Um Mundial por dia: 1998, um Fenómeno perdido na primeira vez da França

5 dez 2022, 00:06
França 1998

Viagem à história do Campeonato do Mundo em histórias, imagens, figuras, números, frases e curiosidades

Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

França 1998

10 junho a 12 julho 1998

Campeão: França

2ª lugar: Brasil

3º lugar: Croácia. 4º lugar: Países Baixos

Jogos: 64

Golos: 171 (2,67 por jogo)

Melhor marcador: Davor Suker (Croácia), 6 golos

Portugal

O último Mundial que Portugal falhou, até hoje. Um nulo na Arménia e uma derrota na Ucrânia a abrir a qualificação complicaram desde logo as contas. Orientada por Artur Jorge, a seleção nacional ainda emendou a mão e chegou ao jogo com a Alemanha, na penúltima jornada, com o apuramento em aberto. Em Berlim, um golo de Pedro Barbosa a vinte minutos do final colocou Portugal em vantagem, até acontecer Marc Batta. O árbitro francês mostrou o segundo cartão amarelo a Rui Costa quando o 10 de Portugal se preparava para ser substituído, por considerar que estava a queimar tempo. Um mal nunca vem só e a Alemanha empatou mesmo a seguir, num golo de Kirsten. Na última jornada, a depender de um deslize da Ucrânia, de nada valeu a Portugal a vitória sobre a Irlanda do Norte.

O Mundial

O Mundial ganhou um novo campeão. A primeira vez da França foi em casa, num Campeonato do Mundo maior do que nunca, agora com 32 equipas. O alargamento abriu espaço a duelos exóticos, como um Japão-Jamaica ou um Estados Unidos-Irão carregado de simbolismo político.

Houve quatro estreantes, entre eles a Croácia, que fez uma caminhada épica até à meia-final. A primeira fase trouxe apenas a meia-surpresa da eliminação da Espanha, enquanto os oitavos de final deixaram para a memória coletiva mais um Argentina-Inglaterra, bem como a vitória da Dinamarca dos irmãos Laudrup sobre uma promissora Nigéria.

Seguiram-se uns quartos de final de luxo, com um épico Países Baixos-Argentina que deixou os sul-americanos pelo caminho, um França-Itália decidido nos penáltis, o Brasil a vencer a Dinamarca e a Croácia a surpreender a Alemanha. Depois de afastarem Países Baixos e Croácia nas meias-finais, Brasil e França marcaram encontro no Stade de France, para a final em que o Fenómeno Ronaldo foi uma sombra de si mesmo e Zidane levou os Bleus ao título.

A  Final

Brasil-França, 0-3

Stade de France, Saint-Denis

França: Barthéz, Desailly, Lizarazu, Thuram, Leboeuf, Deschamps, Petit, Zidane, Karembeu (Boghossian, 56m); Djorkaeff (Vieira, 74m), Guivarch (Dugarry, 66m). Treinador: Aimé Jacquet

Brasil: Taffarel, Cafú, Baiano, Aldair, Roberto Carlos, César Sampaio (Edmundo, 57m), Leonardo (Denilson, 46m), Dunga, Rivaldo, Ronaldo, Bebeto. Treinador: Mário Zagallo

Marcadores: Zidane (1-0, 27m); Zidane (2-0, 45m); Petit (3-0, 90m)

Figura

Zidane

O prémio oficial de melhor jogador do Mundial 1998, decidido antes da final, foi para Ronaldo. Ironia, Zidane venceu-o oito anos mais tarde, em 2006, no Campeonato do Mundo em que terminou a carreira a ser expulso na final depois de uma cabeçada a Materazzi. Entre um Mundial e outro escreve-se a história de de altos e baixos com o Campeonato do Mundo por palco de um dos grandes jogadores de todos os tempos. Em 1998 também viu vermelho, logo ao segundo jogo da fase de grupos, frente à Arábia Saudita. Falhou os dois jogos seguintes e voltou para os quartos de final, a tempo de bater um dos penáltis no desempate com a Itália. Foi na final do Stade de France que Zidane assumiu finalmente o papel de estrela da equipa. O 10 que definiu caminhos e via mais longe, senhor de um toque sublime de bola, bisou na vitória por 3-0 que deu o primeiro título de sempre à França, curiosamente com dois golos de cabeça. Era a consagração de Zidane, o símbolo perfeito daquela seleção multicultural que dois anos mais tarde juntaria o título europeu ao de campeã do mundo.

Frase

«Nós perdemos a Copa no hotel, às 2 horas e 37 minutos do dia da final»

Roberto Carlos recorda assim aquele dia, aqui numa entrevista à SBT. O lateral partilhava quarto com Ronaldo e foi ele o primeiro a pedir socorro quando viu o companheiro «com o corpo tenso, a salivar da boca». O Fenómeno que tinha protagonizado um ano antes a transferência mais cara da história, quando deixou o Barcelona depois de uma época de sonho para assinar pelo Inter, tinha toda a pressão do mundo sobre os ombros. Quando recuperou a consciência após a convulsão, Ronaldo não se lembrava do que tinha acontecido. Num primeiro momento, foi decidido que não jogaria. Na ficha de jogo distribuída no Stade de France era Edmundo quem estava no seu lugar. Mas depois ele dispôs-se a jogar e Mario Zagallo colocou-o em campo. Ronaldo arrastou-se pelo campo, foi uma sombra de si mesmo e o trauma contagiou a equipa, impotente frente a Zidane e companhia. A convulsão de Ronaldo deu origem a múltiplas teorias e até a uma investigação formal no parlamento brasileiro. Mas agora, a esta distância, Ronaldo não tem dúvidas sobre o que aconteceu ao miúdo de 21 anos que era naquele Mundial: «A única coisa que eu posso atrelar a uma convulsão no dia da final da Copa do Mundo é realmente esse stress, um stress muito alto, sob pressão e sem nenhum tipo de preparo.» Mas a história de Ronaldo na Copa não acabaria ali.

Número

O minuto 114 de ouro

Depois de falhar dois Mundiais consecutivos, a França desenvolveu um metódico trabalho de base, prospeção e formação, liderado por Aimé Jacquet, e reuniu logo em 1998 uma geração de ouro que foi campeã do mundo e depois campeã da Europa. A jogar em casa, passou tranquila pela fase de grupos, mas nos oitavos de final teve o seu primeiro grande teste, frente ao muro do Paraguai. O jogo arrastou-se para prolongamento, até que no minuto 114 o médio Laurent Blanc apareceu na área e fez o 1-0. Acabou ali, literalmente. Foi o primeiro Golo de Ouro em Mundiais, a inovação que a FIFA tinha lançado para tentar tornar as coisas mais atrativas, mas que só agradou mesmo a quem beneficiou dele. A França aproveitou duas vezes, porque em 2000 foi também um golo de ouro de Trezeguet a decidir a final. O princípio da morte súbita, que dizia que no tempo extra o jogo terminaria quando uma equipa marcasse, ainda teve uma versão alternativa – o Golo de Prata, que valia para cada uma das partes do prolongamento – até a ideia ser abandonada de vez depois do Euro 2004.

Histórias

A grande aventura da Croácia

Tinham passado sete anos desde a independência da Croácia e os ventos de guerra ainda assolavam os Balcãs quando aquele bando de camisolas de xadrez vermelhas e brancas entusiasmou o mundo nos relvados franceses. Aliando qualidade técnica e uma alma imensa, a Croácia passou a frase de grupos, venceu a Roménia nos oitavos e no jogo seguinte arrasou a Alemanha, um 3-0 que é uma das piores derrotas de sempre da «Mannschaft» e representou a despedida de Lottar Matthäus, ao fim de um recorde de 25 jogos em Mundiais. Só uma improbabilidade estatística travou a épica caminhada de Boban, Prosinecki, Suker e companhia. Nos quartos de final, a futura campeã França levou a melhor, com um inacreditável bis de Lilian Thuram, nos únicos dois golos do central em 142 pela seleção. A Croácia ainda venceria os Países Baixos no jogo pelo terceiro lugar. Suker marcou o golo da vitória, garantindo o título de melhor marcador.

Argentina-Inglaterra, not again

O reencontro das duas seleções num Mundial, 12 anos depois de Maradona destroçar a Inglaterra no México, já tinha todos os ingredientes para dar que falar. Mas foi um épico, com uma primeira parte endiabrada. Batistuta fez o primeiro de penálti logo aos 5 minutos, depois brilhou o adolescente Michael Owen, que ganhou um penálti batido por Shearer antes de embalar num raide para um golo monumental. Zanetti ainda igualou em cima do intervalo. Logo a abrir a segunda parte, o escândalo. O menino bonito Michael Beckham virou vilão, quando reagiu a uma entrada violenta de Diego Simeone levantando o pé para tentar agredir o argentino, nas barbas do árbitro. Viu vermelho e uma Inglaterra reduzida a 10 passou resistiu até aos penáltis. Aí, como sempre, caiu. Seaman defendeu o remate de Crespo, mas Roa fez mais, travando os pontapés de Ince e Batty.

O golo perfeito de Bergkamp

Foi uma obra de arte que mandou a Argentina para casa no seu primeiro Mundial sem Maradona desde 1982. O jogo dos quartos de final aproximava-se do fim, com 1-1 no marcador. A bola veio de um passe muito longo de Frank De Boer e, lá na frente, sobre a direita, Dennis Bergkamp dominou-a com apenas um toque, antes de outro para tirar Ayala da frente e outro para o remate de trivela, de ângulo apertado. «Acho que foi perfeito», disse ele e todos os que viram e reviram o golo que explica um dos jogadores mais elegantes que o futebol já viu. Dennis Bergkamp, o neerlandês que não andava de avião mas pairava sobre o relvado, já tinha brilhado no Mundial 94, quando marcou três golos, tantos como em França. Com aquele golo à Argentina, o jogador que é em simultâneo referência eterna do Ajax e do Arsenal tornava-se de caminho o maior goleador de sempre da Laranja, com 36 golos.

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1938, de novo a Itália entre os ventos da Guerra

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1962, o génio de Garrincha à solta no bicampeonato do Brasil

1966, Eusébio para a lenda na festa inglesa

1970, a perfeição no tri do Brasil e de Pelé

1974, quando a Alemanha ganhou mas a revolução foi o Futebol Total

1978, a primeira vez da Argentina e muito para lá de futebol

1982, da fiesta aos choques e de Sarriá ao tri da Itália

1986, o recreio de Maradona

1990, e no fim ganhou a Alemanha

1994, o tetra do Brasil na festa made in USA

Leia aqui mais informação sobre os Mundiais, os resultados e as histórias contadas no livro «O Essencial dos Mundiais Para Ler em 90 Minutos», do Maisfutebol

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