Chega não vai ser ouvido pelo secretário-geral do PS antes da formação do novo Governo. É o único partido excluído. Analistas ouvidos pela CNN dizem que isto tem ganhos mas também perdas para Costa, enquanto Ventura só tem a ganhar. Como?
António Costa abriu esta segunda-feira um precedente na política portuguesa. Pela primeira vez em quase 48 anos de democracia, o partido vencedor das eleições legislativas, e cujo líder foi indigitado primeiro-ministro, excluiu um partido das reuniões informais que vão ser realizadas antes da formação do novo Governo. Quando, a 15 de fevereiro, os partidos eleitos para a Assembleia da República se sentarem com o secretário-geral do PS, há um nome que não vai constar da lista: o Chega, que já reagiu - Ventura acusa Costa de "tiques preocupantes em início de maioria absoluta" por ter excluído o Chega destas reuniões.
Depois de uma campanha animada, em que se ouviram expressões como “Costa, inimigo principal do Chega” ou “Costa, eu vou atrás de ti agora”, a animosidade entre António Costa e André Ventura prossegue. Para os analistas consultados pela CNN Portugal, tudo isto se reflete numa “polarização” da discussão política que relega os outros seis partidos eleitos (incluindo o PSD, que foi segundo) para um outro plano. É isso que entende a professora da Universidade Católica Rita Figueiras, que fala mesmo numa “polarização virtual”. A especialista em comunicação política diz que se trata de uma situação “construída” por ambas as partes e que, no limite, pode estar a beneficiar tanto Costa como Ventura. Como?
Por um lado, e com a segurança da maioria absoluta, o PS agrada ao eleitorado de esquerda, que se opõe ao Chega. Por outro, o partido de André Ventura consegue rentabilizar o discurso de vitimização, que também já tinha surgido com a questão da vice-presidência do Parlamento (o nome proposto pelo Chega, Diogo Pacheco de Amorim, vai ser inviabilizado pela maioria dos deputados).
“A polarização que está a ser construída entre o Chega e o Governo é produto de ambos”, afirma Rita Figueiras, que pede mais tempo para que se perceba se tudo não passa de consequências da campanha eleitoral ou se é uma “luta” que vai marcar a próxima legislatura. O politólogo José Adelino Maltez também admite que o Chega possa utilizar a questão como forma de vitimização para ganhar protagonismo e sublinha o vincar de um “cordão sanitário” de António Costa relativamente a André Ventura, tal como a esquerda está a tentar fazer na questão do nome proposto pelo Chega para a vice-presidência da Assembleia da República.
O "cordão sanitário" é, para o professor e politólogo José Filipe Pinto, um "erro repetido", que também já se verificou em países como os Países Baixos e a Bélgica, onde os partidos populistas foram "postos de lado" pelos partidos ditos mainstream, que já estão no poder há muito mais tempo, como é o caso de PS e PSD em Portugal. "Essa estratégia é a que melhor serve os partidos populistas porque vai permitir a sua vitimização", acrescenta.
Sobre as consequências da situação, José Filipe Pinto distingue dois momentos: durante os debates e a campanha o PS começou por ganhar ao afastar o Chega, dizendo que não dialogava com aquele partido. Aí, conquistou eleitorado à sua esquerda, o que lhe permitiu a maioria absoluta. Num segundo momento, adianta José Filipe Pinto, os socialistas podem vir a perder com esta estratégia, uma vez que "coloca de lado" a terceira força política, que pode assim captar mais votos, contribuindo para aquilo que o especialista entende que vai ser a consolidação do Chega em Portugal. "O que vai acontecer é que o PS, junto dos seus fiéis, vai conseguir fixar esse eleitorado, mas há uma franja do eleitorado que votou PS e vai entender isto como uma partidocracia que não aceita o contraditório."
Além disso, indica o especialista, uma parte do eleitorado da Iniciativa Liberal e do PSD também se pode rever na estratégia do Chega a longo prazo, eleitorado que pode vir a aderir às "bandeiras" do partido de André Ventura, que passam por catalogar os outros partidos como mainstream por beneficiarem de um alegado sistema instituído - que o Chega diz querer derrubar, a tal "quarta República". "Os partidos populistas precisam de inimigos, e isso é conotar os partidos que estão no poder com uma elite que não pensa no povo", refere José Filipe Pinto.
Um novo sistema político e a tentativa de não normalizar
De Catarina Martins a António Costa, todos acusaram o PSD de normalização do partido de André Ventura. A coordenadora do Bloco de Esquerda chegou mesmo a referir-se a uma normalização da “selvajaria da extrema-direita”. Timidamente, Rui Rio foi sempre dizendo que não havia entendimento possível mas também não disse taxativamente "não" a um entendimento - rejeitou sim uma coligação mas deixou sempre em aberto a possibilidade de um entendimento a nível parlamentar.
Para os analistas políticos ouvidos pela CNN Portugal, é essa mesma normalização que António Costa quer evitar, mantendo fora da regular atividade democrática um partido que se define como sendo “anti-sistema”. “António Costa entende que não convém normalizar o Chega e por isso exclui o partido do funcionamento institucional do sistema”, explica José Adelino Maltez, que diz que cada uma das partes terá de lidar com as consequências das atitudes políticas tomadas.
Para Rita Figueiras, essa tentativa do PS de não normalizar o Chega começou logo na campanha, durante a qual António Costa disse por várias vezes que só havia um partido com o qual não se sentava à mesa de discussões: o Chega. “Vamos ter de falar com todos os partidos, à exceção do Chega”, afirmou o secretário-geral do PS à Rádio Renascença a 24 de janeiro, quando as sondagens o afastavam de uma maioria absoluta, o que o motivou a uma mudança de discurso.
Mas esta “luta” política faz-se sobretudo num plano simbólico. Rita Figueiras diz que aquilo que o primeiro-ministro tenta fazer é colocar em causa a legitimidade política do Chega pertencer a um sistema contra o qual se opõe de forma recorrente. Trata-se de um processo de adaptação do sistema político a um fenómeno até aqui desconhecido: a presença de um partido anti-sistema no Parlamento. José Adelino Maltez aponta o exemplo de Espanha, onde o Vox também entrou devagar mas já é a terceira força política - e até tem um dos cargos da vice-presidência da Câmara dos Deputados. “Temos de ver quanto disto é pontual e quanto disto se vai perpetuar ao longo do tempo”, aponta Rita Figueiras.
A questão Constitucional
O terceiro ponto do 114.º artigo da Constituição da República Portuguesa diz que “os partidos políticos representados na Assembleia da República e que não façam parte do Governo gozam, designadamente, do direito de serem informados regular e diretamente pelo Governo sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público”.
Apesar disso, a Constitucionalista Teresa Violante diz que a exclusão do Chega não viola nenhum direito Constitucional daquele partido, até porque a Lei Fundamental só refere relações entre partidos e Governo, enquanto as reuniões que vão decorrer a 15 de fevereiro vão ser realizadas entre partidos, tendo em vista, precisamente, a formação do novo Governo.
Ainda assim, Teresa Violante admite que esta é uma questão discutível a nível político, mas que não extravasa para o domínio “jurídico-constitucional”.