Um Mundial por dia: 1966, Eusébio para a lenda na festa inglesa

27 nov 2022, 00:00
1966

Viagem à história do Campeonato do Mundo em histórias, imagens, figuras, números, frases e curiosidades

Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

Inglaterra 1966

11 a 30 julho 1966

Campeão: Inglaterra

2º lugar: Alemanha (RFA)

3º lugar: Portugal; 4º lugar: URSS

Jogos: 32

Golos: 89 (2,8 por jogo)

Melhor marcador: Eusébio (Portugal), 9 golos

Portugal

Portugal chegou finalmente ao Mundial. O primeiro apuramento ficou selado depois de uma campanha de qualificação sólida e que teve em Bratislava um ponto de viragem, quando a seleção, reduzida cedo a dez por lesão grave de Fernando Mendes, reagiu e segurou uma vitória épica frente à vice-campeã do mundo Checoslováquia, decidida num golo de Eusébio. Em Inglaterra, Portugal conjugou o talento e a experiência de uma geração que tinha aprendido a vencer – a mesma que protagonizou os sucessos internacionais de Benfica e Sporting no início da década – com uma preparação metódica e profissional. Com a dupla Manuel da Luz Afonso/Otto Glória no banco, liderada por um sublime Eusébio, a equipa a que chamaram Magriços – nome inspirado num episódio de «Os Lusíadas» - foi avançando, em modo épico. Três vitórias na fase de grupos, a última delas sobre o bicampeão Brasil, depois a reviravolta para a eternidade frente à Coreia do Norte, a seguir a dramática derrota na meia-final com a anfitriã e futura campeã Inglaterra, por fim a despedida com o triunfo frente à URSS de Yashin que garantiu o terceiro lugar.

O Mundial

O Campeonato do Mundo que consagrou a Inglaterra ficou para sempre também na memória do futebol português. O terceiro lugar naquela que foi a estreia da seleção nacional é até hoje a melhor participação de Portugal em Mundiais.

Foi uma competição intensa, recheada de surpresas e com muito que contar. Desde logo na qualificação, marcada por um boicote das seleções africanas, que recusaram jogar um play-off com os representantes da Ásia e Oceânia por um único lugar na fase final.

Beneficiou a Coreia do Norte, que ganhou o bilhete e seria responsável por um dos grandes choques da história dos Mundiais, quando mandou a Itália para casa. A outra grande surpresa aconteceu no grupo de Portugal, com a eliminação do bicampeão Brasil, que se apresentou muito longe do fulgor dos dois Mundiais anteriores, resultado de uma preparação errática – Vicente Feola trabalhou com um grupo de 47 jogadores – e das limitações físicas do rei Pelé, que acabou fora de combate no jogo com Portugal, depois de uma entrada de Morais.

A Final

Inglaterra-Alemanha, 4-2

Estádio de Wembley, em Londres

Inglaterra: Gordon Banks; George Cohen, Ray Wilson, Jack Charlton, Bobby Moore, Nobby Stiles, Alan Ball, Martin Peters, Bobby Charlton, Geoof Hurst e Roger Hunt. Treinador: Alf Ramsey

Alemanha: Hans Tilkowski; Horst-Dieter Höttges, Willi Schulz, Karl-Heinz Schnellinger, Wolfgang Weber, Franz Beckenbauer, Helmut Haller, Wolfgang Overath, Uwe Seeler, Sigi Held e Lothar Emmerich. Treinador: Helmut Schön

Golos: Haller (0-1, 12m), Hurst (1-1, 18m), Peters (2-1, 78m), Weber (2-2, 89m), Hurst (3-2, 101m), Hurst (4-2, 120)

 

Figura

 

Eusébio

«Oh my word! Have you ever seen anything like that?», exclamou o comentador da BBC, David Coleman, quando Eusébio encheu o pé para marcar o seu segundo golo na vitória de Goodison Park sobre o Brasil (3-1). Naquelas três semanas, o mundo viu o melhor de Eusébio e deixou-se encantar pelo fenómeno. Eusébio chegava a Inglaterra com o estatuto de melhor jogador da Europa, depois de ter vencido a Bola de Ouro na época anterior – já tinha sido segundo em 1962, quando ganhou com o Benfica a Taça dos Campeões Europeus, e voltaria a ser segundo em 1966, ficando a um ponto do inglês Bobby Charlton. Já lhe chamavam «Pantera Negra»: a alcunha foi cunhada por um jornal britânico cinco anos antes, quando o então adolescente Eusébio brilhou na derrota em Wembley que deixou Portugal fora do Mundial 62.  A lenda de Eusébio, que cresceu no bairro moçambicano da Mafalala, tinha começado a escrever-se muito antes, com contornos de romance desde cedo, como na chegada a Lisboa, sob disfarce, no meio de uma disputa entre Benfica e Sporting. O Mundial 66 globalizou a estrela, ao ritmo dos golos e das exibições, da vitória sobre o Brasil ao póquer que deu a volta à Coreia. E também de imagens icónicas, como as lágrimas na derrota com a Inglaterra, a pressa em ir tirar a bola de dentro da baliza na reviravolta com a Coreia do Norte ou o desportivismo que o distinguia, simbolizado nos gestos de atenção aos guarda-redes Banks e Yashin depois de os bater de penálti. Com o 13 nas costas, foi o melhor marcador do Mundial inglês, mais uma coroa na carreira inigualável de uma estrela eterna.

Frase

 

«Aí vem Hurst. Há pessoas no relvado. Acham que acabou. Acabou agora! São quatro!»

As palavras de Kenneth Wolstenholme, comentador da BBC, nos minutos finais do Inglaterra-Alemanha, entraram para o imaginário coletivo. Já havia adeptos a invadir o relvado, a celebrar a vitória inglesa, quando Geoff Hurst marcou o quarto golo, selando a primeira – e única – grande conquista internacional do país que se reclama inventor do jogo e o vive com uma paixão única. O Mundial não foi um passeio para a Inglaterra, que arrancou com um empate sem golos frente ao Uruguai. Depois garantiu o primeiro lugar na fase de grupos e nos quartos de final deixou pelo caminho a Argentina, num 1-0 muito tenso. Rattín, expulso sem que se percebesse porquê - «violence in the tongue», foi a «explicação» do árbitro alemão Rudolf Kretilein, que não falava castelhano, e mais tarde disse também que não gostou do olhar do argentino. Recusou-se a sair, enquanto pedia um intérprete e tentava explicar que era o capitão de equipa. O jogo foi interrompido por longos minutos. No final, Alf Ramsey referiu-se aos argentinos como animais, acicatando uma rivalidade que viria a atingir o ponto máximo 20 anos mais tarde, no Mundial 86. Na meia-final, Inglaterra superou Portugal em campo, depois de ter beneficiado dos privilégios de anfitriã para jogar em Wembley e não onde estava originalmente previsto - em Liverpool, onde estava sedeada a seleção nacional.

 

Número

101, o minuto do golo mais controverso de sempre

A final entre Inglaterra e Alemanha já tinha muito que contar, embalada pelos quatro golos que levaram ao prolongamento. Mas o golo que desempatou o jogo abriu caminho a uma discussão eterna. Geoff Hurst, que já tinha feito o 1-1 e terminaria o jogo como o único a assinar um hat-trick na final do Mundial, recebeu um cruzamento de Alan Ball, rematou e fez a bola bater primeiro no interior da trave e cair depois sobre a linha. Para lá da linha? O auxiliar achou que sim e deu indicação ao árbitro para validar. A discussão continua até hoje. Houve estudos de universidades prestigiadas que concluíram que não foi golo, houve tentativas de aplicar tecnologia atual ao lance – em 2016, a Sky usou dados estatísticos e realidade virtual para chegar à conclusão que sim, entrou. Hurst continua a jurar que «passou a linha pelo menos um metro», enquanto Hans Tilkowski, o guarda-redes alemão, manteve até ao fim da vida «100 por cento de certeza que não foi golo». O árbitro assistente, Tofiq Bahramov, ganhou para sempre um lugar no coração dos ingleses. Antigo jogador, combatente na II Guerra Mundial e dirigente, além de árbitro, foi uma referência no futebol do Azerbaijão, que lhe ergueu uma estátua e deu o seu nome ao Estádio Nacional. Em 2004, quando Azerbaijão e Inglaterra se defrontaram para o Mundial 2006, Geoff Hurst foi um dos convidados para uma cerimónia de homenagem a Bahramov.   

 

Histórias

5-3, a mais épica reviravolta

Estavam frente a frente as duas equipas sensação daquele Mundial. Portugal tinha vencido os três jogos num grupo que tinha o bicampeão Brasil. E a Coreia do Norte, absoluta desconhecida no Ocidente, uma equipa envolta em mistério e num exotismo que seduziu os adeptos de Middlesbrough, tornou-se a primeira seleção não europeia ou sul-americana a passar a fase de grupos depois de conseguir o impensável: venceu a Itália na última jornada, o golo de Pak Doo-ik a selar o escândalo que abalou o futebol transalpino. Em Goodison Park, ameaçou nova surpresa. Chegou ao primeiro golo logo no primeiro minuto, a seguir marcou mais um e depois mais outro. Portugal perdia por 0-3 aos 25 minutos. Foi então que Eusébio sacudiu o torpor português e vestiu a capa de herói, no jogo que o elevou em definitivo ao estatuto de lenda. Reduziu logo aos 27 minutos, fez o segundo de penálti antes do intervalo e completou o póquer na segunda parte, antes de José Augusto assinar o 5-3 final e consumar a mais épica reviravolta em Mundiais. Só houve mais uma equipa a vencer depois de estar a perder por três golos: a Áustria, quando ganhou à Suíça no Mundial 1954 por 7-5, no jogo com mais golos de sempre.

Pickles, o herói

O Mundial 66 foi o primeiro a ter uma mascote oficial. O leão World Cup Willie era simpático e popular. Mas a verdadeira mascote daquele Campeonato do Mundo, herói de carne e osso, é o cão Pickles. Foi ele quem resolveu o mistério que a Scotland Yard não conseguiu desvendar: o paradeiro da Taça Jules Rimet. Em março de 1966, o troféu foi roubado de uma exposição em Westminter. Ao escândalo seguiu-se um pedido de resgate, uma combinação de entrega com a polícia a levar dinheiro falso e a detenção do homem que se apresentou para fazer a troca. Chamava-se Edward Betchley e jurava ser apenas um intermediário. O verdadeiro autor do roubo nunca foi encontrado, mas em 2018 um homem garantiu ao jornal Daily Mirror que os responsáveis tinham sido o seu pai e o seu tio, Sidney e Reg Cugullere, já falecidos. Para a história ficou Pickles, o cão que dias depois do roubo encontrou a Taça atrás de uns arbustos. Uma grande história que foi contada ao Maisfutebol pelo seu dono, David Corbertt. A Inglaterra não ganhou para o susto e pelo sim pelo não fez uma réplica da Taça para levar para Wembley. A rainha entregou a original ao capitão Bobby Moore, mas foi com a réplica que os jogadores festejaram no relvado.

Leia aqui mais informação sobre os Mundiais, os resultados e as histórias contadas no livro «O Essencial dos Mundiais Para Ler em 90 Minutos», do Maisfutebol

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