“Tratado como um prisioneiro”: como toda a polémica de Djokovic poderia ser evitada em cinco segundos

6 jan 2022, 19:20

O sérvio, não estranho a controvérsias em tempo de pandemia, enfrenta a possibilidade de ser deportado da Austrália

Em apenas seis dias, 2022 já proporcionou aquela que será, seguramente, uma das maiores histórias do ano no mundo do desporto. A novela em torno da presença de Novak Djokovic no Open da Austrália, onde iria defender o título conquistado o ano passado, parece não ter fim.

No entanto, o seu início, ou melhor, o começo de toda a saga do sérvio e da sua posição controversa em relação à vacinação contra a covid-19 está bem documentada. Para lá irmos, temos de recuar quase dois anos, até abril de 2020, muito antes de qualquer vacina estar disponível.

Num direto no Facebook, juntamente com outros atletas do seu país, Djokovic deixou bem clara a sua oposição à vacinação, alegando que não queria ser “forçado” a tomar nada “que não queira” para voltar aos courts e poder viajar livremente. “Se a vacinação for obrigatória, vou ter de tomar uma decisão, se vou para a frente ou não”, afirmou na altura.

Também nesse mês, um vídeo que a sua mulher, Jelena Djokovic, publicou no Instagram foi assinalado pela rede social como propagador de informações falsas sobre o coronavírus. Nele, o médico americano Thomas Cowan propôs a teoria de que as torres 5G eram responsáveis pela disseminação do vírus a nível mundial.

Qualquer pessoa com dois dedos de testa ri-se, mas nem é a mais louca proposição que o casal apoiou. No seu livro “Serve to win”, Novak Djokovic explica como descobriu a sua alergia ao glúten: pressionando uma fatia de pão contra a barriga. Sendo certo que a dieta que segue dá resultados (tem 20 títulos do Grand Slam, afinal de contas), a teoria em torno da alergia parece, do ponto de vista científico, muito pouco plausível.

Mais tarde, ainda no ano de 2020, Djokovic promove o Adria Tour, uma série de cinco eventos na Sérvia, Croácia, Montenegro e Bósnia-Herzegovina que contariam com a presença de grandes figuras como Dominic Thiem, Alexander Zverev e Grigor Dimitrov. Contudo, um pormenor: não havia máscaras, nem distanciamento social. Os courts, esses, estavam cheios de público. Vídeos de festas entre os jogadores inundaram as redes sociais.

O resultado não surpreendeu. O evento não passou da segunda manga, após o teste positivo de Dimitrov. Nos dias seguintes, o próprio Djokovic, a sua mulher, o seu treinador, assim como os jogadores Borna Coric e Viktor Troicki, foram diagnosticados com o vírus.

Numa entrevista ao The New York Times algum tempo depois, e mesmo reconhecendo que “poderia ter feito as coisas de forma diferente", o sérvio afirmou que, se tivesse a oportunidade, promoveria o Adria Tour outra vez.

“Acho que não fiz nada de mal para ser honesto. Sinto pena de pessoas que foram infectadas. Será que me sinto culpado por alguém que tenha sido infetado a partir desse momento na Sérvia, Croácia e na região? Claro que não. É como uma caça às bruxas, para ser honesto. Como se pode culpar um indivíduo por tudo?"

Público nas bancadas de um dos eventos do Adria Tour, em 2020.

Após meses de recusas em divulgar se estaria vacinado ou não, alegando que era “uma questão pessoal”, surge uma novidade, em novembro de 2021, que certamente o deixou preocupado. A organização do Open da Austrália tinha decretado que todos os jogadores deveriam ter a vacinação completa para participar no evento.

Pouco depois, o primeiro-ministro do país, Scott Morrison, anunciou que haveria uma exceção: os não vacinados poderiam optar por fazer um período de quarentena de 15 dias. A informação foi, no entanto, prontamente desmentida pelo primeiro-ministro do estado de Vitória, Daniel Andrews, que clarificou que não iriam ser abertas exceções. Resumindo: só jogam os vacinados.

Muita tinta correu sobre se o número 1 mundial iria marcar presença em Melbourne, mas as dúvidas pareceram ficar dissipadas com uma publicação do próprio no Instagram, na passada terça-feira.

“Estou a caminho da Austrália com uma isenção médica. Vamos 2022!!”, pode ler-se.

A notícia despertou a raiva da grande maioria dos australianos, muito afetados pelas duras restrições impostas pelo governo do país desde o início da pandemia. A cidade de Melbourne em particular, onde decorre o evento anual, esteve confinada mais de 260 dias. Muitos australianos no estrangeiro não conseguem regressar ao país dado o apertado sistema de quotas e falta de voos para a ilha-continente.

A isenção médica a Djokovic foi como um murro no estômago para um povo sujeitou a medidas draconianas. Mas o descontentamento virou schadenfreude pouco depois, com o visto de Djokovic a ser revogado por falta de provas que sustentem a isenção, atribuída pelo Open da Austrália após a consulta de dois painéis independentes de médicos, e a possibilidade de deportação a ser colocada em cima da mesa.

Mas, se a maior parte do mundo pareceu rejubilar com o novo desenvolvimento, o clã Djokovic e até o presidente sérvio, Aleksander Vucic, pronunciaram-se contra o que apelidam de “perseguição” ao ídolo de todo o país dos Balcãs. Esta quinta-feira, houve mesmo um pequeno grupo de manifestantes que se deslocou ao hotel onde o sérvio está alojado para pedir a sua "libertação".

Manifestantes reuniram-se no local onde estará Novak Djokovic, pedindo a sua libertação

“Esta noite podem pô-lo numa masmorra, amanhã podem acorrentá-lo. A verdade é como a água, traça o seu próprio caminho. O Novak é o Spartacus do novo mundo, que não tolera a injustiça, o colonialismo e a hipocrisia”, afirmou o pai de Djokovic, Srdjan, aos média russos.

A sua mãe, Dijana, diz que o filho está a ser “tratado como um prisioneiro”.

“Não é justo, não é humano. As condições em que ele está são terríveis, é tudo porco e a comida é terrível”, atirou, durante uma conferência de imprensa em Belgrado.

Djokovic e a família podem lamentar a situação as vezes que quiserem que não alteram um facto crucial: foi o próprio número 1 do mundo que se colocou nesta situação ao recusar vacinar-se, um simples ato que dura cinco segundos, no máximo. Resta-nos, agora, esperar por novos desenvolvimentos, que deverão ocorrer na segunda-feira, quando o sérvio será ouvido perante um juíz após a apresentação de um recurso contra o cancelamento do visto.

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