Um Mundial por dia: 1938, de novo a Itália entre os ventos da Guerra

22 nov 2022, 00:05
Mundial 1938: Itália-Hungria (Foto Getty)

Viagem à história do Campeonato do Mundo em histórias, imagens, figuras, números, frases e curiosidades

Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

França 1938

4 a 19 de junho de 1938

Anfitrião: França

Campeão: Itália

2º lugar: Hungria

3º lugar: Brasil

4º lugar: Suécia

Jogos: 18

Golos: 84 (4.67 por jogo)

Melhor marcador: Leónidas (Brasil), 7 golos

Portugal

Para a seleção nacional, tudo se decidiu num jogo único com a Suíça. Em Milão, Peyroteo até se estreou a marcar com a camisola das quinas, mas não chegou para vencer um jogo equilibrado, em que a seleção teve um penálti desperdiçado, várias bolas ao poste e ficou a queixar-se da sorte. A Suíça venceu por 2-1.

O Mundial

França devia ter recebido 16 seleções, mas a anexação da já qualificada Áustria pela Alemanha em março de 1938 eliminou a Wunderteam de um Mundial marcado pela iminência da II Guerra Mundial.

A história do Mundial 1938 começa a contar-se precisamente pelas ausências. Numa Europa em convulsão, a Espanha, em plena guerra civil, também não participou. O Brasil foi o único representante da América do Sul, depois de Argentina e Uruguai terem recusado participar em protesto por não ter sido respeitada a alternância da prova entre continentes.

Das outras Américas, entre várias desistências sobrou apenas Cuba, que assinalou a sua única presença de sempre num Mundial com uma vitória sobre a Roménia para chegar aos quartos de final. Além disso, continuavam ausentes todos os representantes britânicos. E no meio de tantas baixas emergiu um convidado surpresa. Sem terem sequer jogado um jogo de qualificação, as Índias Orientais Holandesas, que depois da guerra dariam lugar à Indonésia, fizeram uma longa viagem para colocarem pela primeira vez a Ásia no mapa do Mundial.

O formato foi idêntico ao do Mundial anterior, exclusivamente com eliminatórias, sendo que o «detalhe» da ausência da Áustria foi resolvido com o apuramento direto da Suécia para os quartos de final. A Itália de Vittorio Pozzo tornou-se a primeira seleção bicampeã do mundo – e a primeira a vencer fora de casa -, impondo a sua força com mais consistência do que quatro anos antes, mesmo com uma equipa muito diferente da que fora campeã em 1934.

A Final

Itália-Hungria, 4-2

Stade Olympique de Colombes, Paris

Itália: Aldo Oliveri, Alfredo Foni, Amedeo Biavati, Gino Colaussi, Giovanni Ferrari, Giuseppe Meazza, Michele Andreolo, Pietro Rava, Pietro Serantoni, Silvio Piola e Ugo Locatelli. Treinador: Vittorio Pozzo

Hungria: Antal Szabo, Antal Szalay, Ferenc Sas, Gyorgy Sarosi, Gyorgy Szucs, Gyula Lazar, Gyula Polgar, Gyula Zsengeller, Jeno Vincze, Pal Titkos e Sandor Biro. Treinador: Karoly Dietz

Golos: Gino Colaussi (1-0, 6m), Pal Titkos (1-1, 8m), Silvio Piola (2-1, 16m), Gino Colaussi (3-1, 35m), Gyorgy Sarosi (3-2, 70m), Silvio Piola (4-2, 82m)

 

Figura

Giuseppe Meazza

O homem que deu nome ao estádio partilhado por Inter e Milan foi um dos maiores talentos de sempre do futebol italiano e também um dos poucos bicampeões do mundo pelos «azzurri». «Tê-lo na equipa significava começar a ganhar por 1-0», dizia o treinador Vittorio Pozzo. Na frente de ataque ou mais recuado em campo, Meazza exibia um sem fim de recursos técnicos, fintas, remates e golos que construíram uma lenda eterna. Natural de Milão, «Peppino» foi figura do Inter ao longo de mais de uma década em que venceu três «Scudettos», foi outras tantas vezes melhor marcador do campeonato italiano e é referência de sempre do clube onde viria a terminar a carreira, depois de ter jogado também no Milan e na Juventus. Foi protagonista no Mundial 1934 e capitão da seleção quatro anos mais tarde. É até hoje o segundo melhor goleador de sempre da Itália, atrás apenas de Gigi Riva, com 33 golos marcados. O último deles foi de penálti, na meia-final com o Brasil. Conta-se que Meazza o marcou enquanto segurava os calções, que tinham perdido o elástico, e acabaram mesmo por cair nos festejos.

Frase

«Vencer ou morrer»

Foi um mito que se perpetuou no tempo, mesmo sem certezas de que estas palavras estivessem de facto escritas no telegrama enviado por Benito Mussolini à seleção italiana. Pietro Rava, um dos últimos sobreviventes daquela equipa, disse seis décadas mais tarde ao Guardian que não era verdade: «Não, não. Ele mandou-nos um telegrama a desejar boa sorte, mas nunca a dizer ‘vencer ou morrer’.» A história serve para enfatizar a tensão em torno de um Mundial marcado pelo conflito que atravessava a Europa. Nas bancadas dos estádios franceses, protestos antifascistas acompanharam a seleção italiana, primeiro em Marselha, com vaias quando a equipa fez a saudação fascista antes de defrontar a Noruega, e depois com um momento marcante frente à França. Como as duas seleções equipavam de azul, foi definido que seria a Itália a mudar. E os «Azzurri» vestiram camisolas negras, a cor associada às milícias de Mussolini, ostentando o símbolo fascista. A Itália venceu esse jogo, depois bateu o Brasil na meia-final e marcou encontro com a Hungria. Na final, deixou uma exibição convincente, marcando dois golos na primeira parte e, acredita pelo menos Rava, a seduzir mesmo os adeptos mais críticos. «Nesses 20 minutos de jogo espetacular eles esqueceram os preconceitos políticos e étnicos.»

Número

12 anos para um campeão

Com o mundo em guerra, o futebol ficou suspenso e o Campeonato do Mundo só voltaria a jogar-se em 1950, no Brasil. A Itália foi portanto a seleção que ostentou durante mais tempo o título de campeã do mundo – na verdade foram 16 anos, desde o primeiro troféu em 1934. Ficou com a Taça Jules Rimet à sua guarda durante a guerra e sobre isso há muitas histórias. Conta-se que Ottorino Barassi, dirigente da Federação italiana, a retirou de um banco em Roma para não ficar à mercê das tropas nazis e a escondeu numa caixa de sapatos debaixo da sua cama. Ou ainda que mais tarde, em 1943, o novo responsável federativo, Giovanni Mauro, decidiu deixá-la à guarda de Aldo Cevenini, avançado que integrou a primeira seleção italiana da história, antes de a devolver à FIFA depois da guerra, no congresso de 1946.
 

Histórias

O pé descalço do diamante Leônidas

Leônidas da Silva foi o fenómeno que embalou a primeira grande demonstração de arte e talento do Brasil num Mundial. E também o jogador que marcou um golo descalço em pleno Campeonato do Mundo, depois de deitar fora a chuteira que rebentou e ficou «como uma boca de jacaré». Aqui está ele a contar a história. Foi logo no primeiro jogo, um duelo épico com a Polónia que o Brasil venceu por 6-5, com três golos daquele a quem chamaram Diamante Negro. Leônidas, que já tinha estado na discreta passagem do Brasil pelo Mundial 1934, voltou a brilhar com dois golos nuns quartos de final memoráveis frente à Checoslováquia: depois de um empate (1-1) num jogo duro que deixou vários jogadores fora de combate, o Brasil venceu o desempate (2-1). Leônidas tinha saído com problemas físicos daquela que ficou conhecida como «Batalha de Bordéus» e ficou no banco na meia-final. O Brasil foi derrotado pela Itália (2-1), entre muitas críticas ao selecionador Ademar Pimenta por ter poupado a estrela da equipa. Voltou três dias mais tarde para bisar na vitória sobre a Suécia que deu o terceiro lugar ao Brasil. Aquele a quem também chamaram o Homem-Borracha foi durante muito tempo considerado o inventor do pontapé de bicicleta e, mesmo que não tenha sido bem assim, ninguém o popularizou como ele. Jogou no Peñarol e teve uma carreira recheada de sucesso no futebol carioca, primeiro, e depois no São Paulo. Foi estrela de anúncios, deu nome a um chocolate e ficou para a história como a primeira grande vedeta do futebol brasileiro.

O fim da Wunderteam e de Sindelar

A Alemanha nazi anexou a Áustria a três meses do Mundial e absorveu a seleção que encantou a Europa na primeira metade da década. A Wunderteam já não tinha o mesmo fulgor – o treinador Hugo Meisl morreu em 1937 e a estrela Mathias Sindelar já tinha 35 anos -, mas não só tinha garantido tranquilamente a qualificação para o Mundial como saiu por cima do jogo que a Alemanha organizou para celebrar a Anschluss. A 3 de abril, um golo de Sindelar e outro de Seska furaram o guião e deram a vitória à Áustria. Sindelar, a estrela da equipa, festejou efusivamente frente à tribuna. Depois recusou integrar a seleção alemã. Aquele a quem chamaram o «Homem de Papel» terá justificado a recusa com a idade, mas tornou-se persona non grata para o regime. Foi encontrado morto em casa um ano mais tarde. Terá sido uma fuga de gás a causa da morte, mas a especulação sobre o que realmente aconteceu dura até hoje. A Alemanha levou ao Mundial nove internacionais austríacos, apenas para sair pela porta pequena ao fim de um jogo. O sonho de Hitler de afirmação da supremacia germânica esbarrou numa Suíça especialista em anular os adversários, treinada por um austríaco, Karl Rappan. O «Ferrolho» suíço valeu um empate ao primeiro jogo, nos oitavos de final, e forçou um desempate em que a Alemanha chegou aos dois golos de vantagem, mas foi surpreendida por uma incrível reviravolta e acabou a perder por 4-2.

 

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