Os mais, os menos e os mais ou menos: o essencial da fase de grupos do Mundial

3 dez 2022, 00:33
Adeptos apoiam Portugal no jogo contra o Gana

Um olhar para o que fica da primeira fase do Campeonato do Mundo em onze pontos. De Ronaldo a Messi, de Musiala a Gakpto, da Austrália ao Irão.

Terminou a fase de grupos, o que significa que esta é uma boa altura para um primeiro balanço. O Maisfutebol apresenta por isso que ficou de mais relevante da fase inicial do Campeonato do Mundo em onze pontos.

Bruno Fernandes é quem nos guia

Não é exagero nenhum dizer que é, até esta altura, o jogador mais em destaque no Mundial. É pelo menos o jogador que teve mais participação em golos: marcou por duas vezes e fez duas assistências, o que só é igualado por Mbappé e Morata (três golos e uma assistência cada). O francês e o espanhol fizeram, no entanto, três jogos na fase grupos, o português só fez dois.

Para além disso, já soma 108 passes (em apenas dois jogos), dos quais 96 foram certos, três passes decisivos (criaram ocasiões de golo), seis remates, dois desarmes, uma interceção e dois cortes de bola. São números que não explicam tudo, mas ajudam a perceber como Bruno Fernandes surgiu em bom nível na fase de grupos. Para já tem sido ele a guiar Portugal.

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Cristiano Ronaldo, sempre a perder gás

Chegou ao Qatar como um dos grandes atrativos do Campeonato do Mundo. Depois de meia época infeliz, de uma entrevista explosiva e da rescisão de contrato, o mundo inteiro tinha curiosidade em perceber se ia ser capaz de dar a resposta à altura do nome no Mundial.

Ora Ronaldo até não começou mal, entrou cheio de vontade de ser mais solução do que problema, marcou no primeiro jogo e até vestiu a pele de capitão para motivar Diogo Costa após um erro que podia ter custado caro. A partir daí, porém, tem sido sempre a perder gás.

No segundo jogo deu uma prova de egoísmo ao insurgir-se contra um golo não lhe ser atribuído, no terceiro jogo saiu revoltado por ser substituído (o que não deve contribuir nada para o espírito de grupo, sobretudo no respeito pelo companheiro André Silva).

Pior ainda, porém, é a evidência que não está a acrescentar muito ao ataque português. Foi três vezes titular, jogou uma média de 78 minutos por jogo, fez um total de nove remates (dois enquadrados com a baliza) e marcou um golo (de penálti).

Já perdeu dez vezes a posse de bola, falhou três grandes oportunidades, ainda não fez nenhum drible, ganhou apenas 52 por cento dos duelos (no chão a média baixa para 31 por cento) e não criou nenhuma grande oportunidade de golo. O Mundial não está a correr-lhe bem.

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Um Campeonato do Mundo também feito de surpresas

Argentina, Alemanha, França, Espanha, Portugal, Brasil, todos caíram surpreendidos por adversários teoricamente inferiores. A Argentina, a Alemanha, a Espanha e Portugal, por exemplo, até estiveram a ganhar e permitiram a reviravolta: Arábia Saudita, Japão, outra vez Japão e Coreia do Sul ganharam todos por 2-1 e lançaram o pânico nos favoritos.

Já a França e o Brasil caíram sem marcar, na última jornada (tal como Portugal), quando já estavam apurados. O que significa que pela primeira vez desde o Mundial 94, nos Estados Unidos, não há nenhuma seleção a ganhar os três jogos. No entanto, Croácia, Marrocos (sim, Marrocos), Inglaterra, Estados Unidos e Países Baixos ainda não sabem o que perder.

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Lionel Messi, o melhor que a Argentina ainda é capaz de oferecer

É indesmentível que aos 35 anos está muito longe do jogador que já foi. A prova disso está em pormenores com a capacidade de driblar (teve sucesso apenas em 57 por cento das tentativas) e de ganhar duelos (apenas 45 por cento), ou nas 19 bolas perdidas em três jogos.

Mesmo assim, marcou dois vezes e fez uma assistência em três jogos, tendo participação decisivo em mais de metade dos cinco golos feitos pela Argentina. Ele que já rematou treze vezes, o que dá mais de quatro remates por jogo, e que tem uma percentagem de acerto no passe superior a 80 por cento.

Por isso continua a ser o jogador que mais influencia o ataque da equipa, que cria mais desequilíbrios e que alimenta a esperança da Argentina. No último mundial, está a dar tudo para que seja memorável: mesmo que para isso tenha de lutar contra o desgaste do tempo.

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Grandes jogos para salvar o Mundial

Para lá de toda a polémica que tem marcado este Campeonato do Mundo, sobraram da fase de grupos alguns exemplares de grandes jogos, com muitos golos e emoção a rodos, para nos recordar que o futebol vale sempre a pena.

É impossível esquecer as derrotas da Argentina e da Alemanha com a Arábia Saudita e com o Japão, logo na primeira jornada, da mesma forma que é impossível esquecer a goleada da Espanha à Costa Rica (7-0 com momentos de grande talento).

O Portugal-Gana (3-2), o Camarões-Sérvia (3-3), Coreia do Sul-Gana (2-3) e o Sérvia-Suíça (2-3) tiveram muitos golos, reviravoltas no resultado e incerteza até ao fim. Um fartote. Já o Uruguai-Gana (2-0), o Irão-Estados Unidos (0-1) e o Equador-Senegal (1-2) foram um sofrimento até ao apito final pelo que significavam nas contas do apuramento.

Num total de 48 jogos, e com seis nulos na primeira jornada, não podemos para já queixar-nos de falta de futebol neste Mundial.

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Musiala não merecia esta Alemanha (e vice-versa)

Não é inédito, porque já tinha acontecido há quatro anos, mas é ainda assim surpreendente: a Alemanha ficou pela fase de grupos, depois de não conseguir recuperar daquele choque que foi a derrota frente ao Japão.

Foram dezasseis participações sempre a passar a fase de grupos, até que o título mundial em 2014 marcou um ponto final nesta história feliz. Em 2018 e em 2022 a Alemanha falhou redondamente, num sinal de que alguma coisa está a mudar.

Curiosamente, e apesar do desastre coletivo, o miúdo Jamal Musiala acabou a fase de grupos entre os melhores jogadores do Mundial. Foi por exemplo o atleta que mais driblou (19 vezes) e foi o terceiro que mais rematou (12 disparos, só atrás de Messi e Mbappé).

Foi também o segundo que ganhou mais duelos no chão (25, só atrás de Joel Campbell) e o terceiro que ganhou mais duelos no total (27, só atrás de Campbell e Ismailla Sarr). Receção orientada, drible, condução com os dois pés, enfim: tem 19 anos e o futuro todo pela frente.

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Gakpo, o rapaz está de pé quente

Os Países Baixos não fizeram uma fase de grupos notável, muito longe disso. Venceram o Senegal com muito sofrimento (e uma boa dose de sorte), empataram com o Equador e bateram o frágil Qatar. Ainda não perderam, é verdade, e só sofreram um golo, mas mesmo assim mostraram algumas fragilidades ofensivas.

Para já tem-lhes valido a veia goleadora de Cody Gakpo. O avançado de 23 anos, titular nos três jogos, já leva três golos em apenas quatro remates feitos no Mundial. Aliás, os três remates de Gakpo enquadrados com a baliza, acabaram todos em golo. Os Países Baixos fizeram 25 remates em três jogos, marcaram cinco golos e três foram do jogador do PSV.

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Austrália, a felicidade estava numa folha de papel

Pela segunda vez na história, depois de já o ter feito em 2006, a Austrália chega aos oitavos de final de um Mundial. Desta vez conseguiu-o à custa da Tunísia e da Dinamarca, e com requintes de malvadez: no jogo decisivo, venceu os dinamarqueses por 1-0 e com a ajuda de um pormenor delicioso.

Tudo aconteceu a vinte minutos do fim, quando a Dinamarca fez duas substituições e o treinador enviou um papel para dentro de campo, a informar que passariam a jogar com dois pontas de lança. O papel chegou a Eriksen, que o entregou a Hojbjerg, que o atirou ao chão. Um jogador australiano apanhou o papel e foi entregá-lo ao selecionador.

Foi então que Graham Arnold deu o papel ao adjunto Andrew Clark, para que este o interpretasse. Ora Andrew Clark é coordenador do FC Copenhaga e só está no Qatar porque o clube dinamarquês lhe deu uma autorização especial para trabalhar com o seu país durante um mês. Clark leu a mensagem, a Austrália alterou a tática e travou a reação da Dinamarca.

Desta forma conseguiu o apuramento para os oitavos de final e ajudou a fazer história: pela primeira vez três equipas vindas da zona de apuramento asiática passam a fase de grupos. Para além da Austrália, também a Coreia do Sul e o Japão o fizeram. É a Ásia a crescer no futebol (ou então o efeito de um Mundial no continente).

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A coragem do Irão e a revolta da Alemanha (entre outros)

Não foi verdadeiramente surpreendente, até pelo que sabíamos à partida, mas este Mundial está a ficar marcado também pelos protestos. Uns mais fortes, outros mais fracos, mas todos eles corajosos: ou não estivéssemos num país que lida mal com a liberdade de expressão.

Acima de todos, o protesto do Irão merece uma vénia. No primeiro jogo no Qatar, frente à Inglaterra, a seleção de Carlos Queiroz fez um silêncio ensurdecedor durante o hino nacional. Uma forma de juntar a sua voz (ou a sua ausência) aos protestos contra o atual regime.

Não o voltou a repetir, até porque os jogadores foram ameaçados com represálias até para os familiares que ficaram no país, mas ter a coragem de fazer este protesto à frente de todo o mundo, numa ditadura tão implacável como a iraniana, merece todos os aplausos do mundo.

Dois dias depois, também na estreia no Mundial, os alemães taparam a boca num sinal de protesto contra a proibição em utilizar a braçadeira arco-íris. Ao mesmo tempo, a Federação juntou-se-lhes com um comunicado a referir que os direitos humanos não se negoceiam.

Para além disso houve outros protestos, por exemplo das mulheres iranianas, que levaram até imagens de Mahsa Amini, de vários políticos que entraram com a braçadeira One Love na tribuna e até do ativista Marco Ferri, que invadiu o relvado durante o Portugal-Uruguai.

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Canadá ainda procura a primeira vitória (ou empate, vá)

O Canadá sai do Mundial 2022 com três derrotas em três jogos, o que significa que ainda procura a primeira vitória num Campeonato do Mundo. Ou até um empate. Os canadianos juntaram-se aliás a El Salvador no restrito lote de seleções que já somam mais do que uma participação e perderam todos os jogos: na circunstância seis, divididos por dois Mundiais.

Curiosamente, o Canadá até teve no Qatar alguns jogadores em muito bom plano. Alphonso Davis foi, por exemplo, o segundo jogador a fazer mais dribles na fase de grupos e Buchanan foi o oitavo. Já Jonatha David surge também na lista dos mais rematadores. O que significa que o Canadá tinha bons valores, mas não funcionou como equipa. Por isso sofreu sete golos.

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Um Mundial tecnológico (ou a tendência para o erro diminuir)

A fase de grupos já mostrou que este Mundial promete ficar para a história como o primeiro em que a tecnologia fez a diferença. Há vários exemplos disso, aliás. O mais evidente será o segundo golo do Japão à Espanha, que as máquinas mostraram ser legal, quando os nossos olhos pareciam querer jurar que a bola tinha passado completamente a linha de fundo.

Mas há mais, claro. O golo anulado ao Valencia (Equador) contra o Qatar ou a Lautaro Martínez (Argentina) frente à Arábia Saudita são disso outros exemplos. Até o primeiro golo de Portugal ao Uruguai só pôde ser atribuído a Bruno Fernandes porque a tecnologia mostrou que Ronaldo não tocou na bola. O futebol está a ter uma precisão comparável ao ténis, e isso só pode ser bom para a verdade.

 

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