Um Mundial por dia: 1934, Itália na Coppa do regime

21 nov 2022, 00:05
Itália 1934

Viagem à história do Campeonato do Mundo em histórias, imagens, figuras, números, frases e curiosidades

Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

Itália 1934

27 maio a 10 de junho de 1934

Anfitrião: Itália

Campeão: Itália

2º lugar: Checoslováquia

3º lugar: Alemanha

4º lugar: Áustria

Jogos: 17

Golos: 70 (4.12 por jogo)

Melhor marcador: Oldrich Nejedly (Checoslováquia), 5 golos

Portugal

A estreia da seleção nacional na qualificação para um Mundial foi penosa. Tudo se jogou numa única eliminatória frente à Espanha e a primeira mão em Madrid acabou em humilhação: 0-9, uma derrota esmagadora e um país em choque. O debate que se seguiu sobre as limitações do futebol português conduziu aliás à criação do Campeonato da Liga, logo em 1934/35. Curiosamente, uma vitória simples na segunda mão teria chegado para forçar um jogo de desempate. Não aconteceu. No Estádio do Lumiar, Portugal até marcou primeiro, mas a Espanha venceu por 2-1.

O Mundial

Ao segundo Campeonato do Mundo entraram em campo os jogos de qualificação, com 32 seleções candidatas para apurar as 16 que estariam em Itália, num Mundial que serviria de cenário à afirmação do regime fascista de Mussolini.

Em campo, o cenário foi muito diferente de 1930. Desde logo por causa da ausência do campeão Uruguai, que recusou participar como retaliação pelo desdém a que a Europa tinha votado o «seu» Mundial. É até hoje o único Campeão do Mundo a não defender o título. A Itália também teve de se qualificar (eliminou a Grécia), sendo ainda igualmente o único anfitrião sem entrada direta na fase final.

Em Itália esteve uma vasta maioria de seleções europeias, com apenas duas sul-americanas, Brasil e Argentina, mais os Estados Unidos e o Egito, a primeira seleção africana a participar. Para metade delas, a experiência foi curta. Numa prova com partidas a eliminar desde o início, oito seleções foram para casa ao fim de apenas um jogo e aos quartos de final só chegaram equipas europeias.

No tempo em que ainda não havia desempate por penáltis, o Itália-Espanha dos quartos de final teve direito a repetição, depois um primeiro empate (1-1) num jogo particularmente violento que deixou vários jogadores fora de combate para a decisão. Entre eles Zamora, o mítico guarda-redes da Espanha.

A Itália venceu o segundo jogo por 1-0 e seguiu em frente, para eliminar na meia-final a Wunderteam da Áustria e vencer a Checoslováquia numa final decidida no prolongamento.

A Final

Itália-Checoslováquia, 2-1 ap

10 junho 1934

Stadio Nazionale, Roma
 

Itália: Giampiero Combi, Angelo Schiavio, Attilio Ferraris, Enrique Guaita, Eraldo Monzeglio, Giovanni Ferrari, Giuseppe Meazza, Luigi Allemandi, Luigi Bertolini, Luis Monti e Raimundo Orsi.

Treinador: Vittorio Pozzo


Checoslováquia: Frantisek Planicka, Antonin Puc, Frantisek Junek, Frantisek Svoboda, Jiri Sobotka, Josef Ctyroky, Josef Kostalek, Ladislav Zenisek, Oldrich Nejedly, Rudolf Krcil, e Stefan Cambal.

Treinador: Karel Petru

Golos: Antonin Puc (0-1, 71m), Raimundo Orsi (1-1, 81m), Angelo Schiavio (2-1, 95m)

 

Figura

 

Vittorio Pozzo

É até hoje o único treinador a vencer duas vezes o Campeonato do Mundo. Vittorio Pozzo estudou em França, na Suíça e em Inglaterra, jogou no Grasshopers e esteve nas origens do Torino, combateu na I Guerra Mundial nos Alpini, a força especial de montanha do exército italiano e em 1929 assumiu a seleção italiana, que já tinha orientado em duas passagens anteriores. Desenvolveu o seu sistema de jogo, que ficou conhecido como Método – uma variante do WM com maior solidez a meio-campo que dispunha a equipa em 2x3x2x3, introduziu estágios na seleção e liderou a Itália numa década de sucesso. A imagem do treinador austero e disciplinador, com métodos a fazer lembrar o regime militar, ficou sempre conotada com o regime fascista. Deixou a seleção em 1948, ao fim de 19 anos, sendo até hoje o treinador mais bem sucedido da história do Calcio: venceu os Mundiais de 1934 e 1938, além dos Jogos Olímpicos de 1936. Durante muitos anos acumulou o trabalho de treinador com o de cronista do jornal La Stampa, para o qual fez a cobertura do Mundial 1950, já depois de ter passado por um dos momentos mais difíceis da sua vida quando em 1949 teve de identificar os corpos das vítimas do acidente de Superga.

Frase

«O International Championship parece-me um Campeonato do Mundo muito melhor do que o que vai acontecer em Roma»

Charles Sutcliffe era nos anos 30 do século passado um dos responsáveis pela Liga inglesa e, percebe-se, acérrimo defensor de uma ideia de superioridade do futebol britânico que se traduziu num longo afastamento do resto do mundo. Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda jogavam entre si no International Championship, ou Home Championship, desde 1883, mantendo uma distância altiva em relação ao futebol que se jogava para lá das ilhas. As federações britânicas desvincularam-se da FIFA em 1928, em desacordo sobre as regras relativas a amadores e profissionais, uma questão que dominava então o desporto e levou mesmo a que não houvesse torneio de futebol nos Jogos Olímpicos de 1932. Não participaram dos primeiros três Campeonatos do Mundo e só voltaram a juntar-se à FIFA depois da II Guerra Mundial, em 1946. 

Número

75 quilos para o troféu do Duce

Benito Mussolini fez do Campeonato do Mundo palco de amplificação da propaganda fascista, usando o desporto como veículo de promoção da ideologia nacionalista, tal como Adolf Hitler dois anos mais tarde nos Jogos Olímpicos de Berlim. A Itália investiu forte na construção de estádios e não deixou nada ao acaso na preparação da seleção, começando por fortalecê-la com vários jogadores naturalizados, entre eles Luís Monti, que quatro anos antes tinha jogado o Mundial pela Argentina. Os outros Oriundi, como ficaram conhecidos, eram Raimundo Orsi, Enrique Guaita e Atílio Demaria, todos de origem argentina, e ainda o brasileiro Filó. Com múltiplas aparições do Duce nos estádios, os relatos de manobras de bastidores para suavizar o percurso italiano foram recorrentes e o facto é que a Itália foi avançando no meio de várias decisões controversas até vencer a final no Estádio do Partido Nacional Fascista, em Roma. Os vencedores receberam dois troféus: além da Taça Jules Rimet, também a Coppa del Duce, um troféu muito maior mandado construir por Mussolini, que exibia a simbologia fascista e pesava 75 quilos.

Histórias

A equipa maravilha

Hugo Meisl era o treinador e Mathias Sindelar o talento que sublimava a seleção da Áustria que maravilhou a Europa no início dos anos 30, com um futebol cerebral e técnico, de passe e elegância. A equipa a que chamaram Wunderteam somou vitórias sobre vitórias nos seus anos de ouro. Em 1932 venceu a Taça da Europa Central e chegava ao Mundial 1934 entre as seleções favoritas. Logo na estreia eliminou a França, no primeiro jogo com prolongamento da história dos Mundiais (3-2), depois venceu a Hungria e marcou encontro com a Itália na meia-final. Era uma espécie de final antecipada, que se jogou num campo muito pesado, adverso ao futebol técnico da Wunderteam, e ficou decidido num golo controverso de Guaita que deu a vitória à Itália, entre protestos austríacos a reclamar falta sobre o seu guarda-redes. Essa seria a única oportunidade num Campeonato do Mundo da Wunderteam, a primeira grande equipa da história a ficar à porta da consagração. A Áustria ainda foi vice-campeã olímpica dois anos mais tarde, mas em 1938 desapareceu do mapa, absorvida pela Alemanha nazi.

Jogadores escondidos numa fazenda

Este foi o primeiro Mundial precedido de uma fase de qualificação, mas ela esteve muito longe dos padrões atuais. Na Europa houve grupos de três equipas, mas também eliminatórias simples entre duas seleções – como aconteceu com Portugal. Nas Américas, foi tudo mais confuso e o último lugar só ficou decidido a três dias do Mundial: os Estados Unidos decidiram participar em cima da hora, forçando um jogo de qualificação com o México, que já estava em Roma a preparar-se para jogar o Mundial. Na América do Sul, depois das desistências de Peru e Chile, Brasil e Argentina qualificaram-se automaticamente. Mas ambos foram eliminados ao fim de um jogo, depois de viajarem com seleções de recurso, com ambos os países divididos pelo conflito entre amadorismo e profissionalismo. No Brasil, ficou para a história a forma como o Palestra Itália – o atual Palmeiras – escondeu alguns dos seus jogadores numa fazenda, para evitar que fossem convocados.

Leia aqui mais informação sobre os Mundiais, os resultados e as histórias contadas no livro «O Essencial dos Mundiais Para Ler em 90 Minutos», do Maisfutebol

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