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Psicólogo e presidente da Delegação Regional Centro da Ordem dos Psicólogos Portugueses

O Psicólogo Responde: o que fazer quando os filhos não confiam em nós para partilhar problemas?

26 out, 10:00
Pais e filhos (Freepik)

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Ao refletir sobre esta questão, deixo outra:

Afinal porque é que andamos a olhar para baixo à procura de validação e de respostas num ecrã, quando podemos levantar a cabeça, olhar em frente e encontrá-la com outra pessoa?

Ambas as questões tão atuais e inicialmente parecem não ter muito a ver, na realidade apresentam uma certa continuidade (e até paralelismo) se as colocarmos numa linha de tempo, e fundamentam-se em dois conceitos: apego ou vinculação e parentalidade. Termos tão importantes que na realidade são quase indissociáveis, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento infantil e à saúde.

O apego refere-se à ligação emocional entre o cuidador e a criança, sendo basilar para o desenvolvimento saudável e emocional da criança de forma a que a criança se sinta segura e protegida.

Mas de onde surge esta importância atribuída ao apego/vinculação?

Influenciado pela psicanálise, em 1969, John Bowlby, apresentou e desenvolveu o estudo mais influente sobre a vinculação, apego ou afeto. Na sua perspetiva, a vinculação é uma relação emocional profunda e consistente, que liga uma criança a uma figura primária de apego, e que não podemos compreender sem ter em conta a dinâmica familiar, mas também o contexto sociocultural, no qual cresceu e se insere. Defende que os seres humanos nascem com um sistema comportamental de vinculação que os motiva a procurar proximidade de outros, as chamadas figuras de vinculação. Neste Sistema Comportamental de Vinculação, através do qual a criança compreende o mundo e as relações interpessoais, a vinculação pode ser definida em quatro pontos:

  1. Procura de proximidade à pessoa que representa a figura da vinculação (pai ou mãe, por ex.);
  2. Efeito de tranquilidade e proteção da criança que promove a curiosidade e a livre exploração, fundamentado numa base segura criada pela figura de vinculação;
  3. “Porto seguro”. Onde a criança se sente calma e protegida;
  4. Protesto na separação, que se manifesta pelo choro ou gritos, entre outros comportamentos, é a resposta natural à separação da figura de vinculação, interpretada pela criança como uma ameaça à sua ligação com ela.

Vínculos (in)seguros

Uma vinculação segura gera uma gestão emocional mais consistente promovendo a capacidade de relações empáticas e confiança em figuras de referência, e desta forma não lhes é difícil assumirem e exporem as suas vulnerabilidades e pedir ajuda quando sentem que tal é necessário.

Em sentido oposto, num contexto infantil adverso com uma vinculação errática, em fases posteriores do ciclo vital, não há tanta capacidade de auto-regulação ou sequer de procurar apoio noutras pessoas que podem responder com carinho e empatia e ajudar na resolução dos problemas. Consequência da falta de confiança no outro.

Além disso, segundo vários autores, vinculações inseguras precoces podem potenciar o desenvolvimento de problemas comportamentais associados a agressividade, hostilidade, bem como comportamentos antissociais. Problemas como impulsividade, défice na concentração e baixa tolerância à frustração são também identificados como resultado de vinculações ambivalentes.

Um ecrã não é uma solução, mas sim uma fuga

Atualmente, nesta era digital, os desafios são ainda maiores. Os pais devem estar muito atentos, monitorizar a interação dos filhos com as novas tecnologias e redes sociais, observando sinais de agitação, irritabilidade ou mudanças de comportamento que possam sugerir problemas emocionais. Na realidade, frequentemente, por não se sentirem compreendidos, os nossos filhos refugiam-se num mundo que se restringe a um ecrã onde podem construir uma realidade que eles projetam e que o algoritmo completa por eles, sem se aperceberem que esta “realidade” pode-se tornar uma distopia. Uma fantasia criada que os pode levar para um isolamento, com consequências devastadoras para o seu bem-estar e saúde psicológica. Muitas vezes, são os próprios pais, com as melhores intenções, que oferecem ou permitem a utilização destes dispositivos sem monitorização.

Mas uma utilização construtiva das tecnologias entre Pais e Filhos pode até promover uma ligação perdida há muito. Uma vinculação segura com uma criança promove um desenvolvimento equilibrado e as potencialidades desta para que possa explorar o mundo ao seu redor. E, consequentemente, vinculações seguras e estáveis geram relações de maior confiança no outro, promovendo a procura entre pares e as relações sociais saudáveis, ao longo da vida.

Por isso, é cada vez mais importante encontrar um equilíbrio que, não sendo fácil, é possível! E nunca é tarde para recuperar a relação com os nossos filhos, baseando-nos acima de tudo no diálogo. Saber escutar e compreender os nossos filhos é fundamental para que também noutras fases da vida deles, em vez de andarem a olhar para respostas no ecrã abaixo, eles possam levantar a cabeça, encontrando-nos e sentindo a confiança de que podem partilhar os problemas deles. Para tal, deixo algumas sugestões:

1. Promover uma comunicação aberta e empática

  • Escute os seus filhos com atenção, sem julgamentos;
  • Valide os seus sentimentos: “Compreendo que estás triste…” em vez de “Não estejas assim”;
  • Use perguntas abertas: “Como correu o teu dia?” em vez de induzir a resposta num “Correu tudo bem?”

2. Equilibre o tempo

  • Priorize momentos de qualidade com os filhos, mesmo que sejam curtos;
  • Crie rotinas familiares (refeições juntos, leitura antes de dormir, passeios ao fim de semana);
  • Evite levar trabalho para casa sempre que possível;
  • Fale mais vezes olhos nos olhos com os seus filhos para os tirarem dos ecrãs

3. Definir limites, mas com afetos

  • Ser firme, mas afetuoso é possível e saudável. Os limites proporcionam segurança;
  • Explique o “porquê” das regras e das consequências:
  • Evite punições severas. Prefira as pedagógicas e construtivas.

4. Gerir a utilização de “dispositivos eletrónicos”

  • Defina horários e zonas livres de ecrãs (ex: à mesa, antes de dormir);
  • Dê o exemplo na utilização dos seus dispositivos;
  • Invista em literacia digital e explique os benefícios e riscos da utilização dos gadgets e da internet;
  • Acompanhe a utilização destes dispositivos, explicando aos seus filhos se o que estão a ver é realmente útil. Proporciona mais segurança e promove o diálogo.

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