Mary Jane Wilkie mudou-se de Nova Iorque para Paris em 2021 e diz que está a adorar a sua nova vida na capital francesa. Matthew Holler
A primeira vez que Mary Jane Wilkie viajou para Paris foi quando tinha 21 anos e, quase seis décadas depois, decidiu que era finalmente altura de se mudar para a capital francesa de forma definitiva.
Em dezembro de 2021, Mary Jane, que tinha 79 anos na altura, mudou-se de Nova Iorque para Paris para começar de novo. Desde então, ela vive e trabalha na Cidade do Amor e não tem intenção de voltar para os EUA.
“Eu sabia que não queria dizer no meu leito de morte: ‘Sempre quis mudar-me para França, mas não consegui’”, confessa Mary Jane à CNN Travel.
“Quando se sabe o que não se quer dizer no leito de morte, sabe-se o que fazer com a vida.”
Sem arrependimentos
Embora tenha crescido no Texas, Mary Jane, que trabalha como contratante independente, estava ansiosa por se mudar desde muito nova.
“Tenho uma família amorosa e tudo isso”, começa por dizer Mary Jane. “Mas havia outros horizontes a acenar.”
Em 1963, viajou para França e passou um ano a estudar na Universidade de Sorbonne, em Paris.
“Estava confiante de que conseguiria arranjar um emprego e estudar francês”, explica Mary Jane. “E foi o que fiz.”
Quando encontrou “uma oportunidade na América do Sul”, um destino que há muito desejava visitar, Mary Jane viajou de Lisboa para Buenos Aires, na Argentina, de barco.
Viveu em vários países latino-americanos, incluindo a Bolívia e o Paraguai, desenvolvendo uma “proficiência quase nativa em espanhol”.
Mary Jane acabou por ficar em Nova Iorque, onde começou a cantar shape note, uma forma de música coral americana desenvolvida no início do século XIX.
“Não há ensaios, nem atuações”, explica Mary Jane. "Simplesmente encontramo-nos e cantamos, e toda a gente é bem-vinda.”
"O som não é refinado, mas é forte e as pessoas ou odeiam-no ou adoram-no. Eu sou uma destas últimas”, confessa-se.
Mary Jane foi atraída de volta a Paris há cerca de uma década, depois de ter viajado para França para encontrar oportunidades para cantar e de ter feito muitos amigos lá.
“A cidade de Nova Iorque é ótima”, diz. "Mas em diferentes fases da nossa vida queremos coisas diferentes.”
“Então a fantasia tomou forma e pensei: ‘Bem, acho que gostaria de me mudar para França’.”
Viajava para França pelo menos duas vezes por ano e passava muito tempo a conhecer o país europeu com os seus “amigos cantores”.
“Pensei: ‘Oh, meu Deus, até gosto disto aqui’”, diz, acrescentando que “queria mais sossego” e sentia que Nova Iorque estava “a ficar mais barulhenta”. “Fiz amigos e gostei da comida.”
Depois de regressar de uma viagem prolongada à cidade, Mary Jane decidiu arriscar e iniciar o processo de mudança de Nova Iorque para Paris.
“Vendi o meu apartamento por um preço muito bom”, conta. "Não o suficiente para comprar um apartamento em Paris. Mas cá estamos."
Passar de turista a emigrante em Paris
Em vez de se reformar, Mary Jane optou por continuar a trabalhar remotamente a partir da capital francesa, explicando que gosta imenso do seu trabalho como contratante independente, que envolve entrevistar candidatos a empregos, e que não tem planos para deixar de trabalhar.
“Estou a fazer isto há mais tempo do que nunca”, diz. "Porque nunca me aborreci. Os candidatos são interessantes. Eles contam-me histórias e talvez eu seja apenas intrometida. Mas é uma janela para a América".
Em dezembro de 2021, Mary Jane voou para Paris para começar uma nova vida.
A família e seus amigos apoiaram-na imenso.
“Tenho a sorte de ter uma família em que todos gostam quando cada um de nós está a fazer o que nos faz felizes”, diz.
No entanto, Mary Jane sofreu um contratempo logo no início, pois a sua idade tornou o aluguer de um apartamento muito mais difícil.
“Em França, há uma lei que diz que o senhorio não pode despejar um inquilino com 80 anos ou mais”, explica. "Portanto, se tivermos 75 anos ou mais, eles começam a hesitar. Era por isso que eu estava a ter um problema... E não tinha como saber isso [antes]."
Felizmente, conseguiu alugar um apartamento com um quarto.
Embora a sua mudança para Paris tenha coincidido com a pandemia de covid-19, que provocou o encerramento de fronteiras internacionais e confinamentos em todo o mundo, Mary Jane salienta que isso não teve um impacto negativo na sua experiência.
“A pandemia deu-me tempo para explorar ainda mais e trabalhar o meu francês”, diz, acrescentando que aproveitou para ver filmes e ouvir canções francesas antigas. "Não só a língua, mas também as associações. É isso que enriquece realmente a nossa vida".
Mas os primeiros meses de Mary Jane em Paris revelaram-se mais difíceis do que ela esperava, pois apesar de já ter passado muito tempo na cidade, a passagem de visitante a residente foi um desafio.
“A minha metáfora é encontrar o detergente para a roupa certo”, compara. Porque os amigos perguntavam: ‘Vais a muitos museus’. E eu respondia: ‘Não, estou a tentar encontrar o detergente para a roupa certo’. Porque quando se é turista, não é preciso fazer todas essas coisas.”
Mary Jane admite que ainda demorou algum tempo a descobrir onde comprar muitos dos alimentos e produtos de que gostava.
“As coisas não estão onde se espera que estejam”, diz.
Por fim, conseguiu encontrar quase tudo o que precisava, incluindo o detergente para a roupa certo. Mas houve pelo menos uma coisa sem a qual teve de viver - a couve.
“Estou muito desiludida com isso”, diz, explicando que só conseguiu encontrar o vegetal de folhas verdes em Paris um par de vezes. “Eu adoro couve, mas encontrei um substituto”.
Criar ligações
Depois de ter uma ligação à internet e um computador preparado para o trabalho e de ter encontrado uma igreja do seu agrado, Mary Jane diz que se sentiu pronta para enfrentar Paris.
Foi-lhe relativamente fácil conhecer pessoas, pois, diz, é “uma pessoa muito faladora”.
No entanto, Mary Jane diz que se apercebeu desde cedo que teria de ajustar ligeiramente a sua abordagem ao iniciar conversas com os habitantes locais.
“Aprendi que, se vamos interagir com alguém, as primeiras palavras que devemos dizer são ‘Bonjour’”, diz, apontando que descobriu que as pessoas em França preferem trocar cumprimentos antes de lhes ser feita uma pergunta específica.
“Um soldado ensinou-me isso quando eu estava numa estação de comboios em Lyon e precisava de ir à casa de banho”, recorda.
Embora note que existem muitas diferenças culturais entre os EUA e França, Mary Jane sublinha que não teve muitos problemas de adaptação.
No entanto, admite que considera que o serviço de apoio ao cliente em França é um pouco deficiente.
"Os franceses estão um pouco atrasados. Por isso, aprendi a mudar as minhas expectativas. Eles não vão mudar por mim, por isso apercebi-me que não vão ser tão eficientes a responder-me como cliente. Mas é assim que as coisas são”, relativiza.
Mary Jane também sente que as pessoas em França têm limites espaciais diferentes daqueles a que estava habituada em Nova Iorque.
“As pessoas que procuram algo no supermercado aqui, ficam mais próximas do que nos EUA”, diz, acrescentando que também reparou nisso na América Latina.
"Por isso, tive de ajustar as minhas expectativas e perceber que não eram rudes. Estavam apenas a ser franceses."
Mary Jane adora o estilo de vida parisiense e diz que ainda se surpreende com o quão “bonita” é a cidade.
“Eles também têm os seus novos edifícios feios”, reconhece. “Mas continuam a ser bonitos.”
Agora com 82 anos, Mary Jane nota que muitos dos seus novos amigos em Paris são significativamente mais novos do que ela, mas entende que isso não é um problema.
“Algumas das pessoas que conheço têm a minha idade”, diz. "O meu vendedor de queijos tem cerca de 50 anos e vai apresentar-me à avó dele, que tem a minha idade. E tenho alguns dos meus outros amigos cantores que são cerca de 10 anos mais novos do que eu. Algumas das outras pessoas que cantam são 20 anos mais novas. Há uma grande variedade".
"Nesta altura da minha vida, tenho necessidades simples"
Apesar de não ter notado grande diferença no custo de vida em França, Mary Jane, que vive em Issy-les-Moulineaux, nos subúrbios do sudoeste de Paris, afirma que, inicialmente, queria comprar um apartamento lá, mas acabou por não o poder pagar.
“Pelo menos, não num bairro onde eu viria a viver”, acrescenta. "Isso foi uma surpresa para mim.” Embora a compra de um apartamento seja outro tipo de pesadelo burocrático.
"Por isso, talvez me limite a ser arrendatária”, admite. “Nesta altura da minha vida, tenho necessidades simples. Essa é uma das vantagens. Tenho necessidades simples e sei o que quero."
Mary Jane tem um cartão de identificação da Carte Vitale, que cobre a maior parte das suas despesas médicas, mas admite que “evita os médicos como a peste”, a não ser que seja “por causa de um ferimento ou coisas do género”.
Explica que pratica ioga diariamente há cerca de 30 anos e sente que isso tem ajudado imenso a sua saúde física.
“Faço-o para não acabar como muitas pessoas da minha idade, que não conseguem fazer nada a não ser ficar sentadas em frente à televisão com o comando. E até agora, consigo mexer-me. E consigo ver."
Mary Jane publicou um livro, “Bodies Speak Truth: So listen up!” (Os corpos falam a verdade: por isso, oiçam!), que descreve em pormenor as práticas que desenvolveu para cuidar da sua saúde e do seu bem-estar físico.
“Sou uma educadora de coração e acredito que o que aprendi será útil para os outros”, diz. “O livro mostra como passei a valorizar a minha própria intuição.”
No que diz respeito à língua, Mary Jane admite que, embora ainda seja “mais forte em espanhol”, o seu francês melhorou e a sua confiança aumentou com o tempo.
Mary Jane tenta praticar o seu francês tanto quanto possível, até porque, lembra, não tem “décadas pela frente para dominar” a língua.
“A frase: ‘Ela fala francês’ não tem sentido, porque não diz nada sobre o nível", observa.
"Há a compreensão da leitura. Há a compreensão auditiva. Há a conversação. Há todas estas categorias diferentes. O facto de se poder fazer um pedido num restaurante, fazer compras e utilizar os transportes públicos não significa que se possa falar na Assembleia Nacional [uma das câmaras do Parlamento francês].”
Embora continue a gostar muito do seu trabalho, Mary Jane já não trabalha a tempo inteiro e sente que tem um bom equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.
"Recebo os meus pagamentos da segurança social para os quais trabalhei muito", diz. "Quer dizer, tenho 82 anos, se ainda não tivesse aprendido a equilibrar isso…. No outro dia, estava a dizer a um cliente: ‘Enquanto tivermos visão e audição, podemos fazer isto até cairmos mortos’. É esse o plano".
Após quase quatro anos em França, Mary Jane, que tem atualmente uma autorização de residência renovável Carte de Séjour, sente-se em casa no país europeu e planeia pedir a cidadania francesa dentro de alguns anos.
“Não tenho planos para voltar para os Estados Unidos”, admite. "Exceto, Deus nos livre, [se houver] uma morte na família.”
"As pessoas dizem: 'Oh, então não vais para casa nas férias?’ E eu respondo: ‘Não, a minha casa é onde estou. Estou aqui".
Olhando para trás, para a sua decisão de se mudar para Paris aos 79 anos, Mary Jane diz que não a vê necessariamente como uma decisão corajosa, mas sim como uma decisão necessária.
“As pessoas dizem: ‘Oh, na sua idade, é muito corajoso mudar-se para França’. Mas não é corajoso. Coragem significa que se tem medo. Tem-se medo, mas é-se capaz de agir na mesma. Eu não tinha medo.”