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Guilherme Cardoso é conselheiro em Tecnologia Nuclear na Nucleareurope, associação europeia para a indústria nuclear.

Habemus rede elétrica descarbonizada

2 mar 2023, 12:36

A Comissão Europeia definiu finalmente, e talvez sem intenção, o que é uma rede elétrica descarbonizada. Ou seja, qual é o limite máximo de emissões de carbono por unidade de energia gerada para que uma rede possa ser considerada limpa, ou verde, ou amiga do ambiente, ou o que quer que seja que lhe chamemos.

Esse limite vem na forma de um critério para a não obrigatoriedade de respeitar a regra da adicionalidade quando um país quer produzir hidrogénio renovável. Isto é, para que o hidrogénio renovável produzido por um país possa contar para atingir os alvos definidos pela União Europeia (20 milhões de toneladas por ano até 2030) tem de haver uma produção equivalente de energia renovável por instalações construídas há menos de 36 meses. Isto serve para que a energia renovável não seja redirecionada da rede para outros usos (como produção de hidrogénio) dificultando o atingir dos alvos de descarbonização da rede.

Este limite imposto pela Comissão é de 64 gramas de dióxido de carbono por cada kWh de eletricidade usada para a produção de hidrogénio. Para termos uma ideia do que significa este número, em 2021 (segundo a Agência Europeia do Ambiente) a média para a UE foi de 275gCO2/KWh, a Alemanha emitiu 402, Portugal, que sempre se gaba de ser muito verde, emitiu 220, a Estónia 946 (!), a Suécia 9 (sim, nove...).

Não espanta portanto que muito poucos países estejam em condições de respeitar este critério, na verdade apenas dois estão, França e Suécia. E o que têm estes dois países em comum? Ambos produzem uma grande parte da sua eletricidade a partir da energia nuclear: 31% na Suécia e 75% em França.

Por muito que os defensores de um sistema energético 100% renovável queiram, ainda está por provar que seja possível a total descarbonização da sociedade sem recurso a fontes de energia estáveis e on demand, ou seja hidro ou nuclear. Hidro é cada vez menos uma opção, a água que temos nas barragens (quando temos) é melhor empregada em consumo humano ou para agricultura. Portugal viu isso no último verão.

Olhemos para a Alemanha, que decidiu fechar prematuramente as suas centrais nucleares, investiu 500 mil milhões de euros na transição para energia renovável e qual foi o resultado? Uma rede elétrica quase uma vez e meia mais poluente que a média europeia. O consumo de lignite (o tipo de carvão mais sujo) aumentou, florestas e vilas foram destruídas para dar lugar a minas de carvão a céu aberto. E para quê? Para que ativistas anticiência e antiprogresso fiquem contentes com o fecho das centrais nucleares? Não me parece grande trade-off

Este problema torna-se ainda mais aparente quando pensamos na quantidade de energia que vai ser necessária para produzir todo o hidrogénio que queremos produzir. Desde transporte, aquecimento, fornecimento a indústrias pesadas como a da produção de aço, o hidrogénio promete transformar a maneira como usamos energia diariamente. Em 2017, 73% de toda a energia consumida na UE era ainda de combustíveis fósseis (dados da Agência Europeia do Ambiente). Tudo isto tem de ser substituído o mais rapidamente possível com hidrogénio e via eletrificação. Excluir a maior fonte de energia de baixo carbono simplesmente por razões ideológicas é, a meu ver, criminoso.

A energia nuclear gera 50% da eletricidade de baixo carbono na União Europeia, 13 Estados-membros usam energia nuclear, com a esmagadora maioria deles com planos para expandir a sua frota de reatores. Países como a Estónia e a Polónia preparam-se agora para tirar partido desta tecnologia, até a Itália, tradicionalmente antinuclear desde os anos 80 está a reconsiderar a sua posição.

Talvez a discussão também devesse ser aberta em Portugal, onde também precisamos de energia quando está de noite, não há vento e as barragens estão vazias.

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