Monkeypox: "Temos de descobrir se o vírus está a transmitir-se de forma mais fácil", avisa médica que viu os primeiros doentes

23 mai 2022, 09:00
Cândida Fernandes, a dermatologista que identificou os primeiros casos de Monkeypox em Portugal

Cândida Fernandes dirige a consulta de doenças sexualmente transmissíveis do Hospital dos Capuchos, onde a 3 de maio surgiu um homem com lesões nunca vistas. Hoje segue 21 casos, 15 confirmados. A médica falou em exclusivo com a CNN Portugal/TVI e conta o que se passou nos bastidores para descobrir o novo problema de saúde. E relata o que viu no corpo dos doentes e o que é preciso saber para se perceber que tipo de surto estamos a lidar

No dia 3 de maio surgiu na sua consulta um doente com  lesões que nunca tinha visto. Poucas horas depois surgiu outro igual. Cândida Fernandes é responsável pela consulta de doenças sexualmente transmissíveis do serviço de dermatologia do Hospital dos Capuchos em Lisboa, onde se dirigiram alguns dos primeiros doentes com varíola dos macacos. Neste momento, só neste serviço já são 21, entre confirmados e suspeitos.  A especialista em dermatovenereologia falou em exclusivo à CNN Portugal/TVI e conta como conseguiram descobrir que era o Monkeypox,  como são e onde se encontram as lesões dos doentes. A médica garante ainda que os próximos tempos vão ser decisivos para perceber se o vírus sofreu uma mudança e está a transmitir-se mais facilmente entre humanos e de forma diferente do que era habitual. 

Foi na sua consulta que se detetaram os primeiros casos de varíola dos macacos ?

O primeiro o doente que observámos com uma situação pouco comum, que na altura não soubemos identificar foi no dia 3 de maio. Foi nesse dia que aqui no Hospital dos Capuchos apareceu o primeiro doente com lesões cutâneas.Depois, passado umas horas surgiu outro. E a partir dai começaram a aparecer vários.

Quantos doentes estão a seguir neste agora?

Neste momento temos 21 doentes, 15 já confirmados com análises e os outros a aguardar resultado.

Os médicos em Portugal nunca tinham visto esta doença. Como é que percebeu que podia ser este vírus?  

O que percebi era que na nossa consulta de doenças sexualmente transmissíveis começaram a aparecer alguns doentes cujo quadro clínico não tinha causa conhecida. Não tinha nada a ver com as causas frequentes no âmbito da transmissão sexual. Não eram situações habituais. Ai  alargámos o nosso espectro de biópsias e começamos também  enviar material de cultura para outros locais para se tentar perceber o que se passava e ver se havia outras infeções parecidas noutros sítios parecidas. O processo desencadeou-se a partir dessa altura.

No início o que pensou que podia ser?

Pensámos que podia ser um herpes, por exemplo. Na primeira semana de maio, aos doentes que apareceram fizemos as análises habituais e despistámos as infeções sexualmente transmissíveis, como HIV, hepatite, sífilis gonorreia, herpes… Todas as análises deram negativo. E na semana seguinte decidimos começar a fazer biópsias. E foi aqui que no laboratório, numa histologia, encontraram numa das amostras de um doente uma infeção viral da família do vírus Pox. Nessa altura pedimos ajuda ao Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) que tem capacidade para fazer esse tipo de análises.  

E quando tiveram a certeza?

No início da semana de 16 de maio tivemos confirmação laboratorial que era a varíola do macaco.

Então quando lhe apareceram os primeiros doentes nunca ponderou ser esta doença?

Não, de maneira nenhuma. Nunca esteve em cima da mesa.

Foi uma surpresa quando se descobriu o que era?

Totalmente. Foi uma surpresa sim. A nossa consulta no Hospital dos Capuchos funciona às terças e quintas-feiras e foram-nos aparecendo, três, quatro doentes. Logo aí tivemos a noção de que algo não estava bem pois não estávamos a compreender. Nunca tínhamos visto aquilo.

O primeiro doente que viu que sintomas apresentava concretamente?

Tinha lesões. Aliás todos apresentam lesões. No primeiro e segundo dia alguns dos doentes têm febre e sentem cansaço.

As lesões dos vários doentes são todas na mesma zona do corpo?

A maioria dos doentes tem lesões nos genitais. E ao mesmo tempo têm outras em outras zonas como a cara, membros, pescoço… Mas nestas outras partes têm menos.

Qual a quantidade média de lesões?

Em média os doentes devem cerca de 10 lesões. Uns têm mais, cerca de 20.  Não é bem igual às imagens que têm aparecido onde há imensas lesões.

Quanto tempo duram as lesões?

As lesões persistem durante duas a três semanas e são o principal motivo de desconforto dos doentes.

Mas deixam marcas, cicatrizes?

Desaparecem. O primeiro doente que vi já está bem.  Nos doentes que seguimos ficam com a pele normal.

O que se pode fazer para tratar as lesões?

Não há forma de tratar as lesões para que desapareçam mais rapidamente, mas costumamos dar uma pomada com antibiótico para evitar reinfeções.

Os doentes pareciam assustados com a situação?

Sentiam-se essencialmente desconfortáveis, pois algumas lesões são dolorosas, como referi. Mas do ponto de vista clínico não estavam muito doentes, vieram a pé à consulta e não tinham grandes queixas. Eram situações benignas. Temos mantido contato telefónico e todos parecem bem.

Mas esta doença não é considerada uma doença sexualmente transmissível (DST).

Não é de facto atualmente considera uma doença sexualmente transmissível. Mas pode ser de transmissão sexual no sentido que o contágio é por contado com lesões de uma pessoa infetada. Tem de haver contato prolongado pele com pele, mucosa com mucosa e a relação sexual é uma das situações em que isso acontece. Mas dos surtos encontrados anteriormente essa não foi a via preferencial e não é uma situação frequente. Assim como a doença em si também não é frequente.

Mas acredita que pode vir a ser uma nova DST?

Ainda é cedo para saber. É preciso perceber algumas questões, como descobrir se vírus se está a transmitir de forma mais fácil entre os humanos e se a transmissão sexual pode ser uma nova forma de transmissão entre humanos.  

Os seus doentes eram todos homens?

Sim todos homens que tiveram sexo com homens

E de que idades?

São todos jovens entre os 20 e os 30 anos. Não digo que não possa haver um doente de 40 anos, mas a maioria é na casa dos 20 e 30. Não há menores.

Porque acha que não apareceu em mulheres?

Não sabemos se a doença vai aparecer em homens que têm sexo com mulheres ou em mulheres. Este é um tema sensível na estigmatização. Mas temos de esperar para ver o que se vai passar. Até porque tudo o que sabíamos do passado sobre este vírus indicava que não se transmitia de forma predominante por via sexual.   

O facto de estar a surgir em homens que tiveram sexo com homens pode indiciar uma mudança da forma de transmissão deste vírus ?

É cedo para dizer, mais uma vez pois só temos três semanas de surto. Não há ainda tempo para perceber se o comportamento do vírus é diferente.

Havia ligação entre alguns dos doentes?

Dos nossos doentes tanto como sabemos não. Alguns frequentam os mesmos espaços de recreio.

E estão a fazer inquéritos epidemiológicos ? A falar com as pessoas que estiveram com todos esses doentes?

Estamos em contato com todos os nossos doentes que foram aconselhados a pedir aos seus contatos e coabitantes que se apresentem na consulta em especial se tiverem sintomas.

Se o primeiro doente que lhe apareceu foi a 3 de maio e tendo em conta o período de encubação, isso significa que a doença está em Portugal desde a primeira semana de abril?

O tempo de incubação é de 21 no máximo. Em teoria conta-se 21 dias para trás desde os sintomas, mas muitos casos não têm tanto tempo de incubação. Diria que na segunda terceira semana de abril já estaria este vírus em Portugal.

Segundo percebi não houve nenhum caso grave entre os seus doentes.

Sim, não houve. São infeções autolimitadas que se resolvem naturalmente.

A doença pode ser mortal?

Estão descritos casos graves desta infeção, mas nós nunca vimos. Não é o que estamos a ver. Em teoria pode haver infeção pulmonar ou infeção do sistema nervoso central. Mas nos doentes que nos aparecem são situações mais simples.

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