Montenegro anuncia investimentos que ele nunca fará para aplacar as doses hormonais excessivas que deliram na cimeira da NATO. No fim, nada temei: teremos as nossas próprias armas de destruição macia
Por quem começar? Por Montenegro, que anuncia um farsante compromisso de investimento a dez anos que absolutamente o descompromete? Por Pedro Sánchez, que se deita à noite gabando-se de acordos e acorda com a corda na garganta? Por Mark Rutte, que vocifera em público com a mesma boca que lambe botas em mensagens privadas em que se torna pequeno em letra GRANDE? Por Trump, o domador de ratos que ou é um génio na aparência de inconstância ou, usando o urânio empobrecido do seu próprio léxico, às vezes parece que “doesn’t know what the fuck he is doing”?
Comecemos em Haia, na cimeira da NATO tão politicamente estratégica quanto militarmente histriónica. Há uma parte que é crucial, de estratégia, diplomacia e geopolítica, num ocidente com guerra numa fronteira leste que se quer mover, envolvido em múltiplos conflitos no Médio Oriente que não consegue demover e que grita coragens para cobrir receios dos silêncios a oriente que quer despromover.
Essa parte não está em Haia.
Em Haia está uma parada de militares, que desprezam a feira da ladra de declarações de políticos ocupados com propaganda e preocupados com orçamentos, e está um desfile de homens de negócios prontos a entrar na feira do gado de compra e venda de armas.
A Europa é um fiasco: está desarmada, desamada e desmamada, fez negócios energéticos com Putin, perdeu a inovação tecnológica para Xi e confiou nas armas que agora estão sob o dedo de Trump. Só acordou para a vida quando acordou para a morte, ao barulho das bombas. Agora, corre com a pressa do medo e sem o vagar da estratégia. Sim, é preciso mais investimento, o sentido até está certo, mas como confiar às cegas nestes joelhos em cima dos quais fizeram planos sem cabeça?
A defesa do ocidente só tem uma geometria e é um pentágono. A NATO são os EUA, não por ocupação americana mas por deserção europeia. Foram décadas de ouro para quem pagava cobres e, nisso, Trump tem razão. O que impressiona é a vassalagem. Incluindo o novo TINA da União Europeia: o novo There Is No Alternative (não há alternativa) não é mais o da austeridade do poupar poupar poupar porque tinha de ser há uma década, é o de gastar gastar gastar porque tem de ser agora. Não há estratégia, há um número. 5%? 3,5%? 2%? É a desgraça da Europa: mesmo quando está certa, só encontra a língua franca dos números. Ou pior, das percentagens.
Entra Luís Montenegro. E repete a farsa de 2014, prometendo uma meta de investimento a dez anos, que aliás não foi cumprida e nem ele cumprirá. E consegue dizê-lo sem se rir.
Escrevi-o na campanha eleitoral: “Ou o PS e a AD estão a enganar a UE e a NATO e não pretendem aumentar decisivamente o orçamento nacional de defesa, ou estão a enganar os eleitores porque omitem o custo futuro que terão de suportar”. Aqui chegados, vemos que o já primeiro-ministro está a enrolar os dois.
Não há na verdade nenhum compromisso de 3,5% nem de 5%. No programa de governo a única meta é a de 2% do PIB em investimento na defesa este ano, precisamente o mesmo que o governo de Passos assumira em 2014 para dali a dez anos. Agora, em Haia, o primeiro-ministro teve a honestidade não de prometer, mas de enunciar a “perspetiva” de atingir os 3,5% do PIB de investimento direto (mais 1,5% de indireto) daqui a dez anos. Mais um plano decenal que acabará como plano bacanal.
Na defesa, Montenegro não gasta dinheiro, gasta latim. Como bom aluno que sempre é, Portugal entoou com a Europa e destoou de Espanha, que quis dizer à bruta o que Portugal acabou a dizer de mansinho. A pressão de Bruxelas transfere a pressão de Washington. Como Keir Starmer já demonstrou (e Zelensky abnegadamente provou), Trump não se vence pela afronta, mas através da bajulação cínica, que o convença de infinitas vitórias pessoais que possa propagandear no seu exercício físico diário de autoidolatria. Foi o que fez Montenegro: disse a von der Leyen que pode dizer a Rutte que pode dizer a Trump que pode dizer que Portugal se comprometeu em gastar 3,5% do PIB em defesa… um dia, lá no futuro, daqui a uns dois ou três governos. Palavra de honra.
Na verdade, Montenegro é esperto. A nossa diplomacia fez o seu trabalho e aproximou Espanha, o primeiro-ministro aponta para mil enquanto executa dez e todos saímos mais ou menos percentualmente na mesma. Em breve dirá que o défice não está em risco, que as pensões não serão cortadas e que o serviço militar não será obrigatório. E tudo parecerá perfeito.
A NATO passou da morte cerebral para a vida sobre-emocional. Tem uma nova urgência, de mais armamento, e um novo slogan, de aumento histórico dos orçamentos. Nada contra, excepto na encenação. A NATO parece mais forte mas não está mais coesa. E assim se encaminha para o fim uma cimeira de cowboys que no fim irão (no pun intended) para um bar de shots: um pelo dinheiro que se anuncia, outro pelas fábricas de armamento que se enunciam, outro para esquecer as incapacidades europeias e um último, silencioso, a torcer para que o senhor Trump não tenha percebido que, na verdade, todos querem continuar a não gastar muito mais e que os EUA continue a não gastar muito menos. Bem vistas as coisas, em 2035 Trump terá quase 90 anos. E mais ninguém quer ser dono dos destinos do mundo. Já seria bom sê-lo do nosso.