Corrida anual de natação no Bósforo reúne milhares de participantes nas águas que separam a Ásia e a Europa, em Istambul
Senti o eco quando passei por baixo da ponte Fatih Sultan Mehmet. Um dos meus colegas nadadores gritou de alegria. O som reverberou pela água.
Continuei a nadar, até que apareceu à minha frente a segunda ponte, a 15 Temmuz Şehitler Köprüsü. Parecia estar a uma distância impossível. Pensei: O que é que estou a fazer? Porque é que eu, uma mãe trabalhadora, uma mulher sensata na casa dos 50 anos, estou a tentar atravessar a nado o Bósforo, que é o estreito que divide a Ásia da Europa, na Turquia?
Uma das razões: estava a participar na 37ª Corrida Internacional de Natação do Bósforo, que é uma competição anual que desafia milhares de atletas amadores, focados na sua resistência, a fazer a travessia entre os dois continentes nas águas de Istambul. Além disso, enquanto a água salgada me cobria o rosto, havia alforrecas. O horizonte mergulhava nas ondas rasas. Não tinha certezas de nada.
Vinha-me preparando há meses. Quando me inscrevi, no início do ano, tive de apresentar documentos a comprovar que estava em boa forma, que pertencia a um clube de natação e que tinha um treinador. Adoro nadar. Já participei em competições. Todavia, o Bósforo é diferente das corriqueiras provas de longa distância.
Este é um evento sério. É organizado pelo Comité Olímpico da Turquia. Uma vez por ano, no final de agosto, o Bósforo – que liga o Mar Negro ao Mar de Mármara – é fechado ao tráfego marítimo durante algumas horas. Na edição deste ano, mais de 2.800 nadadores inscreveram-se para percorrer um percurso de 6,5 quilómetros ao longo deste curso de água, que tem entre 700 e 750 metros de largura. As correntes, que fluem de norte para sul, empurram os participantes a velocidades quase olímpicas.
Águas complicadas
O meu treino foi simples: nadar. No verão, depois de comprar uma boia de segurança vermelha, fui aumentando as minhas distâncias. No início de agosto participei numa corrida no Mediterrâneo, que não correu muito bem. Resumo: fiquei em último lugar entre 90 nadadores, fui picada na cara por uma alforreca, desenvolvi uma infeção que me manteve fora da piscina durante a semana anterior à prova em Istambul. Ainda assim, estava determinada em cruzar a linha da partida do Bósforo.
No final de agosto, viajei com a minha família para a Turquia. A prova calha sempre num domingo. No dia anteriores, os nadadores recolhem a sua acreditação na área de chegada. Foi aí que a realidade se impôs: os outros participantes eram atletas à séria. Vinham de 81 países diferentes, equipados com equipamento profissional, comparavam notas sobre as correntes, gabavam-se do número de vezes que tinham completado a prova.
O meu maior medo era não conseguir terminar dentro do tempo limite, que era de duas horas após o último nadador entrar na água. Apesar da minha paixão, sou lenta. Nado de bruços, não de crawl. Quando admiti isso na área da preparação, ouvi suspiros. Foi como se dissessem: “Esquece, não vais conseguir”.
Contudo, não havia volta a dar. Tinha chegado o dia da corrida. No pequeno-almoço do hotel, enchi o meu prato com aquilo que esperava ser o menu dos campeões: café, ovos, húmus – e mais café.
Como a corrida era a jusante, os nadadores reuniam-se primeiro na linha de chegada, no Parque Cemil Topuzlu, que fica do lado europeu. Depois, seguem em barcos para o ponto de partida, a norte da Ponte Fatih Sultan Mehmet, no lado asiático.
Aquela viagem de barco parecia interminável, deixando-nos cada vez mais longe da meta.
Tinha os nervos à flor da pele. Contudo, consegui conversar com alguns dos meus colegas nadadores. Uma ucraniana disse-me que não tinha conseguido treinar porque a piscina da cidade onde vivia tinha sido bombardeada. Um grupo de italianos bronzeados, vestindo calções de banho, cantava “O Sole Mio”, como se estivessem numa praia da Sardinha. Uma holandesa inclinou-se e sussurrou o que já ia no meu pensamento: “O que estamos a fazer aqui?”. Um casal americano discutia calmamente a estratégia: “Mergulhas, orientas-te e segues para o meio da primeira ponte”. Guardei aquilo na memória. Coloquei a touca de natação, tapando-me o cabelo. Cada atleta recebeu uma touca segundo a sua faixa etária. A minha era laranja brilhante, com a inscrição “Mais de 50”.
Uma onda de esperança
Os verões em Istambul costumam ser maravilhosos. Contudo, nessa manhã, caiu uma repentina tempestade, logo depois das 10:00, quando os primeiros nadadores entraram na água. Quando a minha faixa etária começou, às 10:40, a chuva já tinha passado. Ainda assim, o estreito estava agitado. Corremos para a plataforma e mergulhámos. A água estava fresca, não fria. Ajustei os óculos de natação, orientei-me, apontei para a ponte e avancei. À minha volta, centenas de pessoas nadavam em direção ao meio do canal.
A partir daí, só se ouvia o ritmo das braçadas. Ao passar por baixo da primeira ponte, ao ouvir o eco de um alegre canto tirolês, senti as minhas dúvidas serem substituídas por uma onda de esperança.
O Bósforo dobra-se e estreita-se. As correntes mudam a cada curva. Tínhamos estudado mapas que mostravam quando as correntes virariam para a esquerda ou para a direita. Mas, na água, esqueci-me de tudo. Um erro nesta parte poderia tirar-nos do percurso ou até mesmo fazer-nos ir para lá da meta. A minha estratégia tornou-se simples: seguir quem estava à minha frente.
Ponte. Curva. Esquerda. Direita. E então, de repente, a segunda ponte surgiu, perto da meta. Comecei a acreditar que podia mesmo concluir este desafio. Como os relógios são proibidos, não fazia ideia de há quanto tempo estava a nadar. A água estava límpida, apenas algumas alforrecas inofensivas. A corrente levava-nos para a frente.
Correntes perigosas
E seguimos – ligeiramente para a direita, ligeiramente para a esquerda. O meu relógio interno indicava-me que já tinha passado mais de uma hora quando vi aparecer as tendas brancas da meta. Tinha-me mantido no meio do canal, cautelosa com as contracorrentes perto da costa europeia. Contudo, agora tinha a atravessar. O pontão era visível. Foi então que a corrente me atingiu com toda a força.
Embora tivesse virado para a direita, continuava a ser levada para a frente. Nos últimos cem metros, nadei quase de lado, lutando para atravessar a corrente. Braçada após braçada, a meta aproximava-se. Os nadadores subiam os degraus. De repente, estava no meio deles.
Tropecei na linha eletrónica de chegada, atordoada, sem percebe que tinha conseguido fazer a prova no tempo limite. O meu tempo: uma hora e 40 minutos. O vencedor, um cipriota turco, terminou em 56 minutos.
A prova não estava isenta de riscos. Um nadador russo de 29 anos desapareceu nesse dia e ainda não foi encontrado. Embora seja uma prova desafiante, os incidentes como este são raros. Existem várias medidas de segurança, com o Comité Olímpico a colocar, ao que tudo indica, uma centena de embarcações a monitorizar os nadadores durante o evento deste ano.
Depois disso, recolhi os meus pertences, bebi quase dois litros de água, derramei algumas lágrimas e reencontrei a minha família. Também tive amigos que foram a Istambul de propósito para esta ocasião. Foi maravilhoso ver o alívio deles – e os seus sorrisos.
Naquela noite, comemorámos com um banquete turco. Terei consumido umas cinco mil calorias. Tinha conseguido concluir este desafio único na vida.
Aquilo que me manteve motivada foi algo que o meu filho de 14 anos me disse na véspera. Agarrou-me pelos ombros e disse: “Mãe, treinaste para isto. Estás pronta”. É um sentimento que toda a gente pode levar para situações assustadoras. Fiquei especialmente feliz porque a minha filha de 16 anos pôde ver o que as mulheres podem alcançar.
Talvez não volte a participar na prova. Nada poderá superar aquele dia. Contudo, se gostas de nadar e queres uma experiência incrível, fica a saber que as inscrições para a Bosphorus Swim 2026 abrem em janeiro.