Como é a vida num dos locais mais remotos da Terra

CNN , Yahya Salem
17 nov, 10:00
Svalbard, na Noruega, é a casa das comunidades permanentes localizadas mais a norte no globo (Cecilia Blomdahl)

Svalbard, na Noruega, é a casa das comunidades permanentes localizadas mais a norte no globo

Nas profundezas do Círculo Polar Ártico, encurralada entre glaciares gigantes e abaixo de blocos de gelo polares, a fotógrafa sueca e criadora de conteúdos Cecilia Blomdahl encontrou um calor extraordinário.

O arquipélago norueguês de Svalbard, situado aproximadamente a meio caminho entre a costa norte da Noruega e o Pólo Norte, é o local mais a norte do globo onde se instalaram comunidades permanentes. Blomdahl, que vive em Longyearbyen, a maior cidade de Svalbard, é um dos cerca de 2500 residentes na região. Aqui, cabines coloridas contrastam com cenários impressionantes de calotes polares e fenómenos celestiais vibrantes iluminam os céus.

Blomdahl mudou-se para Svalbard em 2015 e documenta a sua vida peculiar para milhões de pessoas que a seguem, fascinadas, nas redes sociais. Numa das partilhas mais recentes, o seu livro de fotografia “Life on Svalbard” [Vida em Svalbard], captura a serenidade da sua casa, a brilhar em tons de azul.

“Quando se vive aqui, acabamos realmente imersos nesta realidade, no silêncio e na quietude da natureza”, descreve à CNN Blomdahl, uma antiga funcionária hospitalar que se tornou criadora de conteúdos. “É apaixonante estar todos os dias tão perto da natureza”.

Os desafios de uma vida bela

Apesar de toda a sua beleza natural, Svalbard é muito mais do que um sítio bonito. A sua riqueza de recursos, como peixe, gás ou reservas minerais, tornaram este território um alvo de disputa diplomática e económica no passado. Agora, é um próspero centro global para o desenvolvimento de atividades económicas e atividades científicas. Para aqueles que estão apenas de passagem, é um destino turístico digno de figurar nas listas de desejos.

Apesar de toda a sua beleza natural, Svalbard é muito mais do que um lugar bonito. Os seus ricos recursos, como peixes, gás e depósitos minerais, tornaram-no num tema de disputa económica e diplomática no passado, e agora serve como um próspero centro global para atividades económicas e investigação científica. Para quem vem apenas para passar um tempo, é um destino turístico da lista de desejos.

Contudo, tal como Blomdahl a conhece, a vida em Svalbard não é fácil. Desde temperaturas que atingem os 35ºC negativos, passando por ursos polares e raposas do Ártico que ocasionalmente deambulam pelas ruas, é preciso ser-se alguém muito especial para abdicar da vida na parte continental do país e mudar-se para um local tão remoto – e, por vezes, proibitivo.

Blomdahl e outros habitantes de Svalbard utilizam equipamentos de proteção contra ursos polares (Cecilia Blomdahl)

“Cada dia é uma aventura. Pode ser doido, selvagem, ou só um dia normal”, diz. “Mas um dia normal aqui é algo muito diferente. É beber café com a aurora boreal, com o sol da meia-noite ou com renas”.

Estes são sentimentos comuns na comunidade de Svalbard: as condições extremas, apesar do seu encanto, acabam por significar que as pessoas não ficam ali por acidente. Nesta área reside pessoas oriundas de praticamente 50 países, trabalhando em áreas como a investigação científica ou o turismo sazonal.

O que leva alguém a procurar uma casa num lugar tão recôndito do mundo? Segundo especialistas em ciências comportamentais, muitas das pessoas que procuram condições extremas podem estar motivadas pelo desejo de desafiar os limites das suas capacidades físicas e psicológicas, pela vontade de escapar a problemas pessoais ou ao tédio do dia a dia, ou simplesmente pelas emoções que estes lugares despertam.

Tudo o que Blomdahl precisava para abandonar as suas ambições corporativas em Inglaterra e na Suécia foi um vislumbre do cenário sem comparações de Svalbard. Assim, optou por viver naquilo que descreve no seu livro como uma “vida ligada à natureza e marcada por um ritmo mais lento”.

“Tudo aqui é tão puro e belo”, diz Blomdahl. “Até se chega a pensar que é algo mágico, porque é tão fora do comum”. 

Cecilia Blomdahl tem fotografado o arquipélago norueguês desde que se mudou para lá em 2015 (Cecilia Blomdahl)
“Cada dia é uma aventura”, diz Blomdahl (Cecilia Blomdahl)

Viver no limite do mundo

Nas suas redes sociais, Cecilia Blomdahl mostra aos seguidores em primeira mão como o ambiente de Svalbard molda a vida dela. Por exemplo, não é só preciso transportar um equipamento de proteção contra ursos polares quando há uma deslocação para fora da zona das habitações – é mesmo obrigatório pela lei. Numa imagem impressionante do seu livro, a criadora de conteúdos mostra-se com uma arma de fogo nas contas, enquanto ela e o seu cão ficam longe das habitações. Blomdahl, que fotografou todas as imagens, até registou um urso polar perto de casa – tirada a uma distância assinalável, por razões de segurança.

Um ano em Svalbard é marcado por dois períodos incomuns de luz: a noite polar e o sol da meia-noite. A noite polar vai de meados de novembro até ao final de janeiro, quando o sol não nasce acima do horizonte. O sol da meia-noite, que dura cerca de 18 semanas entre abril e agosto acontece quando o sol não se põe abaixo do horizonte. Esses períodos de luz constante e de escuridão durante todo o dia podem prejudicar o corpo e a mente. Blomdahl lembra como teve amigos que, desorientados pela noite polar, deram por si a irem para o trabalho a meio da noite, em vez de nas igualmente escuras horas do dia.

Estas condições de vida fora do comum podem ter efeitos generalizados na saúde das pessoas. Apesar de uma perspetiva globalmente positiva sobre a saúde e a qualidade de vida em Svalbard, a noite polar e o sol da meia-noite podem perturbar os ciclos de sono-vigília, os níveis de proteína no sangue e levar a riscos aumentados de doenças crónicas. Apesar de tomar suplementos, Blomdahl diz que notou uma queda nos níveis de vitamina D, que suporta a saúde imunológica e a atividade das células cerebrais.

Ainda assim, Blomdahl defende que a noite polar ´´e “uma das melhoras alturas do ano”, onde se pode “fundir com a escuridão”. Ela gosta da tranquilidade desse período, embora enfatize a importância de manter uma perspetiva positiva, permanecendo ativa durante esta temporada que, de outra forma, poderia ser marcada por uma certa apatia.

“A nossa mente é algo poderoso. Vejo esses dias sombrios como algo aconchegante”, diz. “Penso que cada pessoa pode tentar criar essa rotina, esse pensamento”.

Uma perspetiva equilibrada

As imagens de Cecilia Blomdahl também falam das ameaças crescentes das alterações climáticas que afetam diretamente o local onde vive (Cecilia Blomdahl)
Blomdahl tinha planos de ficar em Svalbard apenas por três meses (Cecilia Blomdahl)

Manter uma postura de adaptação é também uma forma importante de os habitantes de Svalbard processarem a ameaça particular que as alterações climáticas representam para a região. Longyearbyen está a aquecer seis vezes mais rápido do que a média global, sugerem os estudos. O degelo e a subida do nível do mar ameaçam a economia e as infraestruturas locais. Estudos realizados noutras comunidades do Ártico mostram que existe uma correlação entre alterações climáticas e níveis mais elevados de stress. Em Svalbard, as pessoas relatam um elevado nível de satisfação com as suas vidas, apesar dos desafios ambientais. Contudo, os efeitos das alterações climáticas, como o degelo, podem fazer com que alguns habitantes se sintam impotentes. Blomdahl destaca que é feita uma pesquisa ambiental todos os anos em Svalbard para uma gestão dos riscos.

“Quero continuar a mostrar a beleza do Ártico. Quero mostrar Svalbard tal como é” (Cecilia Blomdahl)

No que respeita à vida quotidiana, Svalbard tem os meios necessários para sustentar a sua população. Longyearbyen tem para oferecer o mesmo que a maioria das cidades do território continental norueguês, incluindo um aeroporto, um hospital, instituições de ensino - estão todas coroadas como as instituições mais a norte do mundo. Contudo, dado o trabalho em missões que caracteriza grande parte da economia de Svalbard – e sem mencionar o ambiente hostil -, a estada média é de apenas sete anos, de acordo com a Statistics Norway.

No entanto, isto acaba por se alinhar, de uma forma conveniente, com o desejo de não expandir a vida em Svalbard, diz Blomdahl. As autoridades locais concentraram os recursos disponíveis sobretudo para manter a vida em Svalbard tal como ela é, dadas as restrições ambientais e de desenvolvimento.

Quanto a Blomdahl, a sua postura positiva e o seu amor por Svalbard afastam-na das preocupações sobre o que é incerto. Em vez disso, diz estar focada exclusivamente em criar conteúdo educativo e pacífico sobre a sua vida peculiar num lugar peculiar.

“É isso que eu quero fazer”, diz. “Quero continuar a mostrar a beleza do Ártico. Quero mostrar Svalbard tal como é”.

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