Uma negociação de paz é a única forma de acabar com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia (opinião)

CNN , Opinião de Jeffrey Sachs
22 abr 2022, 22:00
Putin e Biden. Foto: Getty Images

Jeffrey Sachs é professor e diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia e presidente da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. O seu livro mais recente é "The Ages of Globalization" (Columbia University Press, 2020). As opiniões expressas neste comentário são as do autor

Há apenas uma resposta para a guerra na Ucrânia: um acordo de paz.

A estratégia americana de duas vertentes, ajudar a Ucrânia a ultrapassar a invasão russa através da imposição de sanções duras e do fornecimento de armamento sofisticado aos militares ucranianos, provavelmente, ficará aquém das expectativas. É necessário um acordo de paz, que pode ser possível de alcançar. No entanto, para chegar a um acordo, os Estados Unidos terão de se comprometer com a NATO, algo que Washington tem rejeitado até agora.

Putin iniciou a guerra na Ucrânia e disse que as negociações chegaram a um impasse, sem lhes fechar a porta. Mas, antes do início da guerra, Putin apresentou ao Ocidente uma lista de exigências que incluía, sobretudo, uma paragem no alargamento da NATO.

Os Estados Unidos, manifestamente, não estavam dispostos a comprometer-se quanto a esse ponto. Agora, seria um bom momento para revisitar essa política. Putin também teria de se mostrar disponível a fazer cedências para que as negociações fossem bem-sucedidas.

A abordagem de armas e sanções da América pode parecer convincente na câmara de eco da opinião pública dos EUA, mas não funciona na realidade do palco global. Conta com pouco apoio fora dos Estados Unidos e da Europa e pode acabar por enfrentar um retrocesso político dentro dos EUA e também na Europa.

Para qualquer pessoa familiarizada com o esforço de guerra russo e o horror que este desencadeou sobre os civis, pode parecer óbvio que a Rússia seria relegada para o estatuto de pária a nível mundial. Mas não é esse o caso: os países em desenvolvimento, em particular, recusaram-se a aderir à campanha de isolamento do Ocidente, como se viu, mais recentemente, numa votação liderada pelos EUA para retirar a Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU. É verdade que 93 países apoiaram a iniciativa, mas 100 outros países não o fizeram (24 contra, 58 abstiveram-se e 18 não votaram). Ainda mais impressionante, esses 100 países acolhem 76% da população mundial.

Os países podem muito bem ter tido razões não ideológicas para se oporem à iniciativa dos EUA, incluindo laços comerciais com a Rússia. Mas a verdade é que grande parte do mundo tem rejeitado isolar Moscovo, especialmente na medida em que Washington gostaria.

As sanções são uma grande parte da estratégia dos EUA. Não é provável que derrotem a Rússia, mas é provável que imponham custos elevados em todo o mundo. Na melhor das hipóteses, podem empurrar a Rússia para um acordo de paz e, por conseguinte, devem ser destacadas em conjunto com um impulso intensivo para uma paz negociada.

Existem inúmeros problemas com as sanções económicas.

O primeiro é que mesmo que as sanções causem dificuldades económicas na Rússia, é pouco provável que alterem a política ou as políticas russas de forma decisiva. Temos de pensar nas duras sanções que os EUA impuseram à Venezuela, ao Irão e à Coreia do Norte. Sim, enfraqueceram estas economias, mas não mudaram a política ou as políticas destes países da forma que o governo norte-americano pretendia.

O segundo problema é que as sanções são fáceis de contornar, pelo menos, em parte, e é provável que surjam mais evasões ao longo do tempo. As sanções dos EUA aplicam-se mais eficazmente às transações baseadas em dólares, que envolvem o sistema bancário americano. Os países que procuram fugir às sanções, encontram formas de fazer transações através de meios não bancários ou que não sejam em dólares. Podemos esperar um número crescente de transações com a Rússia em rublos, rupias, renminbi e outras moedas que não o dólar.

O terceiro problema é que a maior parte do mundo não acredita nas sanções e também não toma partido na guerra Rússia-Ucrânia. Somando todos os países e regiões que impõem sanções à Rússia, EUA, Reino Unido, União Europeia, Japão, Singapura, Austrália, Nova Zelândia e mais uns quantos, a sua população total é apenas 14% da população mundial.

O quarto problema é o efeito bumerangue. As sanções contra a Rússia prejudicam não só a Rússia, mas toda a economia mundial, provocando perturbações na cadeia de abastecimento, inflação e escassez de alimentos. É por esta razão que muitos países europeus continuarão provavelmente a importar gás e petróleo da Rússia e que a Hungria, e talvez alguns outros países europeus, concordarão em pagar à Rússia em rublos. O efeito bumerangue também irá, provavelmente, prejudicar os democratas nas eleições intercalares deste mês de novembro, uma vez que a inflação devora os rendimentos reais dos eleitores.

O quinto problema é a procura rígida (não sensível ao preço) das exportações de energia e cereais da Rússia. À medida que a quantidade das exportações russas é reduzida, os preços mundiais dessas mercadorias aumentam. A Rússia pode acabar com volumes de exportação mais baixos, mas com rendimentos de exportação quase iguais ou até mesmo superiores.

O sexto problema é geopolítico. Outros países, o mais importante deles, a China, veem a guerra Rússia-Ucrânia, pelo menos, em parte, como uma guerra em que a Rússia está a resistir ao alargamento da NATO para a Ucrânia. É por isso que a China argumenta repetidamente que os legítimos interesses de segurança da Rússia estão em jogo na guerra.

Os EUA gostam de dizer que a NATO é uma aliança puramente defensiva, mas a Rússia, a China e outros pensam o contrário. Olham para o bombardeamento da Sérvia pela NATO, em 1999, para as forças da NATO no Afeganistão durante 20 anos, após o 11 de Setembro, e para o bombardeamento da Líbia pela NATO, em 2011, que derrubou Moammar Gadhafi. Os líderes russos têm-se oposto ao alargamento da NATO para Leste desde o seu início, em meados dos anos 90, com a República Checa, Hungria e Polónia. É notável que, quando Putin apelou à NATO para pôr termo ao seu alargamento à Ucrânia, Biden recusou-se a negociar com a Rússia sobre o assunto.

Resumindo, muitos países, incluindo certamente a China, não apoiarão as pressões globais sobre a Rússia, que poderiam levar à expansão da NATO. O resto do mundo quer a paz, não uma vitória dos Estados Unidos ou da NATO numa guerra por procuração com a Rússia.

Os EUA gostariam de ver Putin ser derrotado militarmente e os armamentos da NATO infligiram um enorme e pesado golpe às forças russas. Mas também é verdade que a Ucrânia está a ser destruída no processo. É pouco provável que a Rússia declare derrota e recue. É muito mais provável que a Rússia intensifique o ataque consideravelmente, recorrendo à potencial utilização de armas nucleares. Deste modo, as armas da NATO podem infligir custos enormes à Rússia, mas não poderão salvar a Ucrânia.

Tudo isto para dizer que a estratégia dos EUA na Ucrânia pode fazer sangrar a Rússia, mas não conseguirá salvar a Ucrânia. Só um acordo de paz poderá fazê-lo. De facto, a abordagem atual irá minar a estabilidade económica e política em todo o mundo e poderá dividir o mundo em campos pró-NATO e anti-NATO, em profundo prejuízo a longo prazo dos Estados Unidos.

A diplomacia norte-americana está, portanto, a punir a Rússia, mas sem grandes hipóteses de verdadeiro sucesso para a Ucrânia ou para os interesses dos EUA. O verdadeiro sucesso é aquele em que as tropas russas regressam a casa e a segurança da Ucrânia é alcançada. Esses resultados podem ser alcançados na mesa de negociações.

O passo fulcral para os EUA, aliados da NATO e Ucrânia é deixar claro que a NATO não se alargará à Ucrânia, desde que a Rússia pare a guerra e deixe a Ucrânia. Os países alinhados com Putin, e aqueles que não escolheram nenhum lado, diriam então a Putin que, uma vez que já tinha impedido o alargamento da NATO, estaria na altura de a Rússia deixar o campo de batalha e regressar a casa. É claro que as negociações poderão fracassar se as exigências da Rússia continuarem a ser inaceitáveis. Mas devemos, pelo menos, tentar, tentar mesmo muito, para ver se a paz pode ser alcançada através da neutralidade da Ucrânia, apoiada por garantias internacionais.

Toda a dura conversa de Biden sobre Putin deixar o poder, genocídio e crimes de guerra não irá salvar a Ucrânia. A melhor hipótese de salvar a Ucrânia é através de negociações que levem à união. Ao dar prioridade à paz, em vez de ao alargamento da NATO, os EUA reuniriam o apoio de muito mais países do mundo, ajudando, assim, a trazer paz à Ucrânia e segurança e estabilidade ao mundo inteiro.

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