“Gosto demasiado da vida para me zangar com ela”. Eunice Muñoz, a mulher de uma fé inabalável

15 abr 2022, 13:05

Na última entrevista dada à TVI, em março deste ano, a atriz revelou como foi difícil perder a voz, o principal instrumento de trabalho

Eunice Munõz morreu esta sexta-feira, aos 93 anos. Na última entrevista dada à TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal) em março deste ano, a artista revelou não ter medo da morte e disse que gostava demasiado da vida para se zangar com ela, mesmo após ter perdido a voz.

“Só gostaria de não estar muito tempo doente. Espero que Deus me dê isso”, disse Eunice Muñoz numa entrevista conduzida por Manuel Luís Goucha, reforçando que Deus sempre foi bom para ela e que, se algum dia o conhecesse, lhe diria que sempre confiou nele.

“Vamos ficando preparados, conforme o tempo passa. (...), mas viver é bom, viver é muito bom. Tenho muita sorte", confessou, mostrando-se grata pelo percurso profissional que teve ao longo de mais de oito décadas. 

Sobre o futuro do teatro, Eunice considera que a arte ficará bem entregue às novas gerações. "Há gente com talento", disse, apesar de considerar que a falta de ajuda ao setor da cultura é ainda um grave problema na sociedade.

“Devíamos ser apoiados e nunca fomos. Ficámos muito contentes com o 25 de abril porque acabou a censura, foi uma oportunidade grande. Respirámos, respirámos profundamente, mas continuamos muito pouco ajudados”, continuou, lembrando como era frustrante na altura da ditadura em Portugal, fase em que viu pelo menos duas peças serem censuradas.

Eunice acredita que "modéstia" é a palavra que a define, que nunca foi prejudicada por ser modesta, mas que também nem sempre foi assim. “O que me tornou assim foi a consciência de que era muito pouco sem a minha voz. Era quase nada”, explicou, adiantando que foi "uma tristeza muito grande, um grande desgosto" perder a voz e que tinha saudades de como era.

Apesar de alguns acontecimentos marcantes e que podiam ter sido decisivos para abalar a fé da atriz, como ver uma das filhas morrer com cancro ou ter ficado sem voz, Eunice disse que se conformou.

"Não me revoltei. Não há dúvidas em mim, tenho uma fé inabalável", revelou, avançando ser na fé que encontrou muitas respostas que lhe trouxeram tranquilidade para ultrapassar os desgostos. “Gosto demasiado da vida para me zangar com ela”, continuou, apesar de lembrar que a profissão foi totalmente afetada pela tragédia de ficar sem voz.

Eunice disse ainda sentir falta de representar, mas que, por enquanto, ainda estava a desfrutar dessa possibilidade (ainda que com limitações) ao lado da neta Lídia Muñoz. Foi com "A Margem do Tempo" que a artista se despediu este ano do teatro, com algumas limitações devido à sua condição de saúde.

“O silêncio é muito importante na representação. Há silêncios que falam, com lágrimas e sem lágrimas. Foi muito fácil representarmos juntas porque temos um grande amor uma pela outra e quase que adivinhamos os pensamentos. Foi uma grande alegria para mim poder fazer este espetáculo com ela. É a minha herdeira (do talento)”, disse com orgulho, desejando que o trabalho da neta seja valorizado e que Lídia seja vista "como merece".

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