Primeira-ministra afirma que não percebia como armas que matavam pessoas podiam ser legais. Prometeu e cumpriu, e os resultados estão à vista
O tiroteio que provocou a morte a 51 pessoas em Christchurch foi um ponto de viragem na legislação da Nova Zelândia sobre as armas. Logo nesse mesmo dia, a primeira-ministra, Jacinda Ardern, prometeu uma reforma na lei sobre as armas. Até então, qualquer cidadão a partir dos 16 anos podia ter uma arma, desde que houvesse uma investigação do seu passado criminal e um atestado médico. Mas, assim que tivesse licença, qualquer pessoa podia comprar o que quisesse.
Foi o que fez Brenton Tarrant - entretanto condenado a prisão perpétua -, que a 15 de março de 2019 investiu contra mesquitas daquela cidade carregado com cinco armas, duas delas semiautomáticas e uma de assalto. Com licença de armas desde 2017, conseguiu acumular sete mil cartuchos em apenas dois anos.
Jacinda Ardern prometeu atuar, e a reforma que colocou em prática teve resultado. A neozelandesa olha agora para o massacre em Uvalde, no Texas, para puxar da sua resposta “pragmática”: “Vimos que algo não estava bem e reagimos”, afirmou, no programa The Late Show com Stephen Colbert, gravado pouco depois do tiroteio nos Estados Unidos, apelando a uma reforma legislativa que muitos pedem há anos.
O que fez a Nova Zelândia
Também na sequência do ataque em Christchurch, a polícia admitiu que não sabia quantas armas legais estavam ao dispor da população. No entanto, uma estimativa apontava para 1,2 milhões de armas legais, o que daria uma média de uma arma para cada quatro habitantes.
A promessa feita a 15 de março teve efeito seis dias mais tarde. Jacinda Ardern dirigiu-se à nação, num discurso através da televisão, no qual anunciava a proibição da venda de armas de assalto e de armas semiautomáticas de caráter militar.
Na mesma lista entravam também os carregadores de grande capacidade e dispositivos que permitem realizar disparos mais rápidos. Apenas duas semanas depois a lei foi aprovada, quase por unanimidade, no parlamento. Apenas um dos 120 deputados não votou a favor.
O plano do governo neozelandês ia nos dois sentidos, pelo que a lei também previa a compra, por parte do Estado, de todas as armas de assalto e outras armas semiautomáticas que estivessem em posse da população. A lei dava um período limitado para que os proprietários entregassem as armas às autoridades, para depois serem destruídas. Quem não o fizesse incorria numa pena de prisão até três anos.
No fim do ano já tinham sido devolvidas mais de 56 mil armas de fogo proibidas, com o governo a pagar 100 milhões de dólares neozelandeses (quase 62 milhões de euros).
Já a meio de 2020, houve uma segunda reforma à lei das armas, passando a exigir uma licença sempre que alguém compre ou venda uma arma. Ou seja, a qualquer movimento e não uma licença que permitisse fazer tudo. Segundo o ministro da polícia, Stuart Nash, "foi a primeira vez que se disse que ter uma arma é um privilégio".
A mais recente lei obriga ainda que a primeira licença ou quem tenha visto a anterior licença expirada só possam obter uma licença por cinco anos, em vez dos dez anos que anteriormente estavam previstos.
O resultado está à vista: a Nova Zelândia nunca mais teve um acontecimento destes.
O autor do ataque em Uvalde, de apenas 18 anos, comprou duas armas de assalto assim que atingiu a maioridade. Foi com uma delas que matou 19 crianças e dois professores, menos de duas semanas depois de um homem ter matado 10 pessoas num supermercado em Buffalo, Nova Iorque.