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Silêncio, que a Alemanha descobriu o seu fado

23 nov 2022, 18:07
Kimmich. Foto: Stefan Matzke/via Getty Images

Os tetracampeões mundiais começaram em protesto contra o silenciamento forçado da defesa dos direitos humanos, mas a voz acabou por ser mesmo a única coisa que não perderam

Estávamos em 2018, o Mundial era na Rússia (sim, a FIFA tem acertado mesmo em cheio) e a Alemanha defendia o título conquistado quatro anos antes. Não era preciso dizer muito mais a várias gerações que sabiam bem o que isto significava: em princípio, ou a Alemanha ia ganhar, ou a Alemanha ia tentar quase sempre mais do que os outros ganhar.

Mas a Alemanha não ganhou. Não passou, aliás, da fase de grupos e, quatro anos depois, o México virou Japão e a hipótese de tudo isto se repetir já não nos parece assim tão insólita. Daqui a quatro dias há já um Espanha-Alemanha e, não querendo entrar em prognósticos, parece que os comandados de Luis Enrique não estão no Catar para brincadeiras.

Sem fatalismos - que nisto do futebol nunca se sabe - e até porque muitos de nós crescemos com este trauma de que a Alemanha ganha de qualquer forma, só ao admitirmos este cenário logo no primeiro jogo da fase de grupos talvez haja aqui uma esperança para quem começou a ver Mundiais há pouco tempo. Jovens, sabem o que isto significa? Em princípio, se os alemães não vos assustarem e se não estiverem sempre contra eles, é porque já se perdeu parte da magia.

E se os alemães já não forem os maus? Antes do jogo, ao posarem para a fotografia, foi isso mesmo que nos mostraram. A Alemanha está do lado certo deste silêncio, o lado de quem percebe que este Mundial não pode ser só futebol. Ao fazerem este gesto, o que Neuer e companhia nos mostraram, é que a eles ninguém os cala.

A Federação alemã justificou este gesto da equipa: "Juntamente com outras nações, queríamos que a nossa voz fosse ouvida. Não se tratava de fazer uma declaração política - os direitos humanos não são negociáveis"

O guarda-redes e capitão, Manuel Neuer, não usou a braçadeira "One Love" (a tal proibida pela FIFA), mas antes a "No Discrimination", que já tem vindo a ser usada por outros capitães como alternativa à mensagem que realmente queriam passar. A expectativa era tanta que os nossos olhares estiveram muito tempo concentrados na manga amarela do gigante das balizas, e até o árbitro assistente passou pela triste figura de ter de ir ver de perto o que lá dizia, só para confirmar que não tinha de lhe dar um cartão.

Nas bancadas, a ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, voltou a mostrar que as mulheres neste mês também têm voz no Catar, ao exibir a braçadeira que os jogadores não podem usar em campo. É lá que as coisas não estão a correr bem à Alemanha, mas só de ver o ar de incomodado de Gianni Infantino sinto que alguma coisa os alemães já ganharam. Ou então é o meu trauma a falar.

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