Um Mundial por dia: 1930, a aventura da primeira vez

20 nov 2022, 00:05
Estádio Centenário (1930)

Viagem à história do Campeonato do Mundo em histórias, imagens, figuras, números, frases e curiosidades

Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

Uruguai 1930

13 a 30 de julho de 1930

Anfitrião: Uruguai

Campeão: Uruguai

2º lugar: Argentina

3º: Estados Unidos*

4º:  Jugoslávia

* Não houve jogo de atribuição do terceiro lugar, mas a FIFA atribui essa posição ao Estados Unidos com base na melhor diferença de golos

Jogos: 18

Golos: 70 (3.9 por jogo)

Melhor marcador: Guillermo Stábile (Uruguai), 8 golos

Portugal

A presença no Mundial fez-se por convite. A seleção nacional, que tinha realizado o seu primeiro jogo em dezembro de 2021, não participou.

O Mundial

Uma longa viagem de barco juntou quatro seleções da Europa e nove das Américas para a aventura do primeiro Campeonato do Mundo. Não foi fácil chegar a Montevideu, em vários sentidos. O torneio só aconteceu depois de enormes esforços diplomáticos liderados pelo francês Jules Rimet.

Após ficar definido que o anfitrião seria o Uruguai, bicampeão olímpico e a comemorar o centenário da sua independência, era preciso convencer as equipas europeias a atravessar o Atlântico, num continente em crise económica e com os jogadores, na altura essencialmente amadores, em risco de perder os empregos quando voltassem.

A participação fez-se por convite e a dois meses do arranque da prova ainda ninguém tinha dito sim. França, Roménia, Bélgica e Jugoslávia acabaram por aceder a fazer a viagem, depois de o Uruguai prometer pagar os custos. Ainda assim, a competição não juntou mais que 13 participantes: além dos quatro europeus e do anfitrião, os outros pioneiros foram os sul-americanos Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Peru, Paraguai, mais os Estados Unidos e o México.

Os jogos França-México e Estados Unidos-Bélgica, jogados à mesma hora a 13 de julho de 1930, deram o pontapé de saída nos Mundiais, com o Uruguai a entrar em campo apenas cinco dias mais tarde, para que pudessem terminar as obras no Estádio Centenário, construído para a ocasião. O primeiro Mundial foi muito disputado em campo, um sucesso de assistências nas bancadas e terminou com a final mais previsível.

O Uruguai-Argentina reeditava a última final dos Jogos Olímpicos, até então a grande competição internacional de futebol, e terminou com o mesmo desfecho. Vitória da Celeste Olímpica (4-2), perante 93 mil espectadores no Estádio Centenário, entre eles milhares de argentinos que atravessaram o Rio da Prata. Foi um jogo quentinho, com uma rivalidade que já vinha de trás.

A Final

Uruguai-Argentina, 4-2

30 julho 1930

Estádio Centenário, Montevideu

Uruguai: Enrique Ballestrero, Alvaro Gestido, Ernesto Mascheroni, Hector Castro, Hector Scarone, Jose Andrade, Jose Nasazzi, Lorenzo Fernandez, Pablo Dorado, Pedro Cea e Victoriano Iriarte.

Treinador: Alberto Suppici


Argentina: Juan Botasso, Carlos Peucelle, Fernando Paternoster, Francisco Varallo, Guillermo Stabile, Jose Della Torre, Juan Evaristo, Luis Monti, Manuel Ferreira, Mario Evaristo e Pedro Suarez.

Treinador: Francisco Olazar

Golos: Pablo Dorado (1-0, 12m), Carlos Peucelle (1-1, 20m), Guillermo Stabile (1-2, 37m), Pedro Cea (2-2, 57m), Victoriano Iriarte (3-2, 68m), Hector Castro (4-2, 89m)

   

Figura

 

Jules Rimet

Não jogava à bola, mas foi o grande responsável pelo nascimento do Campeonato do Mundo, o principal impulsionador da ideia de uma competição que reunisse o planeta do futebol. O advogado francês que se tornou presidente da FIFA depois de combater na I Guerra Mundial defendia há muito uma competição aberta a todos e não exclusivamente amadora como eram os Jogos Olímpicos, no tempo em que a discussão sobre o profissionalismo dominava os debates. Em 1930, conseguiu finalmente pô-la em prática. Rimet liderou a FIFA de 1921 a 1954 - é o mais longo presidente no cargo – e quando saiu o Mundial já era o fenómeno global com que sonhou.

Frase

 

«Na altura ninguém deu importância ao golo. Nem sequer eu!» 

As palavras são de Lucien Laurent, o homem que marcou o primeiro golo de sempre em Mundiais. Ninguém ligou muito mesmo: o jornal L’Auto, antecessor do L’Équipe, publicou apenas uma pequena notícia sobre aquele França-México e nem mencionava os autores dos golos O interior direito francês que conseguiu uma licença sem vencimento do seu emprego na Peugeot para ir ao Uruguai marcou o seu golo aos 19 minutos do jogo inaugural com o México, um remate a passe de Liberati. E depois passou décadas no anonimato. O próprio filho ignorava a proeza histórica do pai, que só ganhou reconhecimento através da imprensa italiana, antes do Mundial 1990. Em 1930, quando embarcou rumo ao Uruguai para jogar aquele que pensava ser, como dizia, «um simples torneio», Laurent tinha 22 anos e estreara-se pelos Bleus em fevereiro desse ano, frente a Portugal. Até falecer aos 97 anos manteve-se discreto, mas também lúcido na recordação do golo e daquela epopeia no Uruguai.

Aqui, Laurent fala sobre a aventura do Mundial, numa conversa com…Gary Lineker, em 1998:

Número

6 minutos depois da hora

Era a segunda jornada do Grupo A, a Argentina estava em vantagem sobre a França graças ao golo de livre apontado por Luis Monti aos 81m. Três minutos mais tarde, quando a França contra-atacava à procura do empate, o árbitro… apitou para o fim do jogo. Seguiram-se protestos dos jogadores franceses e uma invasão de campo de adeptos. Depois da intervenção da polícia montada, acalmados os ânimos, os jogadores lá voltaram dos balneários para jogar os seis minutos em falta, mas o resultado ficou como estava: 1-0 para a Argentina. A França, que tinha vencido o México na abertura, perdeu o jogo seguinte, com o Chile, e foi eliminada. O Mundial tinha começado há dois dias e já tinha um caso a dar que falar.

Histórias

A romântica viagem no Conte Verde

Ao longo daquelas duas semanas de viagem os jogadores mantinham a forma como podiam e esticavam as pernas no convés do Conte Verde, o barco que levou até Montevideu as seleções de França, Roménia e Bélgica - a Jugoslávia viajou noutro barco, o Florida. A bordo ia também Jules Rimet, acompanhado da filha, mais três árbitros. Depois de escalas em Lisboa, Funchal, Canárias e Rio de Janeiro, onde recolheu a seleção do Brasil, o Conte Verde terminou em Montevideu a viagem que lhe valeu um lugar eterno nas memórias românticas do Mundial. O barco teria um futuro acidentado: na posse do Japão, foi usado para troca de prisioneiros durante a II Guerra Mundial, seria bombardeado pelos Aliados, voltado a recuperar pelos japoneses e finalmente desmantelado já depois da guerra.

A Taça de asas de ouro

A Taça que seria entregue ao primeiro campeão do mundo viajou até ao Uruguai no Conte Verde, na bagagem de Jules Rimet. Criada pelo escultor francês Abel Lafleur, a pequena escultura dourada, feita de prata de lei e ouro, com uma base em lápis-lazuli, representava Nike, a deusa grega da vitória. Pesava 3,8 quilos, media 35 centímetros, seria mais tarde batizada com o nome do mentor do Mundial e teve uma vida agitada até desaparecer algures no Brasil. Foi escondida durante a II Guerra Mundial, roubada e recuperada em Inglaterra antes do Mundial 1966 e em definitivo ao Brasil em 1970, privilégio de tricampeão. Em 1983 foi roubada de novo em plena sede da CBF. Os culpados foram encontrados, mas a Taça tinha sido vendida e nunca apareceu.

Leia aqui mais informação sobre os Mundiais, os resultados e as histórias contadas no livro «O Essencial dos Mundiais Para Ler em 90 Minutos», do Maisfutebol

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