todos no mesmo lado da barricada "indie", a rivalidade entre os Oasis e os Blur, alimentada pelos media, tornou-se incontrolável.

Os Oasis tinham um som mais "sujo" do que os Blur e, em palco, eram mais rebeldes. A verdade é que ser de Manchester não era só uma questão geográfica: a cena musical da cidade, conhecida como "Madchester", juntava o rock e o "acid house" e já tinha dado ao mundo nomes como os Happy Mondays e os Stone Roses, James e Inspiral Carpets, tudo com muita influência de drogas psicadélicas. Essas foram as músicas que os Gallagher e os outros Oasis ouviram na sua juventude. 

Alguns críticos olham para esta batalha Oasis/Blur como uma versão musical da luta de classes britânica. Os Blur, de Londres, representam o sul e a classe média; enquanto os Oasis, de Manchester, representam o norte e a classe trabalhadora. Os irmãos Gallagher vinham de uma família de irlandeses, o pai era um alcoólico violento e a mãe acabou por fugir de casa, com os três filhos, a meio da noite. Os rapazes não tiveram aulas privadas de música e antes de serem famosos tiveram uma série de trabalhos precários. "Tu és o excluído, tu és a classe baixa. Mas não te importas, porque estás a viver depressa", dizem em "Bring It on Down ". Os Oasis representam a angústia de todos os jovens, mas também a alegria de quem só quer viver até ao próximo fim de semana para beber e estar com os amigos. "Na minha mente, os meus sonhos são reais", canta Liam em "Rock ‘N’ Roll Star", o primeiro tema do álbum. "Esta noite, sou uma estrela do rock ‘n’ roll." 

Glória matinal

No Reino Unido, os fãs dividiam-se: uns mais dos Blur, outros mais dos Oasis. A grande batalha da "Britpop" aconteceu há precisamente 30 anos: em 1995, a editora dos Blur decidiu antecipar o lançamento do single "Country House" para o mesmo dia em que os Oasis lançariam "Roll With It". Uma coincidência, uma estratégia de marketing ou o teste final à popularidade das bandas - as teorias são muitas. No dia 20 de agosto, os Blur conquistaram o número 1 dos tops: "Country House" vendeu 274 mil cópias, contra as 216 mil vendidas por "Roll With It". Foi a primeira vez que um single dos Blur atingiu o número 1. Pouco depois, numa entrevista ao Observer, Noel Gallagher disse: "Odeio o Alex [James] e o Damon [Albarn]. Espero que apanhem SIDA e morram". Acabou por pedir desculpa, mas seria impossível apagar estas palavras.

Os Blur saíram vitoriosos do confronto, mas a guerra estava longe de terminar. Em 1995, o seu álbum “The Great Escape” foi aclamado pela crítica e tornou-se tripla platina. Mas o feito foi eclipsado pelo sucesso de “(What's The Story) Morning Glory?”, dos Oasis. O álbum passou 10 semanas no primeiro lugar das tabelas britânicas e alcançou o quarto lugar nas tabelas americanas. Mais de 20 milhões de cópias foram vendidas em todo o mundo. Na cerimónia dos Brit Awards de 1996, os Oasis ganharam três prémios - melhor grupo britânico, melhor disco e melhor canção ("Wonderwall") - e não resistiram a atacar mais uma vez os seus rivais: ao receber um dos prémios, os irmãos cantaram uma versão irónica de “Parklife”, uma das canções de maior sucesso dos Blur.

Parem de chorar comvulsivamente

"Be here Now", o terceiro disco, lançado em 1997, foi mais um sucesso estrondoso. A voz era de Liam, mas as palavras e as melodias eram de Noel. A dinâmica entre os dois irmãos foi fundamental para o sucesso dos Oasis, mas foi também isso que, eventualmente, conduziu ao seu fim. Os desentendimentos começaram no primeiro dia, mas acentuaram-se a partir das gravações do quarto álbum. O mau feitio de Liam Gallager, agravado pelos efeitos do álcool e das drogas, tornou-se uma dor de cabeça para todos e impossível de disfarçar no palco: o vocalista assumia o papel de bad boy, o que agradava aos fãs, mas que muitas vezes ultrapassava os limites. As discussões e os episódios mais ou menos violentos sucediam-se, para felicidade dos tabloids ingleses.

Já em 1998, depois de Liam ser processado por ter atacado um fã, Jim Irvin, da revista Mojo, previa que toda esta agressividade não iria acabar bem: "Ele não é o criativo do grupo e, quando não está a em palco, é como um tigre enjaulado. Acaba por entrar num ciclo de agressividade e truculência reprimidas, e perguntamo-nos quanto tempo é que eles podem continuar a comportar-se assim e manter as pessoas interessadas. Devemos estar a chegar ao ponto de saturação".

Quem esteve no festival de Sudoeste em 2000 poderá lembrar-se que, apesar de estarem no auge da sua fama no Reino Unido, os Oasis não só não foram cabeça de cartaz como foram uma desilusão: o público não gostou, assobiou, atirou objetos para o palco, e os músicos zangaram-se e, à sexta canção, interromperam o concerto. Como relatou o jornalista Pedro Ribeiro no Público: "Liam berrou furiosamente para a audiência: "Viemos para aqui para tocar [palavrão] música, e se vocês [palavrão] não gostam, vamos para um sítio [palavrão] onde nos queiram ouvir, seus [palavrão, palavrão]!" (...) A organização advertiu que, se continuassem "a atirar garrafas", a banda não voltava. O público naturalmente atirou ainda mais garrafas para o palco. Os Oasis não voltaram. A maioria do público, que tinha vindo para os Guano Apes, não se pareceu importar muito."

Os Oasis voltaram a Portugal em 2004, outra vez ao Sudoeste, e, depois, em 2009 tocaram no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, pouco antes de o grupo anunciar a separação. Na sequência de mais uma discussão nos bastidores entre Liam e Noel, no festival Rock en Seine em Paris, Noel abandonou o grupo: “Com alguma tristeza e grande alívio... deixei os Oasis esta noite”, escreveu. “As pessoas vão escrever e dizer o que quiserem, mas eu simplesmente não podia continuar a trabalhar com o Liam nem mais um dia.”

Os irmãos estiveram zangados durante anos. Noel formou uma nova banda, Liam continuou com os restantes membros dos Oasis, depois prosseguiram carreiras a solo e continuaram a insultar-se publicamente. Numa ocasião, Liam chamou Noel de “traidor da classe trabalhadora”. Noel disse que Liam era uma daquelas pessoas que tinham "um garfo num mundo de sopa". As músicas dos Oasis continuaram a passar nas rádios e a ser tocadas, por eles e por outros. Não se sabe muito bem o que aconteceu, mas parece que os Gallagher fizeram as pazes - ou pelo menos acordaram umas tréguas temporárias - para realizar esta digressão.

Viver para sempre

Inicialmente, dizia-se que, além dos irmãos, "nenhum outro membro original do Oasis era esperado na reunião". Entretanto, várias publicações especializadas já garantiram que em palco vão estar o guitarrista original Paul “Bonehead” Arthurs e ainda Andy Bell (baixo) e Gem Archer (guitarra), que integraram os Oasis em 1999. São também esperados Joey Waronker (bateria) e Christian Madden (teclas).

Apesar de toda a polémica em volta do escandaloso preços dos bilhetes - os rapazes de Manchester há muito que deixaram de ser representantes da classe trabalhadora, mas ainda houve quem se surpreendesse - os concertos rapidamente ficaram esgotados

Quem não conseguiu bilhete terá de contentar-se com o documentário que será lançado mais tarde. Steven Knight, criador de "Peaky Blinders", vai supervisionar o filme que documentará a digressão dos Oasis. Knight será o produtor e diretor criativo do filme, embora este esteja a ser realizado por Dylan Southern e Will Lovelace, uma dupla que tem experiência em documentários musicais, incluindo com os antigos rivais do Oasis - realizaram “No Distance Left to Run”, que acompanhou a digressão de reunião dos Blur em 2009. Também realizaram filmes com LCD Soundsystem e videoclipes para Franz Ferninand, Björk e Arctic Monkeys. 

Recentemente, no X (antigo Twitter), um fã perguntou a Liam Gallagher como se sentia ao atuar com o seu irmão, depois de tanto tempo: “Não consigo deixar de pensar em todos aqueles anos perdidos, que desperdício de tempo precioso”, respondeu Liam, que tem atualmente 52 anos. Nas poucas declarações que fizeram ao longo deste último ano, os Gallagher garantem que não sentem a pressão da reunião, até porque já não fazem parte "do circo" da indústria musical. "Estamos demasiado velhos para nos importarmos, por isso não haverá desavenças, nem brigas. É uma 'volta de honra' para o grupo", disse Noel, que tem 58 anos.

Apesar de todo este ambiente aparentemente pacífico, os fãs fazem apostas sobre quantos concertos vão os irmãos conseguir fazer sem discutir. Até a própria mãe, Peggy, que terá incentivado a reconciliação ("nenhuma mãe gosta que os filhos discutam, não é?"), parece ter dúvidas: “Ficarei feliz quando tudo acabar porque isto deixa-me muito nervosa”.

Música

Mais Música
IOL Footer MIN