Pela primeira vez há mosquitos na Islândia. Culpa é da globalização e das alterações climáticas

26 out, 16:00
Mosquito (Getty)

Antártida passa a ser a única região livre de mosquitos. A globalização está a provocar a disseminação de espécies invasoras e as alterações climáticas possibilitam a sua sobrevivência noutros ambientes

A Islândia era um dos raros lugares no planeta que estava livre de mosquitos, mas essa exceção chegou ao fim, agora, o único refúgio no mundo que está livre de mosquitos é a Antártida. Cientistas islandeses confirmaram a descoberta dos primeiros mosquitos em estado selvagem no país, um acontecimento sem precedentes que levanta questões sobre o aquecimento global e a globalização.

A professora Carla Sousa, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), refere à CNN Portugal que é “necessário comprovar que houve o estabelecimento de uma população”, tendo em conta que identificaram o local e que o número de mosquitos era reduzido, logo é possível que a situação tenha sido controlada. No entanto, só em mosquitos transmissores de agentes patogénicos ao homem já foram identificadas “cerca de 45 espécies introduzidas em regiões das quais não eram nativas”, segundo a especialista.

De acordo com a CNN Internacional, os insetos foram encontrados por Björn Hjaltason em Kiðafell, Kjós. “Ao anoitecer de 16 de outubro, avistei uma mosca estranha; imediatamente suspeitei do que estava a acontecer e rapidamente apanhei a mosca”, escreveu num grupo do Facebook sobre insetos. O entomologista Matthías Alfreðsson, do Instituto de Ciências Naturais da Islândia, deslocou-se ao local e confirmou que se tratava de três mosquitos - duas fêmeas e um macho - da espécie Culiseta annulata.

A Culiseta annulata é comum em regiões frias do hemisfério norte e consegue resistir a longos períodos de temperaturas negativas, o que “permite que suporte invernos longos e rigorosos, quando as temperaturas caem abaixo de zero”, explicou Alfreðsson. A dúvida agora é como é que estes mosquitos lá chegaram e se vão conseguir sobreviver ao inverno e estabelecer uma população estável.

Carla Sousa diz que se tem vindo a verificar que a globalização e o consequente aumento do tráfego marítimo e aéreo estão “diretamente relacionados com o aumento da importação de espécies invasoras”. Afirma que se tivéssemos de “apontar o dedo” a um fator mais preponderante, seria o ser humano e as suas atividades que mais dispersam qualquer espécie invasora.

Para a especialista, as alterações climáticas “não são tão responsáveis” pela dispersão dos invasores, mas sim pela criação de ambientes mais adequados “onde certas espécies podem sobreviver se lá chegarem”. Sublinha que as mudanças no clima fazem com que “chegando mosquitos viáveis, eles tenham condições para se instalar, reproduzir, expandir e estabelecer uma população autónoma”.

Segundo a CNN Internacional, o país já registou temperaturas recorde em maio, mais de três graus celsius acima do normal, num fenómeno que os cientistas associam às alterações climáticas. Não está claro como o mosquito chegou à Islândia, mas as teorias incluem a possibilidade de ter vindo através de navios ou contentores.

“As alterações climáticas estão a modificar a área de dispersão dos mosquitos, alguns com importância médica, ou seja, há espécies que nós raramente encontrávamos que começamos agora a encontrar com maior frequência”, alerta Carla Sousa.

A professora afirma que “há uma forma excecional” para controlar o aparecimento destas espécies invasoras: “qualquer mosquito que veja, seja na parede ou a picá-lo, tira uma fotografia e envia para mosquitoweb; se for uma das espécies que tem impacto na saúde pública, nós [o IHMT] fazemos parte de uma task force da DGS que depois vai imediatamente ao terreno e tenta implementar medidas de controlo e de monitorização.”

A especialista deixa ainda dicas para evitar que os mosquitos apareçam e se fixem nas nossas casas, varandas ou jardins, tais como eliminar todos os recipientes que possam acumular água - “pode ser uma carica, os pratos dos vasos ou o bebedouro do cão” - e no caso de não poderem ser removidos devem ser limpos semanalmente. 

Para limpar corretamente estes recipientes é preciso esfregá-los “para esmagar fisicamente os ovos”. Carla Sousa explica que há espécies que podem ir “de ovo a adulto em cinco a sete dias” e que, se apenas deixar secar os sítios onde se acumula a água, os ovos de Aedes aegypti (mosquito vetor do dengue, zika e febre amarela) podem manter-se três a quatro meses completamente secos que quando entram em contacto com a água ainda estão completamente viáveis.

O New York Times acrescenta que Hjaltason usava uma técnica chamada “wine roping”, que consiste num pano embebido em vinho açucarado para atrair insetos para o seu jardim, e foi esse método que levou à descoberta. Alfreðsson, o entomologista, confirmou que todos os três espécimes “estão guardados no congelador”, à espera de mais análises.

Os especialistas ainda não sabem se esta pequena amostra representa um caso isolado ou o início de uma nova era entomológica na Islândia. Como observou o entomologista holandês Bart Knols, citado pelo New York Times, “não devemos ficar surpreendidos ao ver mosquitos a aparecer em locais muito estranhos”.

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