Depois de quase sete anos em que não o conseguiu fazer, Costa diz que já é possível acabar com os baixos salários: o discurso de tomada de posse na íntegra

31 mar 2022, 19:20
António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa na cerimónia da tomada de posse do novo Governo (Miguel A. Lopes/Lusa)

Terceiro Governo de António Costa tomou posse esta quarta-feira. No discurso que fez ao país, o primeiro-ministro começou por salientar o que considera serem conquistas do Governo anterior, no que pareceu mais um discurso de candidatura a legislativas do que de tomada de posse. Fez também promessas, o que é também mais um registo de candidatura do que de tomada de posse. Grande parte do discurso foi virada para o passado. E repetiu algumas vezes uma das suas expressões favoritas - "virar a página". Leia o discurso na íntegra

DISCURSO DE ANTÓNIO COSTA NA ÍNTEGRA

Quando em 26 de outubro de 2019 aqui tomou posse o Governo que hoje cessa funções, afirmei: "Este é um Governo para os bons e para os maus momentos. (...) E quanto maior for a tormenta, maior será a nossa determinação em ultrapassá-la."

Recordadas hoje, essas palavras parecem premonitórias do que iríamos ter de enfrentar com a terrível pandemia que dois meses depois começou a dominar o Mundo e que também nos atingiu duramente.

A minha primeira palavra é por isso de reconhecimento e profunda gratidão à equipa que hoje cessa funções pela determinação com que enfrentou a tormenta:

  • assegurando capacidade de resposta ao SNS e sucesso na vacinação;
     
  • garantindo, através de uma mobilização excecional de medidas de apoio às empresas, ao emprego e aos rendimentos, que a economia tenha retomado o crescimento, que o investimento das empresas e o emprego estejam em máximos históricos, que a dívida pública já esteja de novo a reduzir e que o défice esteja abaixo dos 3%.
     
  • batendo-se, na UE, por um programa extraordinário de apoio ao investimento e a reformas essenciais para reforçar a dinâmica de recuperação, através da dupla transição climática e digital e respondendo às principais vulnerabilidades sociais, do potencial produtivo e do nosso território.

A tormenta não nos impediu de cumprir com distinção a presidência portuguesa do Conselho da UE; de elaborar e negociar o próximo PT 2030; nem nos desviou dos grandes objetivos estratégicos a que nos propusemos:

  • As centrais de produção de eletricidade a carvão foram mesmo encerradas, até mais cedo do que o previsto, contribuindo para uma redução em 17% das emissões do CO2.
  • O abandono escolar precoce foi reduzido para 5,9%, o número de alunos inscritos pela primeira vez no ensino superior aumentou em quase 40% e o investimento em I&D atingiu 1,62% do PIB.
  • Conseguimos atingir um saldo migratório e um saldo populacional positivo após vários anos a perder população.
  • Combatemos sem tréguas a pobreza, tendo hoje menos 354 000 pessoas em risco de pobreza do que tínhamos em 2015.

Sim, estes não foram só anos de combate às crises que tivemos de enfrentar. Foram também anos de reformas profundas que mudaram estruturalmente a nossa sociedade e a nossa economia. Somos hoje um país mais qualificado, mais sustentável, mais inovador, menos desigual. Por isso voltámos a crescer acima da média europeia, por isso multiplicámos por dez o superavit da nossa balança de pagamentos tecnológica, por isso, atingimos novos recordes de atração de investimento, por isso a Comissão Europeia considera Portugal o país mais bem colocado para atingir a neutralidade carbónica.

Nesta hora de passagem de testemunho, à gratidão que exprimo a todas e todos quantos cessam funções, junto o agradecimento a todas e todos que agora assumem a responsabilidade de governar.

Desta vez, a tormenta não nos dá sequer dois meses de estado de graça.

Estamos ainda a enfrentar a pandemia, a sarar as feridas que abriu, as feridas que revelou ou que agravou e já temos de combater os efeitos da guerra desencadeada pela Rússia com a invasão da Ucrânia.

A guerra, não o escondamos, acrescenta um enormíssimo fator de incerteza às nossas vidas, à nossa economia familiar, à saúde das nossas empresas e, por isso, aos nossos empregos. Esta guerra confronta a Europa com a sua maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial e agrava a pressão inflacionista, que a rutura das cadeias de produção durante a pandemia e um mercado de energia disfuncional provocaram. Esta guerra, acima de tudo, é um teste à capacidade das Democracias de garantirem a paz.

E mais uma vez - tal como já tinham feito durante a pandemia -, os portugueses têm demonstrado o seu enorme sentido de solidariedade e a sua capacidade de união e superação, assegurando o acolhimento e apoiando a integração de milhares de refugiados ucranianos, em busca de paz, de tranquilidade e de dignidade.

E mais uma vez, também, precisamos, a nível nacional e europeu, de adotar as medidas de resposta a este choque adverso, em especial, assegurando que não há ruturas no abastecimento, controlando o custo da energia e de matérias primas essenciais, apoiando as empresas mais atingidas e as famílias mais vulneráveis.

Mas uma coisa tenho por certa: se conseguimos em 2015 recuperar da austeridade e em 2020 responder à pandemia, agora, em 2022, vamos saber enfrentar os impactos da guerra e prosseguir a nossa trajetória de crescimento e desenvolvimento.

Podíamos olhar para a tormenta e ficar em terra. Gerir sem ousar. Chorar a nossa sorte por viver em tempos assim. Abrigarmo-nos até que a tormenta passasse. Não é isso que os portugueses esperam de nós, nem é esse o comportamento a que os habituámos. Os portugueses estiveram connosco, com determinação e lucidez, a enfrentar as sucessivas crises que assolaram o país, e viram-nos a enfrentar a tempestade e lutar, por todos e com todos, para que o destino mudasse.

É de novo isso que os portugueses esperam de nós: que o Governo seja capaz de responder no dia a dia às dificuldades com que se deparam, sem descurar a construção de um futuro melhor a médio e longo prazo. Um Governo que resolva problemas e crie oportunidades.

Os portugueses desejam um Governo que trabalhe afincadamente, já a partir de hoje, para que o país proteja os seus cidadãos, garanta a sua liberdade e segurança, os mobilize no esforço coletivo de modernizar Portugal.

Os portugueses exigem que recuperemos o tempo perdido com uma crise política que não desejavam, continuando o caminho que temos vindo a percorrer e a avançar para um país mais justo, mais próspero e mais inovador. Um país em que todos encontrem o espaço de realização pessoal que ancore a esperança e a confiança no futuro.

É essa coragem e ambição que este Governo garante. É esse o compromisso que eu e todos os membros do Governo assumimos aqui, hoje, perante todas as portuguesas e todos os portugueses: trabalhar sem hesitações, contra tormentas e tempestades, mantendo Portugal na trajetória de crescimento e progresso que tem conhecido nos últimos seis anos e fazendo face aos quatro grandes desafios que o futuro coloca ao nosso presente:

  • Responder à emergência climática
     
  • Assegurar a transição digital
     
  • Contrariar o inverno demográfico
     
  • Combater as desigualdades.

As circunstâncias mudaram, a conjuntura é adversa, mas não desistimos dos objetivos a que nos propusemos, nem esquecemos os compromissos que assumimos. Foi nessa expectativa que os portugueses nos transmitiram um voto de confiança e é essa confiança que queremos honrar.

O Programa do Governo é conhecido. É o programa eleitoral que apresentámos aos portugueses, e que já amanhã aprovaremos formalmente em Conselho de Ministros, para que na próxima semana o possamos discutir no local próprio, a Assembleia da República.

Aprovámos o Programa de Estabilidade que prossegue a trajetória de equilíbrio orçamental e redução sustentada da dívida pública, que temos compatibilizado com ambição económica, social e ambiental.

Temos pronta a proposta de Orçamento do Estado para este ano, honrando os compromissos assumidos, como o aumento extraordinário de pensões com efeitos retroativos, a redução do IRS para a classe média ou o início da gratuitidade das creches.

Ao longo dos próximos anos o país dispõe de condições únicas para romper definitivamente com um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários, assegurando emprego digno e de qualidade, aumentando o potencial do seu tecido produtivo e eliminando barreiras ao progresso económico com base na inovação, na modernização da Administração e da Justiça, na internacionalização, sem deixar ninguém para trás.

Esta é a nossa marca: modernização com solidariedade social.

Fruto de anos de investimento nas qualificações e no reforço do nosso sistema científico e tecnológico; da conjugação dos fundos estruturais com os recursos do PRR; da recuperada credibilidade internacional para a atração de investimento. Portugal tem hoje as condições de que nunca dispôs para virar a página para um novo ciclo de desenvolvimento sustentável e inclusivo. Um novo ciclo de desenvolvimento com uma economia que produz maior valor acrescentado e com mais justa repartição desse valor com os trabalhadores.

São estas condições que nos dão plena confiança na capacidade de alcançarmos objetivos tão ambiciosos, quantificados e calendarizados, como os que estão associados ao programa de governo ou   contratualizados com a União Europeia.

Esta é uma oportunidade única, que nos empenha a todos, empresas e entidades do setor social e solidário, instituições do ensino superior e do sistema científico, autarquias locais, Regiões Autónomas Estado.

Assim nos exigem os nossos filhos e netos que querem participar na vida democrática e que sabem que a mudança depende deles. Que têm da sociedade uma visão atenta e cosmopolita, enformada pela ideia de que a liberdade é vital, que a igualdade entre as pessoas não conhece limites porque se funde na dignidade humana.

A eles me dirijo em particular para lhes dizer: a vossa participação é determinante, o vosso empenho é essencial, a vossa visão para o futuro é insubstituível. Precisamos de ouvir as vossas vozes, as vossas ideias, as vossas ambições. Só assim os poderemos ajudar a enfrentar os vossos medos, as vossas incertezas e a alcançar os vossos sonhos. Só assim poderemos garantir que a geração mais qualificada de sempre se torne, também, na geração mais realizada de sempre.

A vossa geração é a mais bem preparada da História deste país e aquela que mais capacidade tem para o transformar. A mudança depende de vós e só com a vossa participação poderemos continuar a crescer, melhorar e avançar. Não basta virar a página do passado: está na hora de escreverem a vossa própria História. Para isso, é essencial a unidade em torno de objetivos comuns, de tal modo ambiciosos que mobilizem cada uma e cada um de nós, como nunca.

Senhor Presidente da República,
Excelências,

A maioria absoluta que nos foi concedida não significa poder absoluto. Pelo contrário, a maioria absoluta corresponde a uma responsabilidade absoluta para quem governa.

Os portugueses resolveram nas eleições a crise política e garantiram estabilidade até outubro de 2026. Estabilidade não é sinónimo de imobilismo, é sim exigência de ambição e oportunidade de concretização.

Temos a obrigação de aproveitar a estabilidade para antecipar a incerteza, enfrentando corajosamente os desafios estruturantes com que nos confrontamos.

Temos o dever de inovar, de modernizar, de garantir emprego digno e criar riqueza, de progredir juntos, com inclusão e contas certas.

Isso implica trabalho, em conjunto, com humildade democrática, com lealdade institucional, garantindo o envolvimento dos partidos políticos e parceiros sociais na criação de soluções que ajudem a encarar os desafios que o país enfrenta. Só comprometendo-nos com o diálogo social, mobilizando a sociedade civil e acolhendo os contributos positivos dos outros partidos políticos poderemos continuar a avançar.

Por isso, saberemos ser uma maioria de diálogo. De diálogo parlamentar, político e social.

As eleições alteraram a composição da Assembleia da República, mas não alteraram a Constituição. As competências próprias dos órgãos de soberania, ou o princípio da separação e interdependência de poderes ou da autonomia regional e local não sofreram nenhuma alteração. O Presidente da República é o mesmo e o Primeiro Ministro também. Assim, os portugueses podem contar com normalidade constitucional e a continuidade da saudável cooperação e solidariedade institucional, que tanto têm apreciado e que são um inestimável contributo para o reforço das instituições democráticas e o prestígio de Portugal no exterior.

Senhor Presidente da República,
Excelências,

O quadro internacional é novo e coloca-nos novas exigências.

Mas o nosso rumo permanece inalterado. Temos uma estratégia para executar, compromissos para cumprir e objetivos para alcançar. Temos provas dadas. Virámos a página da austeridade. Estamos a virar a página da pandemia. Vamos virar a página da guerra, e juntos e só juntos conseguiremos, também, escrever as páginas de um futuro que queremos radioso.

É com renovada energia, determinação e entusiasmo que iniciamos agora esta nova etapa, sempre com vontade de servir Portugal e de servir os portugueses. Juntos, seguimos e conseguimos!

Viva Portugal!

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