Rússia como ameaça, a novidade China e mais investimento na Defesa. NATO "esquece" Lisboa e aprova novo conceito estratégico

António Guimarães , enviado-especial a Madrid
29 jun 2022, 15:14
Cimeira da NATO em Madrid (AP Photo)

Palavras duras sobre a Rússia, mas ao mesmo tempo uma tentativa de conciliar. A NATO ainda quer falar com Moscovo, mas a posição entre os países mudou de vez

A NATO aprovou esta quarta-feira o novo conceito de estratégia para a próxima década. Um viragem naquilo que tem vindo a ser feito, e que confirma muitas novidades, grande parte delas impulsionadas pela invasão russa da Ucrânia.

Num clima constante de tensão desde 24 de fevereiro, os 30 países-membros decidiram redefinir a relação que têm com a Rússia, que passa de um "parceiro estratégico" à "mais significativa e direta ameaça aos aliados", esquecendo todo um caminho que tinha sido iniciado em Lisboa, em 2010, e com o qual a Rússia decidiu romper este ano. Nesse ano, abriu-se caminho para uma aproximação entre NATO e Rússia, sendo que o presidente da altura, Dmitry Medvedev, chegou mesmo a participar no evento que decorreu na capital portuguesa.

"[A Rússia] procura estabelecer esferas de influência e controlo direto através da coerção, subversão, agressão e anexação. Utiliza meios convencionais, cibernéticos e híbridos contra nós e os nossos parceiros", pode ler-se no comunicado, que fala ainda de uma modernização das nucleares russas, que pretende "desestabilizar países a este e sul".

"A postura militar de Moscovo, incluindo nos mares Báltico, Negro e Mediterrâneo, bem como a sua integração militar com a Bielorrússia, desafiam a nossa segurança e interesses", acrescenta a nota.

Numa outra mensagem à Rússia, e mantendo o seu caráter originalmente defensivo, a NATO garante que "não procura confrontação e não representa qualquer ameaça". Ainda assim, a organização diz que vai "continuar a responder às ameaças e ações hostis", mas sempre de uma forma "unida e responsável".

É por isso que a Aliança Atlântica quer continuar a manter os canais de comunicação com Moscovo abertos, tentando gerir e mitigar os riscos que possam surgir: "Procuramos estabilidade e previsibilidade na área Euro-Atlântica e entre NATO e Rússia. Qualquer mudança nas relações depende da Rússia suspender o seu comportamento agressivo e cumprir por inteiro com o Direito Internacional".

No conceito estratégico apenas algumas palavras para a Ucrânia, ainda que a NATO garanta que vai continuar a ajudar o país enquanto for necessário. Isso mesmo disseram os Estados-membros a Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano que participou na cimeira via vídeo. Além de condenar veementemente a invasão russa, a Aliança Atlântica reiterou que vai manter as decisões de 2008, em Bucareste, quando admitiu vir a convidar Geórgia e Ucrânia, duas antigas repúblicas soviéticas, para se juntarem.

Reforço da defesa (com Portugal a correr atrás)

Apesar da postura com vista à cooperação e diálogo, a NATO entende que dificilmente fará acalmar os ânimos em breve. Por isso mesmo, a reunião de Madrid serviu para um acordo de fortalecimento da Defesa, com muitos países a comprometerem-se ir ao encontro da meta de investimento de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em Defesa.

"Alguns já o fazem, e até vão além, outros comprometeram-se a fazê-lo até 2024", explicou Jens Stoltenberg.

Um dos países que ainda não alcançou a meta dos 2% foi Portugal. O primeiro-ministro confirmou, à entrada para a cimeira, que não era possível avançar uma data para atingir aquele valor, limitando-se a dizer que vai cumprir em 2023 o valor que tinha acordado para 2024: 1,66% do PIB.

“Nós assumimos compromissos que sabemos que podemos cumprir. (…) De uma forma séria, não podemos objetivamente comprometer-nos com uma data [para atingir os 2% do PIB destinados à Defesa], atenta a situação de incerteza que a economia global está a viver, com um enorme crescimento da inflação, com uma pressão sobre as taxas de juros, e a grande determinação que temos de uma forte redução da nossa dívida pública”, afirmou António Costa.

Parte do reforço da NATO será feito de forma imediata, com países como Alemanha, Noruega e Países Baixos a chegarem-se à frente, segundo revelou Jens Stoltenberg. O número de tropas em alerta elevado vai aumentar em quase oito vezes, de 40 mil para 300 mil, sendo que grande parte desses soldados se colocaram em zonas estratégicas como o Báltico, mas também Polónia ou Roménia. Além de soldados, a Aliança Atlântica destacará também mais capacidade aérea, além de fortalecer a frota naval. Os Estados Unidos, por exemplo, vão reforçar posições na Alemanha, Espanha ou Reino Unido.

"Esta é a primeira vez desde a Guerra Fria que fazemos tais planos", afirmou Jens Stoltenberg, que se referiu à atualidade como a altura mais perigosa para a Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

E Portugal fará parte desse reforço, só não se sabe como. António Costa disse que o país vai participar de "forma adequada às circunstâncias” do país no anunciado reforço de tropas da NATO.

“Aguardamos que o comando da NATO faça uma precisão da distribuição das capacidades que são necessárias e da nossa contribuição”, afirmou António Costa, falando num reforço da presença portuguesa na Roménia já este ano.

O ponto é, segundo o conceito estratégico: defesa e dissuasão. "Para isso vamos assegurar a presença substancial e persistente em terra, mar e no ar, incluindo o fortalecimento integrado da defesa de mísseis aéreos e terrestres".

China (a novidade)

O conceito estratégico aprovado em Lisboa não referia a China uma única vez. Doze anos depois, isso muda. Pela primeira vez a NATO incluiu a superpotência de forma clara numa reunião.

Desta vez são quatro os pontos, em 19 referências diferentes ao país asiático, que a certa altura é colocado no mesmo "saco" que a Rússia, com a NATO a relembrar um "aprofundamento da parceria estratégica" entre os dois países, além das "mútuas tentativas de minar a lei internacional".

Enquanto se mantém "opaca sobre a sua estratégia, intenções e escalada militar", a China apresenta uma retórica de confrontação e desinformação contra os aliados e a segurança da Aliança Atlântica, refere o comunicado.

"A China procura controlar setores chave da indústria e tecnologia, infraestruturas críticas, materiais estratégicos e cadeias de abastecimento", pode ler-se, naquilo que a NATO refere como uma utilização da economia para criar "dependências estratégicas e aumentar a sua influência". Veja-se o caso dos semicondutores, por exemplo, peças cruciais para a produção de equipamentos tecnológicos, e cujo fabrico se encontra quase todo centrado em Taiwan, dependente da economia chinesa.

Ao nível do armamento, e reforçando receios de que a Rússia poderá vir a utilizar armas químicas, biológicas, radiológicas ou nucleares contra a NATO, a Aliança Atlântica admite que o mesmo pode acontecer com a China, que está "a expandir rapidamente o seu arsenal nuclear e a desenvolver sistemas de entrega sofisticados", tudo isto "sem aumentar a transparência ou se colocar de boa-fé para a redução da proliferação de armas".

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