A última semana tem sido verdadeiramente louca no que toca a assuntos sobre a indústria nuclear internacional. Há notícias importantes que fazem a primeira página nos principais jornais económicos internacionais que têm passado despercebidas em Portugal. O impacto da Inteligência Artificial e dos Data Centres no sector energético poderá ser enorme e temos de estar preparados.
O Departamento de Energia (DOE) dos EUA acaba de lançar o relatório Advanced Nuclear Commercial Liftoff. Uma tradução possível seria Lançamento de uma plataforma comercial para o nuclear avançado. Uma imagem do relatório compara custos de uma rede elétrica com e sem nuclear e chama a atenção de imediato, por afirmar que uma rede elétrica com nuclear será mais barata:
Uma rede elétrica que contenha geração nuclear fica aproximadamente 37% mais barata por unidade de eletricidade gerada do que uma rede com apenas renováveis e armazenamento
O relatório conclui que a energia nuclear jogará um papel chave na rede elétrica dos EUA e que terá “um papel fundamental na descarbonização, reforçando a segurança energética, a fiabilidade e a e acessibilidade de preços, proporcionando simultaneamente empregos de alta qualidade e bem remunerados e facilitando uma transição energética equitativa”. Mas para tal é necessário que a indústria, o governo, e os investidores joguem o seu papel para desenvolver uma cadeia de abastecimento robusta. O relatório afirma que a métrica utilizada para justificar investimentos na geração elétrica no mundo ocidental, o Levelized Cost Of Electricity (LCOE), não reflete a contribuição de uma fonte de baixo carbono e fiável como o nuclear, assim como a sua contribuição para calor industrial, para além da eletricidade. O LCOE tem sido usado de forma abusiva, especialmente em Portugal, como o alfa e o omega do sector elétrico.
No lado do investimento, a história parece estar a compôr-se. O Financial Times reporta que 14 grandes bancos mundiais anunciaram o seu apoio a novos projetos de energia nuclear. Alguns dos nomes são Barclays, BNP Paribas, Credit Agricole, Goldman Sachs, e Morgan Stanley. O anúncio ocorreu no evento Financing the Tripling of Nuclear Power organizado pela Net Zero Nuclear, uma iniciativa apoiada, entre outros, pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA). Neste evento, Ebba Busch, a vice-primeira-ministra Sueca, afirmou que a sua palavra favorita é baseload (carga de base, o nível mínimo de procura de uma rede elétrica que tem de ser garantido), algo que a larga maioria dos políticos Portugueses ligados ao sector energético diz ser um conceito antiquado. A Suécia, o segundo maior exportador de eletricidade Europeu a seguir à França, prepara-se para construir novos reatores nucleares a partir de 2026. A Suécia tem também um dos preços de eletricidade mais baixos ao consumidor final de toda a União.Tem sido assim um pouco por todo o mundo, com novos anúncios de construção, como por exemplo nas Filipinas.
Antecipa-se que o sector da AI e dos Data Centres tenha um grande impacto na economia. E também na procura por eletricidade fiável de baixo carbono. O investigador Yann Le Cunn, uma referência mundial no mundo da AI, sumariza de forma brilhante a situação actual: “Os centros de dados de AI serão construídos junto a locais de produção de energia que podem produzir eletricidade continuamente e à escala de gigawatts, a baixo custo e com baixas emissões. Basicamente, junto a centrais nucleares. A vantagem é que não há necessidade de infra-estruturas de distribuição de longa distância, dispendiosas e que incorrem em grande desperdício material. Nota: sim, a energia solar e a energia eólica são óptimas e tudo, mas requerem muita terra e sistemas de armazenamento de energia em grande escala para quando há muito pouco sol e/ou vento. Não é simples nem barato.” Le Cunn não se encontra só nesta ideia, muito pelo contrário. O CEO da NVIDIA, Jensen Huang, afirmou numa entrevista que a energia nuclear é uma das opções para alimentar a procura crescente de eletricidade que a área espoletou. Os gigantes da tecnologia não estão a dormir. A Apple passou a considerar a energia nuclear como uma fonte de energia sustentável (nota: sempre foi). A Amazon encontra-se no mercado a contratar engenheiros nucleares para a gestão futura dos seus data centres. A Microsoft vai mais longe e está envolvida no processo de voltar a arrancar o primeiro reator de Three Mile Island (TMI-1) para cobrir a procura. O segundo reactor, TMI-2, é o do famoso acidente de 1979. Deste acidente resultaram zero mortes e apenas um ferido ligeiro sem grandes consequências. O primeiro reactor operou até 2019, quando uma abundância de gás natural no mercado tornou a energia nuclear pouco competitiva economicamente. A Microsoft está disposta a voltar a arrancar TMI-1 e a pagar 100$/MWh para cobrir a procura dos seus data centres. Palisades, um reactor no estado de Michigan, também será reiniciado para cobrir a procura crescente nesse estado. Outros reactores nucleares estão em estudo para serem reiniciados. Os gigantes tecnológicos estão dispostos a pagar bem acima do custo de mercado para garantir eletricidade fiável e de baixo carbono. E agora entramos noutro território: no território onde novas construções nucleares, mesmo considerando os outliers de custos, passam a ser rentáveis de construir. O relatório do Departamento de Energia entra em detalhe e explora avenidas para o desenvolvimento de cadeias de abastecimento e baixas de custo de construção de novas unidades nucleares, que são fundamentais para os planos de descarbonização da rede elétrica dos EUA. A procura existe, está a crescer a uma velocidade nunca vista, e está a causar sérias pressões na rede elétrica Norte Americana. Caso a procura não seja coberta por nuclear, será coberta quase de certeza por gás. Caso não seja possível aumentar a oferta, a fatura para as famílias irá aumentar, pois estarão em competição direta com grandes corporações, capazes de lhes fazer outbid. Nunca foi tão crucial reiniciar reactores nucleares em condições para tal e construir novas unidades.
Nos Estados Unidos a energia nuclear e o desafio do aumento da procura de eletricidade são abordados de forma séria tanto por Republicanos como Democratas. Na União Europeia, tenho sérias dúvidas sobre se os políticos percebem sequer a dimensão do assunto. A composição da nova Comissão Europeia é mais um clube de amigos de Ursula von der Leyen do que uma equipa do melhor que o velho continente tem para oferecer. Pastas com sobreposição, mal definidas, ou atribuídas a pessoas sem o mínimo grau de conhecimento técnico e sem uma assessoria competente. Falo principalmente de Teresa Ribera e Dan Jorgensen, duas pessoas altamente ideológicas em pastas técnicas e fundamentais para o futuro da indústria europeia. A Europa segue com a sua sinalização de virtude, apostando no eólico offshore e no hidrogénio, custe o que custar. Na Dinamarca, os sinais de que o eólico offshore é uma quimera estão aí: muito caro e ”não há um tostão a ser feito” nestes projetos. Na Noruega, mesmo fortemente subsidiado, o eólico offshore não consegue arrancar. Também na Noruega, um mega projeto de hidrogénio entre este país e a Alemanha foi também cancelado por motivos económicos, i.e., não faz qualquer sentido financeiro devido aos custos elevados.
Mas obviamente, em Portugal é diferente. Somos um país rico, vamos conseguir levar a bom porto estes projetos que os países mais ricos da Europa não conseguem sequer iniciar. Os nossos políticos estão finalmente a descobrir que têm sido demasiado voluntariosos em projetos com retorno duvidoso como o do hidrogénio verde. Daqui a uns anos é possível que descubramos que fomos muito voluntariosos noutros projectos do sector energético. Não sei onde começa a verdadeira vontade de descarbonizar e onde acaba a sinalização de virtude com estas quimeras. O que é certo é que acções similares na Alemanha estão a causar despedimentos em massa do sector industrial e a pôr em causa o crescimento económico e a estabilidade do estado social. Eu ficaria de olho na Autoeuropa.