Arte negra: como este artista se tornou famoso a usar apenas as peças negras de Lego

CNN , Amarachi Orie
29 jan 2022, 09:00

Para Ekow Nimako, um artista ganês-canadiano de 42 anos, o Lego não é apenas um brinquedo infantil. Uma divindade brincalhona em forma de aranha, uma rapariga das flores a segurar uma abelha gigante e um reino ganense no ano 3020 são esculturas que ele construiu apenas com peças negras de Lego.

“Eu faço arte”, disse Nimako. “Isto são belas-artes. Não é um passatempo, não é parte do fanatismo Lego, não é pateta. Não encaixa em muitas das categorias habituais das criações com Lego.”

Ele começou a fazer esculturas em Lego em 2012 e a sua carreira descolou dois anos depois, quando recebeu uma bolsa para expor o seu trabalho no Canadá durante o Mês da História Negra. “Comecei a perceber que além de eu gostar de fazer arte com Lego, era importante fazer arte negra, mais especificamente”, disse ele.

Nimako usa peças de Lego negras especificamente por três razões principais. A primeira é técnica: o negro é uma das cores mais comuns do Lego, por isso ele tem várias peças disponíveis para usar.

A segunda é simplesmente porque ele gosta da cor. “Acho que há algo muito sofisticado, algo muito expansivo no negro, e há também algo sombrio e por vezes agourento ou perturbador no negro. Tem um espetro alargado”, explicou ele.

Nimako, aqui representado junto à sua escultura "Warrior Owl", usa apenas peças de Lego de cor negra.

No entanto, a razão mais importante é que os seres que ele cria são “inequivocamente negros. Apesar das suas feições ou daquilo que eu lhes faça, serão sempre vistos como negros”, disse o artista.

As peças que constroem a vida

Em 2014, Nimako fez a sua primeira escultura humana, a "Flower Girl", que “falava da inocência perdida das raparigas negras que não tinham oportunidade de ser como as tradicionais raparigas das flores do ocidente – referindo-se às raparigas que vinham para cá em resultado do tráfico transatlântico de escravos”, disse ele.

"Flower Girl" foi a primeira escultura humana feita por Nimako.

A escultura, atualmente em digressão no Reino Unido, era inicialmente do tamanho de uma menina de seis anos, mas à medida que a sua técnica se desenvolveu e mais peças de Lego foram criadas, ele envelheceu-a e melhorou a sua estética. Atualmente, tem o tamanho de uma menina comum de 10 anos.

“Há uma essência de vida intrínseca no meu trabalho”, disse Nimako. “As esculturas são objetos inanimados feitos em plástico. Há algo de bastante sintético nelas. Mas é essa qualidade sintética que luto para transcender com vida, (como por exemplo) ao passar muito tempo a desenvolver os olhos de cada escultura.”

Cada escultura demora entre 50 e 800 horas a criar, segundo o artista de Lego que “nunca tem pressa”. Para uma escultura em que está atualmente a trabalhar, ele demorou duas horas a criar uma secção do queixo, para tentar encontrar os ângulos certos e as peças certas e “ainda não está acabada”.

Apelidada "Kadeesa" pela esposa do artista, a escultura deste felino baseia-se no grifo, uma criatura mitológica ao mesmo tempo leão e águia, o que resulta naquilo a que Nimako chama “griffyx”.

Ele prevê que o processo de construção se torne demorado com cada obra nova, à medida que ele descobre mais peças de Lego e experimenta novas técnicas para tornar as suas obras mais dinâmicas.

“É um processo de evolução constante”, disse ele.

“A resistência está enraizada na imaginação”

Nimako considera-se um “futurista” que mistura africano-futurismo, afro-futurismo e afro-fantasia. Enquanto o africano-futurismo se concentra na experiência das pessoas do continente africano, o afro-futurismo concentra-se mais na experiência afro-americana de olhar para o futuro, basear-se no passado e ligar-se ao continente, segundo o artista.

Nimako é um futurista que usou aproximadamente 100 mil peças de Lego para construir uma reinvenção do reino medieval do Gana, intitulada “Kumbi Saleh 3020 CE”.

Na sua série “Building Black: Civilizations”, Nimako reinventa as narrativas medievais subsaarianas em África. A sua obra “Kumbi Saleh 3020 CE”, composta por cerca de 100 mil peças de Lego e que pode ser vista no Museu Aga Khan em Toronto, recebeu o nome da capital de um reino ganense medieval. O artista explora a África Ocidental medieval e reinventa como ela poderia ser mil anos no futuro.

Nimako tem esperança num “futuro inclusivo” que reconheça a história do racismo anti-negros e a maneira como é “completamente perturbador”, e que reconheça o papel do afro-futurismo para permitir às pessoas “imaginarem um mundo melhor”.

“A minha mulher diz sempre: ‘Todos os movimentos de resistência são enraizados nessa imaginação.’ Temos de imaginar a liberdade, a emancipação. Temos de imaginar que esta batalha vai acabar. Temos de projetar isso para nos conseguirmos erguer, para podermos resistir. Por que mais vamos resistir se não for pela Terra Prometida?”, pergunta ele. “Até a arte é uma forma de resistência e há muito tempo que é usada como forma de resistência.”

Cada escultura demora entre 50 e 800 horas a criar, e Nimako prevê que o processo de construção se torne mais longo à medida que ele experimenta novas técnicas para tornar as suas obras de arte mais dinâmicas.

Recentemente, ele disponibilizou conjuntos online para a sua oficina “Building Beyond”, que ajuda as pessoas a imaginar e construir representações dos seus descendentes em Lego através de modelos faciais chamados “legados”. Ele acha que “isso pode ajudar a alimentar a sensibilidade e compreensão de culturas e grupos étnicos complexos.

Um documentário sobre Lego

O trabalho do artista está a ser reconhecido para lá do mundo da arte – inclusive pela própria Lego. Em fevereiro, também vai ser apresentado um documentário sobre a Lego baseado no trabalho dele, segundo o artista, que acrescentou que “O Grupo Lego tem apoiado bastante o meu trabalho. Depois de perceberem aquilo que faço, há muito mais coisas que vamos fazer juntos.”

Nimako está atualmente a construir uma escultura chamada “The Great Turtle Race”, que representa crianças negras a correr em cima de duas tartarugas mitológicas para “captar a essência da infância”.

“Somos artistas negros e estamos a fazer arte”, disse ele. “Um artista não se limita a existir. Há muita complexidade e muitas nuances e muita cultura para explorar. Enche-me de alegria… saber que as crianças negras vão poder conhecer o meu trabalho e verem-se refletidas nele.”

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