"Estou aqui de um ponto de vista neutral". Um jornalista russo na cimeira da NATO

António Guimarães , enviado-especial a Madrid
30 jun 2022, 17:14

A CNN Portugal encontrou dois jornalistas russos durante a cimeira da NATO. Um, de um canal indepentente, estava lá dentro; o outro, cujas alegações não conseguimos confirmar junto da organização da cimeira, disse que não o deixaram entrar

Centenas de jornalistas de vários países do mundo deslocaram-se para a cimeira da NATO em Madrid, onde um dos temas principais foi a invasão russa da Ucrânia. Entre eles estava, pelo menos, um jornalista russo, que falou com a CNN Portugal. É repórter do canal Dozdh, um órgão de comunicação social independente que foi mesmo forçado a interromper as emissões já depois da guerra começar na Ucrânia, a 24 de fevereiro. Um duro revés para uma televisão que faz dos diretos grande parte do seu trabalho, em transmissões onde não se coíbe de criticar abertamente o governo ou quaisquer membros do Kremlin.

Este jornalista, que pediu para não o identificarmos neste artigo por razões de segurança, explicou que estava ali para fazer um trabalho "neutral" e independente, na cimeira que definiu a Rússia como a principal ameaça dos Aliados: "Estou aqui de um ponto de vista neutral, quero mostrar às pessoas o que a NATO está a dizer ao mundo, mas também à Rússia".

Caso diferente terá sido o de outro jornalista russo, que encontrámos à porta da Feria de Madrid, onde se realizou a cimeira. O jornalista - que preferiu não se identificar mas nos mostrou um cartão onde conseguimos ler, em inglês, apenas "Press Office" (gabinete de imprensa) e alegou trabalhar para um órgão de comunicação social ligado ao Estado russo - garantiu à CNN Portugal que tentou pedir acreditação para entrar na cimeira, mas que a mesma lhe foi negada.

"Pedi acreditação, mas não consegui. Já estava à espera, mas vim para Madrid na mesma, até para cobrir como está a cidade, quais as medidas de segurança", referiu, admitindo que esta questão poderá estar relacionada com aquilo a que a Rússia continua a chamar "operação especial", expressão também utilizada pelo repórter.

A CNN Portugal questionou a NATO sobre a questão da atribuição de acreditações, sendo que a Aliança Atlântica se limitou a dizer que na cimeira de Madrid estiveram jornalistas de vários países, incluindo da Rússia: "Temos jornalistas de mais de 55 países, incluindo da Rússia, a assistir à cimeira". Não foi possível confirmar se foi negada a acreditação àquele repórter em específico.

A Aliança Atlântica refere ainda que a cimeira de Madrid atraiu um "interesse sem precedentes da comunicação social", sendo que, "para corresponder aos requerimentos de segurança, providenciar um espaço de trabalho confortável para todos e para assegurar a distância social, acabámos por recusar alguns pedidos" de acreditação.

Sobre esta questão, o profissional da Dozhd diz nada saber, afirmando que até veria com alguma naturalidade que a NATO possa ter impedido a entrada a jornalistas que estejam ao serviço de órgãos de comunicação que pertencem ao Estado russo.

"Não sei se houve jornalistas que não receberam acreditação. Eu recebi, mas faço parte de um canal independente, não tenho ligação nenhuma ao governo russo", contou este profissional.

O jornalista disse que conhece colegas bielorrussos ou ucranianos que também receberam acreditações para assistir ao evento. Recorde-se que a Bielorrússia é um dos países que tem estado ao lado da Rússia desde o início da invasão da Ucrânia, com os presidentes dos dois países a trocarem constantes elogios e a chegarem a acordo em várias matérias militares, a última das quais uma promessa de envio de novos mísseis russos para a Bielorrússia.

O jornalista do órgão de comunicação social do Estado russo afirmou que não estava em Madrid para fazer propaganda, referindo estar a "tentar ser o mais neutral possível" na cobertura de um evento em que a NATO acabou por definir a Rússia como a principal "ameaça". O repórter garantiu ainda que, caso fosse ao contrário, certamente que "a Rússia não faria isto": "Os ucranianos pintam-nos como se fôssemos uns orcs, mas não somos", afirmou. Quando questionado se alguns jornalistas de meios internacionais tinham total segurança para cobrir eventos a partir da Rússia respondeu que sim, dizendo mesmo que não percebia a razão da pergunta.

Recorde-se que vários meios de comunicação social, como foi o caso da CNN Internacional, deixaram as suas sedes em Moscovo por temerem represálias. Exatamente o que aconteceu com a Dozhd e outros órgãos russos, como a Novaya Gazeta, que tiveram de deixar o país por não terem as condições de segurança necessárias.

No caso da Dozhd, o canal acabou por encontrar refúgio na vizinha Letónia, onde conseguiu, a 6 de junho, licença para continuar a operar. Ao mesmo tempo, o Conselho Nacional de Meios de Comunicação da Letónia ordenava a saída de 80 canais de televisão russos do país.

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