Comissão criada pelo Governo por causa da subida da mortalidade infantil está há quatro meses sem dar dados

13 mai, 13:24
Recém-nascido (GettyImages)

Mortalidade infantil subiu 20%. Especialistas lamentam silêncio da Direção-Geral da Saúde (DGS), dizem que “é urgente saber quem são estes bebés” que morreram e avisam para duas tendências que colocam em risco a vida das crianças: os partos em casa e a não vacinação. Mas também querem saber se as dificuldades de acesso aos serviços de saúde são uma das causas - mas a DGS está em silêncio sobre o tema

O aumento de 20% da mortalidade infantil registado em 2024 é um enorme “motivo de preocupação”, assim como é “preocupante” ainda não se saber o que justifica a morte de 252 bebés com menos de um ano. Especialistas apontam alguns fatores, mas chutam a responsabilidade para a Direção-Geral da Saúde (DGS), que em janeiro criou uma Comissão de Acompanhamento da Mortalidade Fetal e de Menores, presidida pela própria diretora-geral Rita Sá Machado, mas que até agora não deu qualquer justificação. Contatada pela CNN Portugal, a DGS não respondeu se tem ou não dados sobre as causas do aumento da mortalidade infantil no último ano.

“Precisamos urgentemente dos resultados dessa comissão, temos de saber as causas. A DGS tem de dar respostas atempadas, até para evitar a desconfiança da população nos serviços de saúde e para evitar notícias que causam alarmismo”, começa por dizer Manuel Ferreira Magalhães, pediatra no Centro Materno Infantil do Norte e professor auxiliar convidado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).

Também Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), não hesita em dizer que “é um motivo de extrema preocupação” o silêncio da DGS sobre o tema, aproveitando para tecer também críticas ao Ministério da Saúde, que desde janeiro - quando o jornal Público avançou com os dados da mortalidade infantil em 2024 - não apresentou quaisquer justificações para este tema. “Obviamente, o que esperaríamos era transparência e que desse explicações ao país e a todas as grávidas”, afirma Joana Bordalo e Sá.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) apresentados pela PORDATA, Sintra foi o município com o valor mais elevado de óbitos (18), seguindo-se Almada (16), Amadora (12), Lisboa e Seixal (10 cada), o que, para Joana Bordalo e Sá, é um “facto objetivo” do impacto dos constrangimentos dos serviços de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria na região de Lisboa e Vale do Tejo, que no ano passado protagonizou uma série de encerramentos rotativos de maternidades e de urgências. E a própria ministra da Saúde, Ana Paula Martins, reconheceu esta segunda-feira que “ninguém pode dizer hoje que não está relacionado, mais do que com as urgências [encerradas], com a diminuição, nos últimos anos, daquilo que tem sido o investimento que precisamos de fazer, concretamente no sistema público na área materno-infantil”.

Joana Bordalo e Sá sublinha que este aumento da mortalidade infantil “é dramático e não pode ser dissociado da degradação crescente do SNS”. E lembra que é também nesta região de Lisboa e Vale do Tejo que “faltam médicos de família para vigiar as grávidas”. “Seguramente há vários fatores [que podem justificar o aumento], mas um dado objetivo é que os dados mostram onde [a mortalidade infantil] acontece mais, que é em Lisboa e Vale do Tejo. E também é um dado objetivo que nessa zona os blocos de parto e serviços de urgência estão encerrados, seguramente há aqui uma associação.” 

O número de bebés com menos de um ano que morreram no ano passado é, ainda assim, menor do que em 2018, ano em que morreram 287 bebés. E, ainda hoje, as causas estão para apurar, como disse a então diretora-geral da Saúde Graça Freitas no Parlamento - mas a DGS disse na altura que a taxa estava dentro da normalidade, mas sempre sem detalhar os motivos das mortes. O bastonário dos Médicos à data, Miguel Guimarães, citado pelo Público, tentava apontar algumas causas. "Sabemos que o aumento da idade média da maternidade e o maior recurso a tratamentos de fertilidade podem ter algum impacto negativo na mortalidade infantil", disse.

Não vacinação, partos em casa

Diogo Ayres de Campos, presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia, pede cautela na análise dos dados, lembrando que os dados apresentados pela PORDATA (que incluem dados do Instituto Nacional de Estatística e do Eurostat) referem-se a crianças até um ano e não discriminam as causas. O especialista e diretor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santa Maria, em Lisboa, não descarta um possível impacto dos “constrangimentos nas urgências de Ginecologia e Obstetrícia”, mas diz que “é abusivo” associar estes dados apenas à questão ginecológica, uma vez que a informação divulgada “não tem discriminado quantos bebés morreram nos primeiros sete dias de vida”, situações em que podia ser atribuída uma causa direta a cuidados neonatais ou obstétricos.

Manuel Ferreira Magalhães é mais cauteloso e defende que “temos de ser honestos na avaliação disto, não podemos dizer que tem relação com o encerramento das urgências porque não sabemos, temos de esperar uma investigação caso a caso”, até porque, destaca, hoje em dia há vários fatores que podem justificar isso, incluindo os avanços da Medicina: “Conseguimos cada vez mais ter sucesso em que as gravidezes consigam ter um termo e prolongamos [a gestação de] bebés sem viabilidade uterina, mas estes bebés podem não sobreviver [depois do parto]”.

Tanto Manuel Ferreira Magalhães como Diogo Ayres de Campos apontam as gravidezes não vigiadas como um possível motivo para o aumento da mortalidade infantil, sobretudo por parte de mulheres estrangeiras que chegam a Portugal com gestações de risco e sem que tivessem tido qualquer acompanhamento médico, uma tese já apresentada também pelo bastonário dos médicos no início do ano. “Não é suficiente dizer que poderá ser por falta de acesso às urgências ou que a mortalidade infantil poderá resultar do aumento das gestações mal vigiadas e da consequente diminuição da deteção de patologia fetal grave por força da entrada de migrantes em estados de gestação avançados, é preciso ter certezas", disse Carlos Cortes em declarações ao Público.

“É uma hipótese plausível”, mas que não “é comprovável com estes números”, adianta Diogo Ayres de Campos.

Manuel Ferreira Magalhães vinca que “é urgente saber quem são estes bebés” que morreram, não só “para acalmar a população” mas “sobretudo para saber onde podemos melhorar”, pois, diz, “a saúde passa por muitos mais problemas que ultrapassam o Governo”, apressando-se a dar o exemplo de duas tendências que colocam em risco a vida dos bebés: os partos em casa e a não vacinação. “Hoje em dia, começa  a haver uma onda de nascimentos no domicílio”, diz o pediatra, apontando os partos em casa como um risco acrescido para a mortalidade infantil. “O parto, quando corre bem, corre bem em qualquer lado; quando corre mal, das duas uma: ou temos uma equipa preparada para dar hipótese de sobrevivência [ao bebé] ou, se está, em casa não tem qualquer hipótese” de intervenção médica e hospitalar”.

O médico do Centro Materno-Infantil do Norte destaca ainda uma “coisa incompreensível” mas que pode contribuir para a mortalidade infantil - daí ser “importante” saber as causas. O médico refere-se aos “pais antivacinação”, que deixam as crianças desprotegidas numa fase crítica de início de vida. “É uma coisa incompreensível a nível mundial, veja o caso do sarampo, há crianças nos Estados Unidos a morrer de sarampo”, afirma o médico, apontando que este é um exemplo de uma causa evitável.

Manuel Ferreira Magalhães coloca ainda em cima da mesa as “malformações congénitas não detetadas na gravidez” como potencial causa para a mortalidade infantil, vincando, novamente, que o importante é mesmo perceber cada um dos casos registados.

“A DGS tem de apresentar dados pelo menos nestes domínios, se [o aumento da mortalidade infantil] foi por não haver acesso aos serviços de saúde, se foi uma gravidez mal vigiada, se houve negligência, se foi parto em casa ou se os pais não deram as vacinas. Temos de ver onde podemos melhorar, ver de quem é a responsabilidade, mas acima de tudo saber onde podemos melhorar”, conclui Manuel Ferreira Magalhães.

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