Como funciona e o que defende a loja maçónica do diretor do SIS

2 jun 2023, 07:00
O diretor dos Serviços de Informações de Segurança (SIS), Adélio Neiva da Cruz (Lusa/ Sena Goulão)

Neiva da Cruz, que tem estado sob polémica por ter assumido ter dado a ordem aos seus agentes para recuperarem o computador do adjunto do ministro João Galamba, está ativo na maçonaria e a loja onde faz os rituais tem em curso um projeto político para Portugal e a Europa. Seguro Sanches, o socialista que abandonou a comissão de inquérito onde se instalou a questão do SIS, também foi iniciado no GOL

Chama-se Europa Jean Monet nº 576, é uma das lojas maçónicas com maior ligação às secretas, junta espiões, políticos, militares e gestores e tem em curso um projeto político para Portugal e para a Europa. “Defendemos o Federalismo Europeu e achamos que Durão Barroso, como Presidente da República, e António Costa, como figura de destaque na UE, são atualmente os líderes ideais para isso”, adianta à CNN Portugal o gestor Paulo Nora, líder da loja, que tem promovido várias iniciativas para divulgar este plano que pretende, explica, ser “uma forma de enfrentar os extremismos e populismos que metem em causa a liberdade e a democracia”.

O diretor do SIS, Adélio Neiva da Cruz, é um dos 20 maçons desta loja do Grande Oriente Lusitano (GOL), a obediência mais antiga do País. Além do homem forte dos sistemas de informação, a loja maçónica conta com outros elementos ligados às secretas, como Manuel Esperança, ex-operacional do SIED, e militares como Luís Pinto, Há ainda outros ‘irmãos’ que colaboram com os serviços secretos angolanos e norte-americanos, segundo fontes maçónicas.

Além desses 20 elementos que fazem parte da lista oficial da Loja Europa Jean Monet, há mais 13 que são membros honorários ou elementos cujo nome não aparece nos documentos oficiais por estarem “a cob.erto” – o que significa, na linguagem maçónica, que ali estão em total segredo e sem conhecimento até de ‘irmãos’ de outras lojas. Ao todo, na Loja Europa Jean Monet são assim 33 elementos. 

Um dos maçons que já esteve presente em iniciativas da Loja Europa foi Jorge Seguro Sanches, o socialista que integra a Loja Ocidente do GOL e que dirigiu a comissão parlamentar de inquérito à TAP, onde surgiu a polémica sobre a atuação do SIS.

Os membros da Loja Europa Jean Monet costumam reunir-se às sextas- feiras de 15 em 15 dias. Umas vezes fazem-no nos templos maçónicos que existem no Palácio do GOL, onde realizam rituais e debatem temas mais esotéricos. Outras vezes organizam e promovem encontros discretos em hotéis, onde falam de assuntos mais políticos e internacionais. Paulo Nora assume que uma das preocupações dos ‘irmãos’ da Loja Europa Jean Monet tem sido a de discutir e refletir sobre a importância de adotar o federalismo europeu, sem as limitações de outras federações, como a norte-americana, em áreas como a Saúde, a pena de morte ou o humanismo.

Aliás, em breve, numa reunião agendada para estes mês de junho, pretendem aprovar um documento sobre a estratégia a seguir. “Andámos a refletir e a debater durante anos sobre a futuro da Europa e agora é altura de decidir o que fazer: se entregar o projeto aos partidos políticos, se avançar com um movimento em defesa da Europa ou arranjar outra opção, como a de publicar apenas em livro”, conta o líder da loja, cargo que na maçonaria se chama de “venerável”.  No documento estará descrita a estratégia que passa pela criação, entre outros, de um exército europeu e de um sistema de informações europeu.
 

Maçons defendem ação de Neiva no caso do computador

Numa das últimas reuniões, a 9 de maio, à porta fechada, numa sala do Grande Oriente Lusitano, um dos temas abordados foi a polémica em torno do computador do adjunto de João Galamba que está a envolver o SIS e Neiva da Cruz.

Nesse encontro, que tinha como desafio falar da “Europa, uma Nova Era” para comemorar o Dia da Europa, alguns dos presentes, além de trocarem ideias sobre este assunto, aproveitaram, admite  Paulo Nora, para defender o ‘irmão’ maçónico, que assumiu que foi ele a ordenar que agentes seus recolhessem o computador que Frederico Pinheiro, o adjunto do ministro João Galamba, tinha em sua posse. Isto por considerarem estar dentro das competências das secretas e não ser um favor ao membro do Governo de António Costa. “Está em causa matéria classificada do Estado e isso é competência dos serviços de informação e de segurança nacional, que defendem o Estado de Direito democrático”, afirma o gestor e líder da Loja Europa, que apesar de ser militante do PSD critica a posição de Luís Montenegro, que acusa de não ter nesta questão “sentido de Estado”, ao “contrário de António Costa”.

A questão da intervenção do SIS tem gerado reações dos vários partidos, que querem explicações. Ainda esta semana, o PSD exigiu explicações a António Costa sobre a atuação do SIS e admitiu mesmo, caso o primeiro-ministro não dê respostas, a criação de uma comissão de inquérito à ação das secretas. “A ideia geral manifestada pelos maçons é a de que concorda com a posição de Neiva da Cruz e de António Costa”, diz ainda Paulo Nora, que foi iniciado na maçonaria nos anos 90.

Neiva da Cruz recusou dizer se era da maçonaria

Foi exatamente aquando de uma comissão de inquérito a eventuais irregularidades nas secretas, em 2012, que a antiga deputada do PSD Teresa Leal Coelho chegou a escrever sobre a existência de ligações entre a maçonaria e as secretas nacionais denunciando "conluios de poder". E, dois anos mais tarde, defendeu mesmo a obrigação de os chefes das secretas terem de declarar as eventuais ligações a obediências maçónicas e considerou essencial esse registo ser acessível aos deputados.

“Os diretores (dos serviços de informação) podem, e devem, ser inquiridos em sede de audição parlamentar sobre pertença a entidades no seio das quais assumem votos de obediência”, diz agora à CNN Portugal Teresa Leal Coelho. Isto, recordando o que sucedeu com o atual chefe das secretas quando o governo de Passos Coelho, em dezembro de 2014, informou os deputados da intenção de nomear Adélio Torres Neiva da Cruz - então  membro da Loja Europa Jean Monet - para o cargo de diretor do SIS.

“Fiz em audiência parlamentar, por duas vezes, essa pergunta ao Diretor do SIS Neiva da Cruz, que se recusou a responder, o que não deveria acontecer junto da AR”, diz. Segundo a antiga deputada, a lei define que “o incumprimento do disposto relativamente ao registo de interesses determina a cessação da relação jurídica de emprego e o afastamento do funcionário, agente ou dirigente dos serviços de informações, das estruturas comuns e do gabinete do Secretário-Geral”.

Imagem da Loja do Grande Oriente Lusitano (DR)

Neiva da Cruz entrou para a maçonaria há longos anos, em 2007. É dos mais antigos da atual Loja a que pertence. Começou numa outra chamada Liberdade Livre, passando depois para a que se viria a tornar num dos grupos maçónicos com mais espiões: a primeira versão da Loja Europa, que foi criada em 2009. Na altura já era liderada por Paulo Nora e, além de Neiva da Cruz, que na época era chefe de gabinete de Júlio Pereira, então secretário‑geral dos Serviços de Informação da República Portuguesa, contava com o técnico superior do SIS Carvalhão Gil e vários militares, como o major-general Dias Coimbra.

O grupo partilhou rituais até 2013, ano em que os irmãos se zangaram por divergirem no caminho a seguir. A Loja dividiu-se: Carvalhão Gil e outros transitaram para a Loja Romã e Neiva da Cruz integrou uma nova versão da Loja Europa, criada em 9 maio de 2014, que passou a chamar-se Europa Jean Monet n.º 576.

O diretor do SIS manteve-se, até hoje, na maçonaria, mas o colega Carvalhão Gil foi preso, estando agora em liberdade depois de cumprir pena por crime de espionagem, e afastado das reuniões maçónicas. A sua ligação à maçonaria foi um dos assuntos relatados na acusação feita pelo Ministério Público, sendo referido, segundo adiantou à CNN Portugal fonte ligada ao processo, que durante as buscas foram encontrados documentos sobre o rito francês da maçonaria, um dos métodos usados para os maçons se comportarem e agirem dentro dos templos.  

Núcleo de 'intelligence' criado dentro da maçonaria 

O número de espiões que entraram na maçonaria não fica por aqui. Pelas várias lojas do GOL têm passado alguns dos mais importantes homens das secretas nacionais, como Rui Pereira, antigo diretor do SIS que foi ministro, Almeida Ribeiro, antigo espião do mesmo serviço e que exerceu o cargo de adjunto de José Sócrates, Heitor Romana, que foi diretor-adjunto do SIED e que em 2022 foi nomeado adjunto do gabinete do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e António Silva Ribeiro, ex-diretor operacional dos serviços de informações que mais tarde se tornou Chefe do Estado Maior da Marinha.

Este último estava na Loja José Estevão, mas antes de ocupar este alto cargo militar afastou-se da maçonaria. Dos restantes, só Rui Pereira é um maçon ativo. Almeida Ribeiro nunca mais foi visto nos corredores do GOL e Heitor Romana está neste momento a reaproximar-se da obediência, sendo dado como um dos membros honorários da Loja Europa, que o quer recrutar de novo.

Os três homens fortes das secretas passaram pela Loja Universalis, segundo documentos do GOL. Trata-se de umas das Lojas mais poderosas da obediência, onde também desde sempre se juntaram políticos e importantes elementos das secretas. É nessa loja que se encontra ainda Rui Pereira, foi essa loja que recrutou muitos dos espiões iniciados ao longo dos anos no GOL, como Heitor Romana, e foi essa Loja ainda que promoveu uma das iniciativas mais secretas da maçonaria, durante a governação de José Sócrates, para controlar a fuga de informação que diziam estar a existir dentro da maçonaria.

Aliás, em março de 2009 chegou a ser criado no GOL um núcleo interno de “intelligence” para tratar das questões de segurança e informações maçónicas.  Por outro lado, Heitor Romana, pouco depois de entrar na maçonaria, fez a ponte com um amigo e também espião no ativo que estava numa outra obediência maçónica, para que juntos definissem estratégias para reforçar a segurança da informação.

Esse outro espião era Jorge Silva Carvalho que na altura liderava o serviço de informações externo de Portugal, como diretor‑geral do SIED.  E a loja a que pertencia era a Mozart, da Grande Loja Legal de Portugal. A Mozart recrutou alguns dos mais importantes políticos e empresários do País e contava com outros homens das secretas, como o Coronel Francisco Rodrigues, que foi diretor de departamento dos serviços secretos, e João Alfaro, ex-agente das secretas.
 

Registo de interesses para espiões

Foi, aliás, a polémica que se instalou com a Mozart e Jorge Silva Carvalho que abriu o debate sobre a necessidade de existir um registo de interesses, lembra à CNN Portugal Jorge Bacelar Gouveia, antigo membro do Conselho de Fiscalização das Secretas e atual presidente do Oscot – observatório de segurança, criminalidade organizada e terrorismo, uma organização que tem tido vários maçons nos órgãos diretivos. Bacelar Gouveia, que sublinha desde logo não ser maçon, diz acreditar que o facto de algum responsável dos serviços de informação ser maçon não interfere com a ação dessas pessoas como chefes das secretas.

Já Teresa Leal Coelho discorda. “É absolutamente lamentável num Estado de Direito democrático que ingressem em lojas maçónicas com o objetivo de serem protegidos nas carreiras. Não se trata de ligações maçónicas de valores, mas sim ligações a interesses particulares. Estas ligações constituem verdadeiros cripto poderes que atentam contra a democracia, a transparência, o interesse público e a meritocracia”.

A ex-deputada garante, porém, que há forma de acabar com esse cenário, bastando ao poder político querer fazer cumprir a lei, uma vez que hoje em dia os espiões têm de fazer registo de interesses. “As reformas da lei quadro dos Serviços de Informações da República e da Lei Orgânica, bem como da Lei do Segredo de Estado foram feitas na sequência de um conjunto de incidentes que expuseram irregularidades no sistema”, começa por recordar, explicando que “os objetivos destas reformas centravam-se na necessidade de garantir maior confiança e credibilidade no sistema” para, entre outros aspetos, “garantir mais transparência no que respeita ao perfil dos dirigentes dos serviços cuja identidade é conhecida”.

Por isso, recorda, se introduziu a obrigatoriedade de audição prévia em Comissões Parlamentares e o registo de interesses. De acordo com Teresa Leal Coelho, o “registo de interesses do SIRP, como dos membros do Conselho de Fiscalização, deve ser público, depositado junto da AR” e o “registo de interesses dos diretores é depositado junto do SIRP”

Ou seja, segundo a social-democrata, os elementos das secretas são abrangidos pela regra que obriga os detentores dos cargos públicos a declararem a pertença a associações secretas. “Foi uma das alterações introduzidas na Lei Quadro dos Serviços em 2014. Os funcionários estão obrigados ao registo de interesses, como refere o artº 33 c”, conta, alertando: “Agora se o fazem ou não só os dirigentes dos serviços e os membros do Conselho de Fiscalização o podem confirmar”. Segundo Teresa Leal Coelho, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias também tem esse poder.
 

Conferências com políticos de destaque

Enquanto isso, a Loja do líder das secretas continua a promover debates juntando empresários, políticos, militares, juízes e elementos das secretas. Há muitos anos que a Loja de Neiva da Cruz promove conferências e encontros no GOL com alguns dos mais destacados políticos nacionais. Foi a Loja Europa Jean Monet que levou ao GOL, para falar, personalidades como António Mexia, António Vitorino, Hernâni Lopes ou Ãngelo Correia.

Nos últimos tempos, entre os convidados das Loja Europa Jean Monet para eventos e conferências no GOL ou fora do Palácio, estiveram  muitos maçons de outras lojas, como o socialista Álvaro Beleza, o juiz Eurico Reis e Jorge Seguro Sanches – o deputado do PS que bateu com a porta na comissão parlamentar de inquérito à TAP, onde neste momento o seu ‘irmão’ Neiva da Cruz e os serviços que dirige estão debaixo de fogo.

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