Quem é o árabe que sorriu enquanto a Península Ibérica chorava?

11 dez 2022, 11:26
Yassine Bounou

Yassine Bounou foi o melhor em campo nas eliminações de Portugal e de Espanha, ele que nasceu no Canadá e começou a jogar contra a vontade dos pais. Filho de um engenheiro, dava nas vistas por ainda miúdo ir para os treinos de táxi. Estreou-se como sénior numa final da Liga dos Campeões Africana, já marcou um golo na Liga Espanhola e já bateu o recorde de um português. Aos 31 anos representa o Sevilha e promete tornar-se uma das grandes figuras do Mundial 2022.

Chama-se Yassine Bounou, representa o Sevilha e ameaça ser uma das figuras do Mundial. Defendeu duas grandes penalidades que mandaram a Espanha para casa e somou várias defesas que ajudaram a afastar Portugal das meias-finais.

Nos dois jogos, muito naturalmente, foi eleito o melhor em campo.

Curiosamente, Yassine Bounou (ou Bono, como utiliza na camisola) tem o hábito de sorrir quando faz uma grande defesa: já tinha dado nas vistas ao fazê-lo nos penáltis com a Espanha e voltou a fazê-lo este sábado com Portugal. O sorriso é, aliás, uma das imagens de marca do guarda-redes marroquino.

Mas quem é, afinal, Bounou?

Nascido em Montreal, no Canadá, a 5 de abril de 1991, voltou para Marrocos aos três anos: o pai é engenheiro e teve uma oferta para trabalhar para o Estado, em Casablanca, ao mesmo tempo em que dava aulas na Escola Hassania de Obras Públicas.

A família voltou por isso para casa e foi nas ruas de Casablanca que Bounou desenvolveu a paixão pelo futebol. Aos oito anos começou a jogar nas camadas jovens do WAC Casablanca.

Filho de uma família da classe média-alta, Bounou dava nas vistas por ir para os treinos de táxi.

Nessa altura o miúdo tinha o sonho de ser jogador e marcar golos. A altura, porém, acabou por traí-lo e um treinador indicou-lhe a baliza. Apaixonou-se pela posição, inspirou-se nos ídolos Buffon e Van der Saar e, em poucos anos, evoluiu ao ponto de se tornar uma promessa.  

A maior dificuldade haveria de ser a oposição dos pais, que o tentavam afastar de um jogo que não conheciam e não entendiam.

«Não quero que dediques tanto tempo ao futebol», dizia-lhe o pai, que insistia que tinha de se dedicar mais aos estudos.

Aos 17 anos, porém, Bounou já dava nas vistas ao ponto de ser contratado pelo Nice, o que acabou por convencer os pais, que a partir de então mergulharam no jogo e aprenderam as regras do futebol. A transferência para França acabou por não se concretizar, por problemas burocráticos, mas a carreira do guarda-redes estava definitivamente lançada.

Convenceu Diego Simeone, desencantou-se com Espanha e pensou em voltar a Marrocos

A partir daí foi sempre a subir.

Começou a treinar com o plantel principal do WAC Casablanca e aos dezanove anos estreou-se a titular num dos grandes de Marrocos. O primeiro jogo foi, aliás, uma prova de fogo: defender a baliza da equipa na final da Champions Africana, perante setenta mil adeptos.

O WAC perdeu frente ao Espérance de Tunis, mas Yassine Bounou deixou uma boa imagem. Fez então quinze jogos a titular.

No final dessa temporada, e aproveitando o facto de estar em final de contrato, decidiu tentar a sorte no futebol europeu. Integrou uma digressão do At. Madrid, convenceu os responsáveis do clube espanhol e foi contratado para integrar a equipa B.

Não foram tempos fáceis, porém.

Durante dois anos só jogou na segunda divisão e em Marrocos ninguém entendia porque tinha preferido ir para uma filial em vez de renovar com um grande do país.

«Diziam-me que tinha cometido um grande erro. Pensei várias vezes em regressar a Marrocos, mas hoje percebo que fiz bem em aguentar-me. O clube portou-se muito bem comigo», disse.

Em 2013-14 integrou o plantel principal e foi levado por Simeone dez vezes para o banco da equipa que acabou por ser campeã espanhola e que perdeu a final da Liga dos Campeões, em Lisboa, para o Real Madrid.

Nesse verão, porém, acabou por ser cedido ao Saragoça por dois anos. Seguiu-se então o Girona, que representou por três anos, até que em 2019 chegou ao Sevilha.

Contratado por empréstimo para ser suplente Tomasz Vaclik, na primeira época jogou apenas a Taça do Rei e a Liga Europa, o que acabou por ser uma boa notícia: o Sevilha venceu a competição europeia e Bounou foi fundamental. Sobretudo pelas exibições enormes frente ao Wolverhampton, nos quartos de final, e frente ao Man. United, nas meias-finais.

Acabou por ser contratado a título definitivo, tornou-se titular e passou a assinar com de Bono na camisola: um encurtamento que tem a ver com a semelhança fonética do nome.

Levou uma pancada na cabeça e descobriu que estava apurado para o Mundial... no hospital

Em Sevilha, de resto, fez várias vezes história. Bateu, por exemplo, o recorde de Beto de mais minutos sem sofrer golos, foi eleito o melhor guarda-redes da Liga Espanhola (Prémio Zamora) e ficou nos dez melhores guarda-redes do mundo na corrida à Bola de Ouro (Prémio Yashin).

O Mundial que está a fazer não é, portanto, uma surpresa.

Deu também nas vistas ao fazer um golo em Valladolid, numa subida à área no último minuto, que valeu um empate para o Sevilha, e um saboroso ponto.

«O treinador deu-me autorização para subir à área adversária. É uma jogada pela qual me apaixonei e estou grato pela oportunidade que me deu. A verdade é que é uma sensação incrível, difícil de descrever, nem sabia como festejar», confessou no final do jogo.

Pelo meio, ganhou a titularidade na seleção marroquina, ele que em 2018, na Rússia, não saiu do banco. Já foi ele a defender a baliza na Taça das Nações Africanas de 2019, por exemplo, e tornou-se a partir daí uma das figuras da equipa nacional.

No jogo decisivo do apuramento para o Mundial do Qatar sofreu uma pancada na cabeça, teve de ser levado de âmbulância e foi no hospital que tomou conhecimento de que Marrocos tinha garantido a qualificação.

Já em janeiro deste ano, durante a Taça das Nações Africanas de 2022, deu nas vistas ao criar uma espécie de incidente diplomático numa conferência de imprensa.

O guarda-redes optou por responder às perguntas em árabe, o que levou os jornalistas estrangeiros e pedir-lhe que traduzisse para francês ou inglês. Bounou respondeu que não era tradutor e a assessora de imprensa da Confederação Africana de Futebol pediu-lhe então que respondesse numa das duas línguas oficiais da competição: precisamente francês ou inglês.

Claramente irritado, Bounou recusou-se a fazê-lo e culpou a CAF pela má organização das conferências de imprensa. «Se não tem um tradutor, é um problema seu», atirou-lhe.

Provavelmente, foi das poucas situações em que o guarda-redes não sorriu. Ele que tem aquele hábito de responder a todas as situações com riso aberto.

No Qatar tem dado nas vistas pelas defesas milagreiras... e por aquele sorriso rasgado.

 

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