A primeira-ministra do Bangladesh fugiu do país, o sucessor - interino - é um Nobel da Paz
Quem é Muhammad Yunus, o laureado Nobel e líder do governo interino de Bangladesh?
por Jessie Yeung e Samra Zulfaqar, CNN
Um vencedor do Prémio Nobel conhecido como o “banqueiro dos pobres” vai tentar trazer estabilidade a Bangladesh depois de aceitar o pedido de manifestantes estudantis para que lidere temporariamente o país após semanas de manifestações antigovernamentais mortais.
Muhammad Yunus, de 84 anos, irá chefiar um governo interino após a queda da primeira-ministra e da dissolução do parlamento, de acordo com o secretário de imprensa do presidente de Bangladesh.
Yunus é um empreendedor social e banqueiro que ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2006 pelo seu trabalho pioneiro em microfinanças, que ajudou a aliviar a pobreza em Bangladesh e que foi amplamente adotado em todo o mundo.
É também um crítico de longa data da ex-primeira-ministra Sheikh Hasina, que renunciou ao cargo no início desta semana e fugiu do país após anos de uma governação cada vez mais autoritária.
A sua saída trouxe júbilo ao movimento estudantil que a forçou a sair, mas também alguma apreensão sobre se os militares intervieram para preencher a lacuna na liderança.
Uma fonte disse à CNN esta semana que Yunus estava em França para um pequeno procedimento médico, mas voltará a Bangladesh em breve para assumir o cargo de líder interino.
Numa resposta por escrito, o grupo Students Against Discrimination confirmou o seu regresso à CNN: “Estamos muito felizes em dizer que o dr. Yunus concordou em aceitar este desafio para salvar Bangladesh, conforme o pedido dos nossos alunos”.
Quem é Muhammad Yunus?
Yunus nasceu em 1940 em Chittagong, uma cidade portuária no sudeste de Bangladesh, de acordo com o seu perfil no site do Prémio Nobel.
Estudou na Universidade de Dhaka, antes de receber a prestigiada bolsa Fulbright para estudar na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, onde obteve um doutoramento em Economia.
Em 1972, um ano após Bangladesh conquistar a independência do Paquistão, voltou a dar aulas na Universidade de Chittagong. Mas o desastre não tardou a acontecer. Uma fome severa varreu o país em 1974, dizimando cerca de 1,5 milhões de pessoas.
“Achei difícil ensinar teorias elegantes de economia na sala de aula da universidade no cenário de uma terrível fome em Bangladesh. De repente, senti o vazio dessas teorias diante da fome e da pobreza esmagadoras”, disse Yunus no seu discurso após receber o Nobel, em 2006.
“Queria fazer algo de imediato para ajudar as pessoas à minha volta, mesmo que fosse apenas um ser humano a passar mais um dia com um pouco mais de facilidade”, disse.
Yunus começou a fornecer pequenos empréstimos do próprio bolso aos moradores mais pobres da sua comunidade, fundando o Grameen Bank em 1983, que se tornaria líder mundial no alívio da pobreza por via de microcréditos.
O banco cresceu rapidamente, com diferentes agências e modelos semelhantes a operar em todo o mundo.
Yunus e o Grameen Bank receberam o Prémio Nobel da Paz em 2006, depois de emprestar um total de cerca de cinco mil milhões de euros para habitação, estudantes e microempresas, especificamente em apoio às mulheres de Bangladesh.
Também é o fundador do Yunus Centre, um think tank sediado em Dhaka que ajuda a desenvolver novos negócios locais.
Alguns críticos lançaram um olhar cético sobre Yunus e o Grameen Bank, argumentando que as altas taxas de juro de alguns microcredores empobreceram os mutuários, já que os credores obtiveram grandes lucros com pequenos empréstimos.
Yunus rejeitou tais alegações, dizendo à CNN no início deste ano que o Grameen Bank não tem como objetivo ganhar dinheiro, mas sim ajudar os pobres e capacitar pequenas empresas.
Atritos com o governo de Hasina
Ao longo dos anos, Yunus entrou repetidamente em conflito com a ex-primeira-ministra Hasina, que o acusou de “sugar o sangue dos pobres”, de acordo com a Reuters.
Yunus propôs brevemente formar um novo partido político em 2007, antes das eleições parlamentares - o que Hasina condenou na época, dizendo que os recém-chegados à política eram “elementos perigosos… a serem vistos com suspeita”, também de acordo com a Reuters.
Yunus acabou por não avançar com a formação do partido.
Em 2011, o banco central controlado pelo governo de Bangladesh retirou Yunus do cargo de diretor administrativo do Grameen Bank, alegando que tinha excedido a idade de aposentação obrigatória.
Nos anos seguintes, Yunus envolveu-se em vários processos judiciais que, segundo os seus apoiantes, foram resultado de ter sido um alvo injusto das autoridades. Incluem-se aqui um processo por difamação, um caso de segurança alimentar e alegações de irregularidades fiscais, que Yunus negou.
Em janeiro, um tribunal em Bangladesh condenou Yunus a seis meses de prisão por violações da lei trabalhista – com o banqueiro a negar novamente qualquer irregularidade.
Num caso separado, Yunus foi indiciado em junho por acusações de peculato.
O governo de Hasina insistiu que as suas ações contra Yunus não tiveram motivação política, mas o banqueiro discordou. Não está claro, de momento, o que acontecerá com estes processos agora que Hasina está fora do poder.
Em declarações à CNN em fevereiro, enquanto estava sob custódia, Yunus disse que as alegações de corrupção contra ele não tinham fundamento, descrevendo-as como assédio.
“Não estou no campo político, não há evidências de que eu esteja envolvido em política”, disse Yunus, alertando que Bangladesh estava a tornar-se uma “civilização autodestrutiva”.
Numa entrevista separada à Reuters em junho , Yunus disse que Bangladesh se tinha transformado num estado de “partido único”, com o partido no poder a eliminar toda competição política.
O que vem depois?
Numa entrevista à CNN após a renúncia de Hasina na segunda-feira, antes da sua nomeação como líder interino, Yunus disse que queria ver o exército entregar o controlo do país a um governo civil. Criticou ainda Hasina, dizendo que ela "nos torturou, tornou este país inabitável para as pessoas".
“As pessoas estão a comemorar nas ruas e milhões e milhões de pessoas em todo o Bangladesh [estão] a comemorar como se este fosse o dia da nossa libertação”, disse.
Dirigindo a sua mensagem ao movimento de protesto em Bangladesh, Yunus acrescentou: “Vocês fizeram um ótimo trabalho”.
No entanto, dizem os especialistas, Yunus vai enfrentar um longo e complicado caminho enquanto o governo muda.
O seu primeiro desafio será restabelecer a lei e a ordem após os protestos mortais das últimas semanas e “resolver o déficit de confiança que existe na sociedade” entre o povo e o Estado, disse Mubashar Hasan, que estuda o autoritarismo asiático na Universidade de Oslo. Isso inclui uma profunda desconfiança pública em relação à polícia, à jurisdição e a outras instituições estatais de Bangladesh, explicou.
Outra tarefa urgente será declarar eleições livres e justas – cuja ausência é uma das razões pelas quais Bangladesh mergulhou em protestos.
Yunus também terá que lidar com as consequências do mês passado, após o governo de Hasina ter reprimido com força letal os manifestantes, com cerca de 300 mortos, de acordo com a imprensa e agências locais. Críticos e grupos de direitos humanos acusaram as autoridades de usar violência excessiva, uma acusação que o governo negou ma altura.
Agora, o líder interino provavelmente irá enfrentar pressão para “começar a estabelecer algum tipo de procedimento judicial que abordará a grave violação dos direitos humanos nas últimas semanas e na última década”, considerou Hasan.
Niloy Biswas, professor de Relações internacionais na Universidade de Dhaka, ecoou esse mesmo ponto – dizendo que os novos líderes do governo devem “iniciar investigações para garantir justiça para centenas de pessoas inocentes que perderam as suas vidas”.
“Os estudantes que lideraram o movimento exigem fortemente isso”, disse à CNN na quarta-feira. “O governo interino terá que prestar atenção a isso para garantir que a grande comunidade estudantil sustente o seu apoio para administrar o governo”.
À medida que o governo interino avança, reformar a economia de Bangladesh será uma tarefa fundamental – onde o histórico económico de Yunus pode desempenhar um papel. Essas reformas serão “vitais” no combate à corrupção e no auxílio ao crescimento da nação, disse Biswas.
Mas Yunus também pode enfrentar oposição no governo — inclusive daqueles que apoiaram Hasina, potencialmente incluindo figuras da justiça e da aplicação da lei, disse Hasan.