As bombas russas que matam nos parques infantis da Ucrânia: “Vamos para casa. A mamã está morta”

Manuela Micael
13 jun 2022, 18:09
Crianças brincam no parque de uma escola destruída em Kharkiv. 24 maio 2022. Foto: John Moore/Getty Images

A Amnistia Internacional publicou um relatório em que denuncia ataques com bombas de fragmentação em Kharkiv. Os relatos são esmagadores

As crianças aproveitavam a tarde no parque infantil da rua Myru, em Kharkiv, na Ucrânia, quando uma bomba caiu do céu no dia 15 de abril. Uma bomba de fragmentação, uma bomba com muitas bombas dentro, espalhou um rasto de destruição numa área estimada de 700 metros quadrados. Nove pessoas morreram e 35 ficaram feridas. Muitas das vítimas eram crianças.

Tetiana Ahayeva, uma enfermeira de 53 anos que assistiu ao ataque, relatou à Amnistia Internacional (AI) como viu morrer o filho do vizinho, de apenas 16 anos. O pai do jovem ficou ferido, atingido por um dos muitos estilhaços lançados pelas tais bombas de fragmentação que, denuncia a AI, têm sido usadas pela Rússia desde o início da guerra.

Há uma convenção que proíbe o uso de bombas de fragmentação. Uma convenção de que a Rússia não faz parte e agora percebe-se porquê”, sublinha Pedro Neto, presidente da Amnistia Internacional Portugal, em declarações à CNN Portugal.

E as vítimas da rua Myru não foram caso único. Pelo menos 606 civis morreram e 1248 ficaram feridos, só em Kharkiv, em ataques aéreos russos usando um tipo de arma que mais de 100 países acordaram não utilizar em caso de guerra.

São números que pecam por defeito. São apenas dados das vítimas que chegam ao hospital”, adiantou Pedro Neto.

Os médicos têm, aliás, sido fundamentais na denúncia destes casos. São eles quem recolhem estilhaços de bombas dos cadáveres e dos corpos das vítimas e os entregam à Amnistia Internacional.

“A minha filha viu a mãe numa poça de sangue”

Não muito longe da rua Myru, outra bomba atingiu outro parque infantil. A tarde que era para ser em família, aproveitando um dos poucos intervalos do confinamento nos bunkers, acabou por quase custar a vida a Oksana Litvynyenko, 41 anos, mãe de duas crianças. Os estilhaços atingiram-na nas costas, no tórax e no abdómen, provocando graves lesões nos pulmões e na coluna.

De repente, vi um flash… agarrei a minha filha e abracei-a contra uma árvore, para que ela ficasse protegida. Havia muito fumo e eu não conseguia ver nada… quando o fumo ao nosso redor diminuiu, vi pessoas no chão… onde a minha esposa Oksana estava deitada. Quando a minha filha viu a mãe no chão, sobre uma poça de sangue, disse: ‘Vamos para casa: a mamã está morta e as pessoas estão mortas’. Estávamos em choque. Ainda não sei se a minha esposa vai recuperar; os médicos ainda não me conseguem confirmar se ela vai voltar a falar e a caminhar. O nosso mundo ficou de pernas para o ar”, conta Ivan, o marido de Oksana, citado pelo relatório da Amnistia.

Oksana tem estado sujeita a tratamentos intensivos e está melhor. Mas tem marcas para a vida.

Há muitos civis mortos. Mas há muitos feridos também. E há muitos feridos com perdas parciais e totais de membros, que vão ter a sua vida condicionada para sempre”, reforça Pedro Neto.

A Amnistia Internacional alerta, por isso, que “é preciso indemnizar estas vítimas, para que tenham uma vida minimamente digna”.

A importância das redes sociais

Desde o início do conflito na Ucrânia, só na região de Kharkiv, a Amnistia identificou e investigou pelo menos 41 ataques.

Clique na imagem para ver o mapa interativo com os ataques com bombas de fragmentação em Kharkiv na página da Aministia Internacional

“Verificámos tudo isto in loco. Foi nos locais que recolhemos fragmentos das bombas e pudemos confirmar que são bombas de fragmentação lançadas por ataques aéreos russos”, assegurou Pedro Neto.

 São crimes de guerra. Numa guerra, os civis não podem ser atacados. Pelo contrário, devem ser protegidos”, lembra.

Ao trabalho da Amnistia Internacional no terreno, junta-se a análise exaustiva de imagens divulgadas nas redes sociais. Também estes documentos têm sido, reconhece a AI, de extrema importância na denúncia destes crimes.

As pessoas nem imaginam como são importantes as fotografias e os vídeos que divulgam nas redes sociais. Ajudam-nos a confirmar e a documentar o que constatamos no terreno: que as bombas são provenientes de atraques aéreos levados a cabo pelos russos.”

A AI lembra ainda que, à semelhança do que acontece em Kharkiv, há relatos e evidências que apontam para o uso de bombas de fragmentação e de mísseis não guiados um pouco por toda a Ucrânia. Ainda este mês deverá sair um novo relatório sobre Mariupol.

 

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