Um Mundial por dia: 2002, o Fenómeno renascido no penta do Brasil

6 dez 2022, 00:06
Rivaldo, Ronaldo e Gilberto Silva após a conquista do Mundial 2002 (Photo by Gunnar Berning/Bongarts/Getty Images)

Viagem à história do Campeonato do Mundo em histórias, imagens, figuras, números, frases e curiosidades

Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

Coreia do Sul e Japão 2002

31 maio a 30 junho 2002

Campeão: Brasil

2ª lugar: Alemanha

3º lugar: Turquia. 4º lugar: Coreia do Sul

Jogos: 64

Golos: 161 (2,52 por jogo)

Melhor marcador: Ronaldo (Brasil), 8 golos

Portugal

Portugal chegou pela terceira vez à fase final de um Campeonato do Mundo. Com António Oliveira de novo selecionador, a campanha de qualificação foi tranquila e alimentou a expectativa em torno do que poderia fazer aquela a que chamaram geração de ouro do futebol português, depois da frustração do apuramento falhado para o Mundial 98 e da épica caminhada até à meia-final do Euro 2000. Mas tudo redundou numa sucessão de erros que terminou em falhanço a toda a linha. Portugal começou por se deixar surpreender pelos Estados Unidos no arranque, uma derrota por 2-3 a que se seguiu uma ilusória vitória sobre a Polónia, 4-0 com um hat-trick de Pauleta. Mas tudo foi por água abaixo no último jogo, a derrota frente à Coreia do Sul que soou a fim de ciclo. O empate até podia ser suficiente e teria mesmo chegado, face à vitória da Polónia sobre os EUA no outro jogo, mas os jogadores não foram informados do resultado, num jogo de cabeça quente em que João Vieira Pinto deu um murro no estômago do árbitro Ángel Sanchéz quando viu o cartão vermelho ainda antes da meia hora. Já depois de Portugal ficar reduzido a nove, por expulsão de Beto, um golo de Park-Ji Sung aos 70 minutos selou a despedida de uma seleção sem norte.

O Mundial

O Mundial de primeiras vezes foi uma sucessão de surpresas com uma final de gigantes mas, curiosamente, inédita. A estreia da Ásia e de uma organização conjunta, dividida por Coreia do Sul e Japão, colocou frente a frente Brasil e Alemanha pela primeira vez na decisão de um Campeonato do Mundo. Deu penta para o Brasil.

O descalabro da campeã do mundo França, derrotada pelo Senegal na abertura e eliminada na primeira fase, foi o primeiro sinal daquele que seria um Mundial de más recordações para muitos dos potenciais candidatos. A Argentina caiu logo na primeira fase, mas foi entre as principais seleções europeias que um Mundial onde muitas das estrelas chegaram desgastadas fez mais mossa.

Os dois anfitriões chegaram aos oitavos de final, mas o Japão ficou pelo caminho, enquanto a Coreia do Sul, orientada pelo neerlandês Guus Hiddink, foi avançando para a sua melhor prestação de sempre em Mundias. Começou desde logo por afastar a Itália, que saiu a vociferar contra a arbitragem. Depois deixou pelo caminho a Espanha e só caiu na meia-final, frente à Alemanha. Da outra metade do quadro saiu outra enorme surpresa, a Turquia, que terminou no terceiro lugar.

Yokohama assistiu à consagração do Brasil que tinha no banco Luiz Felipe Scolari e em campo os três Rs – Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho –, com o Fenómeno a bisar na final e a brilhar sobre todas as estrelas.

A Final

Alemanha-Brasil, 0-2

Estádio International, em Yokohama

Brasil: Marcos, Lúcio, Edmilsonm Roque Júnior; Cafú, Gilberto Silva, Kléberson, Roberto Carlos, Ronaldinho (Juninho Paulista, 85m); Ronaldo (Denílson, 90), Rivaldo. Treinador Luiz Felipe Scolari.

Alemanha: Kahn; Linke, Ramelow e Metzelder, Frings, Jeremies (Asamoah, 77m), Hamann, Bode (Ziege, 84m), Schneider; Neuville, Klose (Bierhoff, 74m)

Marcadores: Ronaldo, (1-0, 67m e 2-0, 79m)

Recorde a final ao minuto no Maisfutebol

Figura

Ronaldo

O Fenómeno que tinha vivido pela primeira vez um Mundial em 1994, então um adolescente de 17 anos que não chegou a entrar em campo nos Estados Unidos, o craque que saiu do Cruzeiro para encantar a Europa, primeiro no PSV e depois no Barcelona, que era a grande promessa do Brasil em 1998 mas soçobrou no dia da final, foi finalmente feliz em 2002. E como. Quem acreditava que Ronaldo conseguisse voltar ao topo, depois de um longo calvário de lesões que o mantiveram longe dos relvados quase dois anos, com presença intermitente no Inter na temporada anterior ao Mundial? Ele acreditava e protagonizou o regresso mais notável de que há memória. Encheu o campo, marcou golos em todos os jogos do Mundial, exceto frente à Inglaterra, e fechou com um bis na final, para receber a coroa que lhe tinha escapado quatro anos antes. Com os oito golos em 2002, passou a somar 12 em Mundiais e igualou Pelé. Ainda voltaria em 2006, depois de ter deixado Itália para jogar no Real Madrid. Já não tinha a potência e a explosão embaladas pelo sorriso que eram a marca de um talento único, do melhor que o mundo já viu. Mas o Mundial fez ainda mais um pouco de justiça a Ronaldo Nazário de Lima. Com mais três golos na caminhada do Brasil até aos quartos de final, perdidos para a França, tornou-se o melhor marcador de sempre em Mundiais, com um total de 15 golos que só seria superado em 2014 por Miroslav Klose.

 

Frase

«Não há palavras de consolo que atenuem isto. Foi o pior erro que já cometi»

Quando o árbitro apitou para a final do Mundial, Oliver Kahn ficou longos minutos sentado, encostado à baliza. A meia-final já tinha dado um tom dramático à campanha da Alemanha, depois de Michael Ballack, figura da «Mannschaft» e autor do golo da vitória sobre a Coreia do Sul, se ter sacrificado em nome da equipa, fazendo uma falta para travar um contra-ataque coreano, que lhe valeu amarelo e o tirou da final. Depois, aconteceu aquilo a Kahn. Durante toda a competição ele foi um dos pilares da Alemanha, que chegou à final com apenas um golo sofrido. E depois, em plena final, deixou escapar a bola a um primeiro remate de Rivaldo, que Ronaldo aproveitou para fazer o primeiro golo do jogo. Os vencedores dos prémios individuais da competição, votados antes da final, foram anunciados dois dias depois. Kahn foi eleito melhor jogador do Mundial, o primeiro e único guarda-redes a merecer a distinção. Chamaram-lhe herói trágico.

Número

10.8 segundos para um recorde

Era apenas a segunda vez da Turquia num Mundial, quase 50 anos depois da estreia, em 1954. E foi histórica. Até começou mal, frente ao favorito Brasil, numa derrota com razões de queixa para os turcos, desde logo por causa da grotesca simulação de Rivaldo, que fingiu ter levado com uma bola na cara e forçou a expulsão de Unsal. Mas a partir daí, a equipa avançou, à força de muita garra, competência e competitividade, e só parou na meia-final, de novo frente ao futuro campeão Brasil, que venceu com um golo de Ronaldo. Restava o jogo pelo terceiro lugar. A Turquia e Hakan Sukur entraram com pressa. Muita. O ponta de lança, que até aí não tinha marcado nenhum golo, inaugurou o marcador aos 10.8 segundos de jogo, naquele que é até hoje o golo mais rápido de sempre em Mundiais. Mais incrível ainda, foi a Coreia do Sul a sair. Mas os anfitriões atrasaram a bola para a defesa, enquanto Sukur e Ilhan Mansiz avançaram, pressionaram e a bola sobrou para o avançado, que não falhou. A Turquia venceu por 3-2.

O golo de Sukur

E já agora a simulação de Rivaldo, que só lhe custou uma multa

Histórias

França, o pior campeão

A França chegava ao Mundial 2002 como campeã do Mundo e campeã da Europa. O que tornou ainda mais escandaloso o que aconteceu. Os Bleus não tinham Zidane na estreia – o 10 estava lesionado e falhou os dois primeiros jogos. Ainda assim, eram óbvios favoritos para o jogo de estreia, frente ao Senegal. Mas perderam, graças a um golo marcado por Papa Boupa Diop, um dos muitos jogadores senegaleses que atuavam no futebol francês. Aliás, chamaram-lhes a França B. Mas não ficou por aí. O segundo jogo, com o Uruguai, terminou a zero, e esse foi o único ponto que os Bleus somaram naquele Mundial. Na última partida da fase de grupos, já com Zizou em campo, a França voltou a perder, agora frente à Dinamarca (2-0). Saiu do Mundial sem um único golo marcado, a pior prestação de um campeão em título. E inaugurou um enguiço que se prolongaria até 2022. E foi a própria França a quebrá-lo. Desde 2002, todos os campeões, à exceção do Brasil em 2006, caíram na primeira fase. Aconteceu à Itália em 2010, à Espanha em 2014 e à Alemanha em 2018. No Qatar, a França acabou com a maldição.

Bora Milutinovic, o trota-mundos

Quem começou a acompanhar Mundiais nos anos 80 familiarizou-se com aquela figura de farta cabeleira e grandes óculos, que aparecia de quatro em quatro anos. Era Velibor «Bora» Milutinovic, o treinador de origem sérvia que fez uma longa carreira a pegar em equipas para as levar ao Mundial. Esteve em cinco Campeonatos do Mundo, um recorde que divide com Carlos Alberto Parreira, mas a orientar cinco seleções diferentes, o que é único. Só por uma vez não passou a primeira fase. Antigo médio que jogou em França e terminou a carreira na então Jugoslávia, Milutinovic começou por levar o México, país onde se tinha radicado, ao Mundial 86. A caminhada até aos quartos de final, onde só caiu frente à Alemanha, começou a construir a lenda de fazedor de milagres, reforçada quatro anos mais tarde, quando pegou na Costa Rica a poucos meses do início do Mundial 90 e chegou à segunda fase. Depois, foi aposta dos Estados Unidos para 1994. Aí teve mais tempo de trabalho com a seleção anfitriã e passou a primeira fase, mas caiu nos oitavos de final, frente ao Brasil. Ainda voltou a orientar o México, mas saiu em 1997, a tempo de pegar noutra seleção rumo ao Mundial. Dessa vez foi a Nigéria, onde chegou seis meses antes do Mundial 98. A equipa de Rufai, Kanu, Okocha, Oliseh, Babayaro, West ou Yekini tinha muito potencial e terminou em primeiro lugar do grupo, mas caiu nos oitavos, frente à Dinamarca. Milutinovic foi à vida dele, até aparecer nova oportunidade. Conseguiu a proeza de levar a China pela primeira vez ao Mundial e lá estava ele em 2002, para a sua última aparição, na única vez em que se ficou pela frase de grupos. Ainda treinou várias seleções depois disso – Honduras, Jamaica e Iraque -, mas não voltou ao Mundial.

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1970, a perfeição no tri do Brasil e de Pelé

1974, quando a Alemanha ganhou mas a revolução foi o Futebol Total

1978, a primeira vez da Argentina e muito para lá de futebol

1982, da fiesta aos choques e de Sarriá ao tri da Itália

1986, o recreio de Maradona

1990, e no fim ganhou a Alemanha

1994, o tetra do Brasil na festa made in USA

1998, um Fenómeno perdido na primeira vez da França

Leia aqui mais informação sobre os Mundiais, os resultados e as histórias contadas no livro «O Essencial dos Mundiais Para Ler em 90 Minutos», do Maisfutebol

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