Um Mundial por dia: 1990, e no fim ganhou a Alemanha

3 dez 2022, 00:06
Alemanha vence Mundial 1990 (Foto Getty)

Viagem à história do Campeonato do Mundo em histórias, imagens, figuras, números, frases e curiosidades

Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

Itália 1990

8 junho a 8 julho 1990

Campeão: Alemanha (RFA)

2º lugar: Argentina

3º lugar: Itália. 4º lugar: Inglaterra

Jogos: 52

Golos: 115 (2,21 por jogo)

Melhor marcador: Toto Schilacci (Itália), 6 golos

Portugal

Mais um apuramento falhado, depois do Euro 88 e com a seleção ainda à procura de cicatrizar as feridas de Saltillo. Com Juca ao comando, num grupo que integrava Bélgica, Checoslováquia, Suíça e Luxemburgo, Portugal fez uma campanha cinzenta. Recuperou algum ânimo com uma vitória na Suíça, numa grande exibição de Futre, mas deitou tudo a perder na reta final. Uma derrota em Praga, mais uma vitória sobre o Luxemburgo (3-0) mais magra do que seria necessário, obrigava a vencer a Checoslováquia no último jogo, na Luz, anulando a desvantagem com o rival direto na luta pelo segundo lugar. Mas Portugal nem um golo marcou. O jogo terminou 0-0 e a seleção voltou a ficar em casa.

O Mundial

O Itália 90 deixou muitas histórias para contar, mas entre elas não estão boas memórias do futebol que se jogou, no auge de um tempo de futebol calculista, defensivo e quezilento que redundou em jogos aborrecidos e na pior média de golos de sempre de um Mundial. E no fim ganhou a Alemanha.

A França, em reconstrução depois do terceiro lugar de 1986, falhou a qualificação e era a grande ausente. De resto, enquanto potenciais candidatos como Argentina e Países Baixos só sobreviveram à fase de grupos como melhores terceiros, os Camarões de Roger Milla foram os grandes animadores da competição, tornando-se a primeira seleção africana a avançar até aos quartos de final.

Ainda assim, foi mandando a lei do mais forte. Às meias-finais chegaram quatro anteriores campeões, algo que só tinha acontecido por uma vez, em 1970. Ambas se decidiram nas grandes penalidades: a Argentina afastou a anfitriã Itália e a Alemanha deixou pelo caminho a Inglaterra, num jogo dramático e que deu origem àquela que é talvez a mais repetida definição irónica de futebol - «22 homens a correr atrás de uma bola e no fim ganha a Alemanha» -, celebrizada por Gary Lineker, o avançado cujo golo aos 80 minutos não chegou para contrariar a história.

Repetiu-se a final de 1986, com desfecho diferente, na passagem de testemunho da Argentina de Maradona à Alemanha de Lothar Matthaus. A albiceleste foi vice-campeã do mundo com apenas cinco golos marcados em sete jogos. E tornou-se a primeira equipa de sempre a não marcar um único golo na final. Em seu abono, diga-se que a partir daí aconteceu a muito boa gente. A final teve dois jogadores da Argentina expulsos e, apropriadamente para o Mundial que não quis nada com a bola, decidiu-se com um único golo marcado por Brehme aos 85 minutos, num penálti muito contestado por Maradona e companhia.

A Final

Alemanha-Argentina, 1-0

Estádio Olímpico, em Roma

Alemanha: Illgner, Augenthaler, Berthold (Reuter, 75m), Kohler, Buchwald, Brehme, Hässler, Matthäus, Littbarski, Klinsmann, Völler. Treinador: Franz Beckenbauer

Argentina: Goycoechea; Simon, Serrizuela, Ruggeri (Monzón, 46m), Troglio, Sensini, Burruchaga (Calderón, 54m), Basualdo, Lorenzo, Dezotti, Maradona. Treinador: Carlos Bilardo

Marcador: Brehme (1-0, 85m, gp)

Figura

Lothar Matthäus

Era o terceiro Mundial de Matthäus, que aos 29 assumia o papel de líder da Mannschaft em campo, o mesmo que foi durante muito tempo de Franz Beckenbauer. Nesse Mundial, o Kaiser original estava no banco e tornou-se o primeiro campeão como jogador e treinador. À disponibilidade para o jogo que fez dele um dos mais completos médios do jogo, aliou nesse Mundial uma inaudita veia goleadora: marcou quatro golos, incluindo uma bomba num raide glorioso frente à Jugoslávia, bem como o penálti frente à Checoslováquia que levou a Alemanha à meia-final. Foi o Mundial da consagração de Lotthar Matthäus, que venceria a Bola de Ouro nesse ano. Ainda esteve em mais dois Campeonatos do Mundo, cinco no total. Com 25 jogos, é até hoje o recordista de aparições na competição.

Frase

«Diego nei cuori, Italia nei cori»

A meia-final entre Itália e Argentina jogou-se no San Paolo. A «casa» de Maradona, o estádio onde El Pibe tinha conduzido o Nápoles aos dois únicos títulos de campeão italiano da história do clube. Em vésperas do jogo Maradona aqueceu o ambiente, apelando ao coração dos napolitanos. «Durante 364 dias por ano vocês são considerados estrangeiros pelo resto do país e hoje querem que vocês torçam pela seleção. Eu sou napolitano 365 dias por ano.» Foi um estádio San Paolo dividido aquele que recebeu o jogo. Ficou famosa aquela frase, escrita numa faixa: «Diego no coração, Itália nas canções.» Ou ainda outra: «Diego, Nápoles ama-te mas a Itália é a nossa pátria.» Em campo, a Argentina levou a melhor depois de um 1-1 em 120 minutos e o penálti decisivo foi batido por Maradona. Esse jogo fica marcado por outra bizarria. Na primeira parte do prolongamento, o árbitro Michel Vautrout basicamente esqueceu-se de olhar para o relógio. Foram oito minutos de descontos, até o juiz francês perceber o erro. Se fizermos fast forward para 2022, não é grande coisa. Mas ali deveu-se a pura distração, admitida mais tarde pelo árbitro.

Número

6 golos para um herói improvável

Houve muitos protagonistas surpresa ao longo da história do Mundial, mas Toto Schilacci deu todo um novo sentido ao conceito. O avançado que passara anos no anonimato, mesmo depois de ter trocado na época anterior o Messina pela Juventus, onde era suplente, começou por ser surpresa na convocatória. Tinha apenas uma internacionalização quando chegou ao Mundial. Saiu do banco na partida inaugural para marcar o golo da vitória sobre a Áustria, e de novo no jogo seguinte, com os EUA. A queda em desgraça de Vialli e Carnevale abriu-lhe, a ele e a Roberto Baggio, as portas da titularidade. A partir daí marcou em todos os jogos da caminhada da Itália até ao terceiro lugar. Seis golos, foi o melhor marcador e foi também eleito melhor jogador do Mundial. «Ninguém podia prever o que aconteceu comigo. Acho que alguém lá em cima decidiu que Totò Schillaci se tornaria o herói de toda a Itália», disse anos mais tarde. Nunca mais esteve à altura daquela epopeia. Jogou três épocas na Juventus, depois no Inter e acabou a carreira no Japão. Fez mais meia dúzia de jogos pela Itália, o último deles em 1991, e só marcou mais um golo com a camisola «azzurra».

Histórias

Milla e a dança dos Camarões

Não era suposto Roger Milla estar lá. O avançado tinha decidido terminar a carreira internacional em 1988, ao fim de quase duas décadas que o levaram do Mundial 82 a duas vitórias com os Camarões na CAN. Tinha deixado França, onde jogou várias temporadas, e estava a preparar-se para viver a reforma antecipada na Reunião, quando recebeu uma chamada do presidente do seu país a dizer que tinha de voltar para o Mundial. Voltou e foi a grande figura dos Camarões, uma revoada de ar fresco naquele Mundial aborrecido. A dança de Milla junto à bandeirola de canto, imagem icónica desse Mundial, repetiu-se por quatro vezes. Foi sempre suplente, começando por sair do banco nos minutos finais daquele que é um dos resultados-choque históricos em Mundiais, a vitória dos Camarões no jogo inaugural frente à campeã do mundo Argentina. Os africanos seguiram a sua alegre caminhada com uma vitória sobre a Roménia e mais um bis de Milla, que se tornava, aos 38 anos e 34 dias, o mais velho de sempre a marcar em Mundiais. Nos quartos de final deixaram pelo caminho a Colômbia com mais dois golos de Milla e mais um momento icónico. René Higuita, outra personagem para o folclore desse Mundial, sobe com a bola, fazendo gala da reputação de guarda-redes líbero que lançava os ataques da equipa. Mas atrapalhou-se perante a pressão de Milla, que lhe roubou a bola e marcou o seu segundo golo. Os Camarões só cairiam nos quartos de final, frente à Inglaterra, noutro jogo memorável igualmente decidido no prolongamento (3-2). Milla continuou a dançar até 1994, quando se tornou aos 42 anos o mais velho de sempre a jogar e a marcar num Mundial.

As lágrimas de Gazza

Nunca, desde 1966, a Inglaterra tinha estado tão perto. A seleção orientada por Bobby Robson fez um campeonato alimentado a emoção e sofrimento, mas foi avançando, até à meia-final perante a Alemanha. Depois de um golo de Brehme, Gary Lineker igualou, naquele que foi o 10º e último golo em Mundiais do avançado que tinha sido o melhor marcador do Mundial 86. O jogo seguiu para prolongamento, quando Paul Gascoigne viu um cartão amarelo por uma entrada sobre Thomas Berthold. Naquele momento, Gazza percebeu que por causa daquele cartão falharia a final se a Inglaterra lá chegasse e não conseguiu segurar as lágrimas. A imagem de Gazza a ceder à emoção e de Lineker, percebendo, a fazer um gesto para Bobby Robson dar uma palavra ao companheiro ficou para sempre. Gascoigne não bateu nenhum dos penáltis que começaram a escrever a história do enguiço da Inglaterra nos desempates a partir dos 11 metros. Aos 23 anos, Gazza ganhou com aquelas lágrimas lugar eterno no coração dos ingleses, alimentado ao longo de uma carreira que se perdeu, sem nunca chegar a estar à altura do caso raro de talento que era Paul Gascoigne. Aquele seria o seu único Mundial.

Rijkaard e Voller: cuspidelas e cabeça perdida

Os oitavos de final tiveram dois grandes duelos de rivalidade clássica. No mesmo dia em que a Argentina vencia o o Brasil, no famoso jogo em que Branco bebeu água oferecida pelo banco argentino a saber a «veneno», o Mundial assistiu a um momento de loucura no encontro que deixou pelo caminho uma seleção dos Países Baixos recheada de estrelas, frente à Alemanha. Craques de cabeça perdida, muitos anos antes de Zidane. Depois de ver amarelo por uma entrada sobre Völler, Rijkaard foi atrás do alemão e cuspiu-o. Mas não ficou por aí. A altercação entre os dois continuou, até ambos serem expulsos, não sem nova cuspidela de Rijkaard.

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