opinião

Costa, o refém

31 mar 2022, 18:12

Se alguém não tinha percebido à primeira, Marcelo não se importa de explicar outra vez: caso António Costa esteja a pensar em deixar o mandato a meio, são convocadas novas eleições. Foi isso que esteve subjacente ao discurso do Presidente, na quarta-feira, durante a tomada de posse do novo Governo, e é isso que Marcelo quer dizer quando afirma que o primeiro-ministro está “refém do povo português”, depois de ter recebido desse mesmo povo uma maioria absoluta.

No espaço de uma semana, já vamos, por isso, no segundo irritante: primeiro foi a composição do novo Governo; agora é o aviso do Presidente, que mereceu de Costa uma resposta tão seca quanto: “Os portugueses garantiram estabilidade até outubro de 2026”. Não por acaso, logo a seguir, veio Carlos César (o polícia mau de Costa) sublinhar que “a renovação expressiva da legitimidade eleitoral” é do PS. E que o primeiro-ministro, a ser refém de alguém, nunca será do Presidente, mas sim do povo.

Para início de conversa, admitamos, este novo ciclo político não começa propriamente bem, ao nível das relações institucionais entre Belém e S. Bento. Só o simples facto de Marcelo ter sentido a necessidade de, num discurso de tomada de posse, traçar esta linha vermelha a António Costa, já diz muito da desconfiança que reina entre os dois. O Presidente, que nunca deixa nada ao acaso, podia ter escolhido qualquer outra ocasião para o fazer, mas optou por, num dia tão simbólico, deixar claro que não permitirá que António Costa fuja do país — como fez Durão Barroso —, mantendo-se, ao mesmo tempo, o mesmo quadro parlamentar.

Aos argumentos que Marcelo apresentou podíamos acrescentar outros. António Costa não só centrou na sua pessoa toda a campanha eleitoral – uma espécie de “ou eu ou Rui Rio” –, como desenhou a régua e esquadro um Governo que concentra em si mesmo muito do poder que normalmente está distribuído pelos vários ministérios.

Costa optou por não ser apenas o maestro do executivo, ele quer ser um executivo em pastas como a transição digital, os assuntos europeus e, sobretudo, a distribuição dos fundos comunitários. Do ponto de vista de currículo, não fica mal, mas acresce ainda mais a responsabilidade do homem que conquistou a segunda maioria absoluta na história do PS.

Sim, António Costa está “refém” do povo português, mas, politicamente, está também “refém” do Presidente da República. Primeiro porque, à falta de oposição, Marcelo já deixou claro que usará todo o seu poder – sobretudo o da palavra – para fiscalizar e escrutinar a ação do Governo. Depois porque, no limite, o Presidente da República sabe que o seu mandato termina seis ou sete meses antes do de António Costa. Pelo que, se Costa quiser “fugir”, Marcelo não deixará o PS decidir por ele.

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